O cultivo crescente da cana de açúcar levou o Brasil à condição de segundo maior produtor mundial de etanol (12 milhões de toneladas em 2006), mas os impactos socioambientais da atividade permanecem longe da unanimidade.
O documento que alerta para risco da produção de biocombustíveis à segurança alimentar, apresentado pelo relator especial da ONU para o tema, Jean Ziegler, na última Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, também associa a condição dos trabalhadores da indústria canavieira no Brasil à escravidão. Afirma que eles chegam a receber apenas R$ 2,5 por tonelada cortada em condições precárias e por serem registradas centenas de mortes em serviço.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aponta a atividade ainda como grande devastadora de florestas. "É um modelo de monocultura destruidor, que causa danos irreparáveis ao meio ambiente e restringe a possibilidade de uma reforma agrária ampla e necessária no país", disse à Agência Brasil a porta-voz do MST, Marina dos Santos.
Para o presidente da Comissão Nacional de Cana de Açúcar da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Edison Ustulin, as críticas têm pretextos comerciais. "O discurso ambiental equivocado está atrelado a pessoas que afetamos na concorrência internacional, pois estamos avançando com segurança, usando tecnologias corretas em áreas de pastagens e degradadas. Um caminho normal em um país que precisa melhorar o uso do solo. Ninguém de bom senso defende mexer com biomas como a Amazônia e o Pantanal", rebateu Ustulin.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção voltada para o etanol de 470 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no Brasil em 2007.
Ustulin classifica os casos de mortes de trabalhadores em lavouras canavieiras como fatos isolados: "o contingente de pessoas é muito grande e algumas delas podem sofrer de doenças congênitas que escapem dos exames ". Para ele, os grandes grupos do setor têm consciência de que precisam garantir os benefícios sociais aos empregados. "Quem utiliza mão-de-obra sem registro formal, por intermédio dos agentes conhecidos como gatos, tem que ser punido exemplarmente. O Ministério do Trabalho tem acompanhado com rigor", avaliou Ustulin.
Representantes dos trabalhadores rurais sugeriram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no fim de agosto, a criação de um fórum permanente para discutir as condições de trabalho dos bóias-frias, como são conhecidos aqueles que vivem de trabalho temporário na colheita de cana-de-açúcar.
O representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) na América Latina, José Graziano, defende um reordenamento da cadeia produtiva do álcool, com maior participação de pequenos agricultores. Tal visão é compartilhada pelo dirigente da CNA. "O Estatuto da Lavoura Canavieira no Brasil prevê que 40% da cana utilizada pelas usinas seja procedente de pequenos produtores, mas o instrumento não tem funcionado de fato, com usineiros trabalhando com 100% de matéria-prima própria", confirmou Edison Ustulin, para quem o setor encontra-se "à deriva" e precisa de regulação efetiva de mercado para evitar prejuízos que ainda afetariam produtores.
Para Ustulin, não existe o risco de a expansão dos biocombustíveis comprometer a segurança alimentar. "Com o aumento do poder aquisitivo no mundo, as pessoas tendem a se alimentar menos", seguindo a cultura de vida saudável, disse. Já o MST , segundo a porta voz Marina dos Santos, "defende que os recursos naturais sejam usados prioritariamente para produção de alimentos e geração de empregos".
Quanto à proposta de um zoneamento agrícola impositivo no Brasil, recomendada pela FAO, a Comissão de Cana-de-Açúcar da CNA é contra. "O zoneamento tem que ser mesmo indicativo, pois, se não há restrição ambiental, o produtor tem o direito de escolher a atividade produtiva que seja mais rentável, com ou sem crédito oficial. Agora, quem entrar em área proibida deve ser excluído de financiamentos", defendeu Ustulin.
O MST, informou Marina dos Santos, admite que até 20% das áreas de assentamento sejam utilizadas para produzir matérias-primas de energia, mas sem que a atividade se sobreponha ao cultivo alimentar.
O economista Ignacy Sachs se afirma favorável à produção dos biocombustíveis a partir da agricultura familiar e avalia que o Estado precisa definir critérios e políticas que empurrem a atividade no rumo "virtuoso" e não no "perverso".
Agência Brasil