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Estado

Foto: Tom Lima Audiência foi realizada pela Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo Audiência foi realizada pela Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo

Segundo a Comissão Pastoral da Terra do Tocantins (CPT), até 2015, mais de 50 mil pessoas foram libertadas, sendo três mil delas só no Tocantins, que estavam vivendo sob condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas. Privar a liberdade do trabalhador por dívidas contraídas, também é caracterizado como trabalho escravo contemporâneo, de acordo com o artigo 149 do Código Penal.

Contrário a esta definição, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) criou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 432/2013 que visa alterar a definição legal de trabalho escravo e, para discutir isso, a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-TO), vinculada à Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), realizou uma audiência pública na Assembleia Legislativa, na última sexta-feira, 19.

Para entender melhor a necessidade dessa audiência, o senador questiona a caracterização de “jornada exaustiva” e “condições degradantes” como crime e procura outro conceito para defini-lo. O projeto dele estabelece que o descumprimento da legislação trabalhista não caracteriza trabalho escravo e que os bens adquiridos por meio dessa exploração sejam confiscados e revertidos a um fundo destinado ao combate à condição.

Para o senador, a atual definição é subjetiva e deveria ser alterada, com o argumento de jornada exaustiva varia de pessoa para pessoa. Na sua avaliação, alguém que trabalha até tarde em escritório, por exemplo, por necessidade, seria mesmo uma situação de jornada exaustiva?". Para ele, a mesma reflexão deve ser analisado a respeito da condição degradante e isso não pode deixar espaço aberto para considerações.

Mas para a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), a definição de “condição degradante” é um conjunto de situações que coloca em risco a saúde e a vida do trabalhador, sujeitando-o a condições desumanas de alojamento, alimentação, trabalho, saúde e segurança.

Dignidade

No Tocantins, todos os participantes da audiência pública se manifestaram contrários a esse projeto, como o procurador do Ministério Público Federal, Fernando Antônio Oliveira, que considera que a dignidade é o maior bem do ser humano. “Não é a liberdade o principal bem a ser tirado de maneira brusca dos trabalhadores que vivem sob essas condições. O elemento principal da escravidão é atacar a dignidade das pessoas”, declarou.

Na ocasião, estavam presentes na discussão, a secretária de Estado da Cidadania e Justiça, Gleidy Braga, que é presidente da Coetrae-TO, o deputado estadual José Roberto, autor do requerimento para a realização da audiência e que a presidiu, bem como representantes do Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública Estadual (DPE), da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) e da Conatrae, órgão da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, além da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Para o representante da Conaete, o procurador do trabalho Lincoln Roberto Nóbrega, que repudia veemente a intenção do projeto, “trabalhar em condições degradantes significa ser tratado como uma coisa, um objeto. Significa trabalhar sem ter nem água potável para beber, significa dormir junto com os animais. É simples. Se a questão é a fluidez do conceito, porque definir bem esse conceito que me parece tão óbvio em vez de praticamente retirá-lo?”, frisou.

Segundo a secretária Gleidy Braga, há uma diversidade de representação de várias entidades e órgãos, desde organizações internacionais a sindicatos locais, mas cada um tem um papel a cumprir, sendo que juntos é possível fazer ainda mais. “Esse encontro entre sociedade civil e Estado na mesa de discussão é fundamental para mostrar onde e como fazer para se combater trabalho escravo”, analisou.

Retrocesso

O representante da OIT, Luiz Antônio Machado, afirmou que o trabalho escravo é o 3° crime mais rentável do mundo. “O trabalho escravo, tal como é hoje, atinge 1,8 milhões de pessoas só na América Latina e é um dos crimes que mais enche o capital mundial, atrás somente do tráfico de drogas e de armas. Não podemos retroceder novamente com esse PLS. Temos é que avançar em legislação e prática”, provocou.

Os trabalhadores rurais participantes também debateram o tema, afirmando serem contra o projeto de lei que, se aprovado, vai voltar a esconder o trabalho escravo e diminuir a fiscalização. Eles foram representados pelo Sindicado Nacional dos Auditores Fiscais, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet) e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miracema.

Vulnerabilidade

A audiência foi finalizada por Gleidy Braga, explicando que a Seciju trabalha diariamente com pessoas em situação de vulnerabilidade e o centro disso é a desigualdade social. “A disputa social, o pobre ficando mais pobre e o rico mais rico, faz com que pessoas se submetam a condições degradantes e situações de risco e outras explorem tudo que podem do ser humano. Eu repudio o PLS 432/2013 porque deixa de proteger a dignidade humana já tão atingida por essa pobreza. O nome disso é trabalho escravo e temos que combatê-lo em vez de combater o conceito”, declarou.