Política

TSE decide que Ficha Limpa vale para todos com condenação em órgão colegiado por crime grave

BRASÍLIA - Numa decisão histórica, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu nesta quinta-feira que a Lei da Ficha Limpa alcançará todos os candidatos que tiverem condenação em órgão colegiado (por mais de um juiz), por crimes graves, mesmo que elas tenham ocorrido antes da sanção da lei, em 4 de junho passado. O ministro relator da consulta sobre a abrangência da lei, Arnaldo Versiani, defendeu que inelegibilidade não é pena e nem significa perda de direito político. Versiani enfatizou que a lei alcança os processos em tramitação, os já julgados ou aqueles aos quais ainda cabe recurso. O relator foi acompanhado por cinco dos sete ministros. Apenas Marco Aurélio Mello ficou contra.

Segundo Versiani, as causas de inelegibilidade devem ser verificadas no momento do registro da candidatura. Se, naquela data, o candidato tiver condenações por órgão colegiado, estará impedido de se candidatar. Ou seja, o registro poderá ser negado. Para Versiani, não há por que se alegar que a lei estará retroagindo para prejudicar o direito do candidato. Conheça os principais pontos do projeto Ficha Limpa

- Não se trata de retroagir. A causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento do registro (até 5 de julho). Não se trata de perda de direito político, de punição. Inelegibilidade não constitui pena. A condenação é que por si só acarreta a inelegibilidade - disse Versiani. - A incidência de causa de inelegibilidade, sem exigência de trânsito em julgado (condenação definitiva), resulta de se exigir vida pregressa compatível dos candidatos.

Decisão traz "menor sacrifício possível"

O relator relembrou o voto do ministro Hamilton Carvalhido, dado na semana passada, destacando que o legislador, ao vetar o registro apenas nos casos em que haja condenação por órgão colegiado, garantiu o "menor sacrifício possível do princípio da não culpabilidade", ou seja, o princípio da presunção da inocência (a pessoa só é considerada culpada quando for condenada definitivamente).

Assim como Carvalhido, Versiani e os demais ministros que acompanharam seu voto enfatizaram que o direito eleitoral impõe a proteção da probidade e moralidade públicas. Os ministros enfatizaram que a lei, ao impedir o registro dos que têm condenações passadas, não está impondo sanção penal, mas avaliando se o candidato tem condições de concorrer a um cargo eletivo.

Versiani também citou o artigo terceiro da nova lei, que permite que pessoas com condenação recorram a instâncias superiores para tentar suspender a inelegibilidade, para afirmar que a lei atinge todas as condenações passadas.

O presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, levou ponderações de professores sobre o tempo verbal - a modificação feita ao texto na votação no Senado que mudou o tempo verbal de "os que tenham sido" para "os que forem" condenados. Para Lewandowski, ainda que haja mais de um interpretação, é preciso levar em conta o espírito da lei:

- A locução "os que forem" não exclui os já condenados. Não se trata de hipótese de retroatividade, mas de considerar, na ocasião do registro, as condições de inelegibilidade.

O ministro Marco Aurélio afirmou que o TSE não poderia ter respondido à consulta porque as convenções partidárias já estão ocorrendo. E, no mérito, afirmou que a lei só deveria valer para as próximas eleições, alertando que a retroatividade levará à insegurança jurídica:

- Temo que a antecipação de crivo pelo TSE acabe por encomendar uma missa de sétimo dia relativamente a essa lei. Continuo convencido de que a queima de etapas não conduz ao ordenamento jurídico. Certos temas devem ser amadurecidos.

A vice-procuradora geral eleitoral, Sandra Cureau, defendeu a validade da lei para condenações que ocorreram antes da sanção. Ela destacou o movimento popular em torno da votação do projeto de iniciativa popular que pedia ética e moralidade no exercício dos cargos públicos:

- O Ministério Público entende que se aplica a situações de inelegibilidade já configuradas e às que vierem se configurar até a data das eleições.

Apesar de acompanhar o voto de Versiani, o ministro Marcelo Ribeiro fez ressalvas à decisão. Para ele, há casos em que inelegibilidade é pena. O ministro deu como exemplo casos em que o eleito é julgado e cassado, na Justiça eleitoral, por compra de votos ou abuso de poder econômico.

O projeto de iniciativa popular foi apresentado à Câmara em setembro do ano passado, com o apoio de mais de 1, 3 milhão de assinaturas, e vetava a candidatura dos que tivessem condenação em primeira instância. Para ser aprovado, foi flexibilizado. O Congresso cedeu à pressão e aprovou o projeto em maio, e ele foi sancionado no último dia 4 de junho. Na semana passada, o TSE decidiu que a lei valerá para as eleições deste ano.

Antes desta lei, só condenados em última instância da Justiça estavam impedidos de concorrer. A lei atual veda o registro eleitoral de condenados por crimes graves: cassação de mandato, crimes contra a vida, por tráfico de drogas, por improbidade administrativa. O texto amplia o prazo de inelegibilidade de três para oito anos.

A condenação que torna o político inelegível só valerá se o julgamento se der em instância colegiada. A proposta permite que o condenado recorra para tentar suspender a inelegibilidade e concorrer.

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