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Meio Jurídico

Foto: Divulgação

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Dona Maria limpa a casa, prepara as refeições para os membros da família, resolve suas questões pessoais, como recebimento da aposentadoria, compras de supermercado, conduzindo-se de transporte público pela cidade, administra seus próprios bens e mesmo idosa, aos 71 anos, cuida de três netos que moram com ela. Apesar de ter uma rotina normal, a aposentada teve de provar na justiça que é lúcida o suficiente para gerir a própria vida, logo após ser interditada provisoriamente a pedido da filha, em agosto de 2014, que alega limitações físicas e mentais da mãe. 

A interdição visa resguardar o interesse de pessoas que não são mais capazes de gerir a própria vida, garantido à família o direito de representá-los. Para o defensor Rubismark Saraiva, que está atuando no processo junto à Vara de Família de Araguaína, a assistida mantém uma rotina saudável e similar à de qualquer outro cidadão comum que goza de plena sanidade mental. “Torna-se contraditório alegar que Maria não possui condições de gerir sua vida sozinha, porém encontra-se apta para prover a criação e educação de seus netos, os próprios filhos da curadora.

Para ele, as declarações obscuras nos autos do processo não versam diretamente acerca de sua capacidade ou incapacidade, mas tão somente acerca da resistência em manter tratamento junto ao CAPS – Centro de Atenção Psicossocial. “Nenhum laudo foi hábil a comprovar a falta de discernimento da realidade e de suas vontades por parte da contestada, não a declarando, portanto, incapaz. Assim, inexiste causa suficiente de embasar o deferimento de uma interdição”, sustentou. O Defensor Público acrescenta que o transtorno mental da assistida não a incapacita de discernir acerca do que deve e o que não deve fazer, “tanto é que teve plenas condições de procurar a Defensoria Pública visando resguardar seu direitos civis”, ressaltou.

Conforme o ordenamento jurídico vigente, a interdição trata-se de uma medida extrema e que produz efeitos drásticos sobre o exercício dos direitos à personalidade, portanto, a sua concessão deve estar fundada em prova inequívoca acerca da condição da requerida. A filha da assistida ajuizou a Ação de Interdição apresentando laudo médico da patologia da mãe – transtorno delirante, alegando que a mãe está incapacitada em virtude de uma suposta grave crise depressiva a qual se nega manter o tratamento com remédios controlados, bem como, não aceita a intervenção dos filhos para a realização do tratamento.

No decorrer do processo, a idosa comprovou que a nomeação da filha como curadora não lhe preserva os interesses e tampouco lhe traz tranquilidade, demonstrando que não depende de curadora para representá-la civilmente, resultando na revogação da liminar após decisão interlocutória nos autos do processo. Tal posicionamento foi comprovado através do estudo psicossocial realizado pela equipe multidisciplinar da DPE-TO – Defensoria Pública do Tocantins, constando uma animosidade existente no relacionamento intrafamiliar entre a contestada e a contestante. O parecer ressalta que se faz necessária cautela diante de uma medida de interdição relacionada aos portadores de transtornos mentais, principalmente quando este sujeito, no caso da idosa, é ativo e se mostrou, ao longo das entrevistas e visitas já realizadas, capaz de gerir sua própria vida.

No julgamento com resolução do mérito, a juíza Renata Teresa da Silva Macor, expôs a recente edição e entrada em vigor da Lei 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência. “Na atual conjuntura legal, a interdição deve ser vista como forma de promoção das garantias do cidadão, respeitando-se a dignidade da pessoa humana. No caso em tela, observa-se pelo laudo pericial acostado aos autos que a paciente apresenta surto psiquiátrico, temporário, entretanto, constatou-se que, apesar de possuir doença mental, encontra-se plenamente capaz e poderá gerir sua vida sem necessidade de ser interditada”, sentenciou.

Patologia

De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10, o transtorno delirante (CID F 22.0) é caracterizado pelo desenvolvimento de um delírio isolado ou de um conjunto de delírios relacionados entre si, que são usualmente persistentes e muitas vezes duram para a vida toda.