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Opinião

Foto: Divulgação

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciará um dos julgamentos mais esperados pelo mundo político e pelos brasileiros de todas as matizes ideológicas. O julgamento da ação de investigação judicial eleitoral contra Jair Messias Bolsonaro, que na época era candidato à reeleição para o cargo de presidente da República, e Walter Souza Braga Neto, candidato a vice-presidente da República. A ação, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT), alega prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, consistente no desvio de finalidade de reunião realizada pelo então presidente com embaixadores de países estrangeiros, oportunidade em que Bolsonaro atacou a integridade do processo eleitoral, especialmente disseminando “desordem informacional” referente ao sistema eletrônico de votação.

A inicial aponta que o discurso de Bolsonaro utilizou estratégia para impor severo descrédito ao sistema eletrônico de votação. O evento contou com cobertura da Empresa Brasil de Comunicações (EBC), sendo amplamente divulgado nas redes sociais do candidato à reeleição, potencializando o efeito danoso das declarações proferidas na condição de Chefe de Estado.

Dentre os graves fatos trazidos pelo Partido-autor, extrai-se a fala do ex-presidente no sentido que as urnas trocavam o dígito 7 pelo 3, transformando o voto no “17” (número de Jair Bolsonaro) em “13”, bem como que o sistema brasileiro de votação é “inauditável”; que a apuração é realizada por empresa terceirizada e não pode ser acompanhada e que o TSE teria admitido que, em 2018, “invasores puderam [...] trocar votos entre candidatos”.

Concluiu o partido-autor sustentando que houve violação aos artigos 37, § 1º, da Constituição, 73, I, da Lei nº 9.504/97 e 22 da LC nº 64/1990.

A defesa do ex-presidente, por sua vez, sustentou a incompetência da Justiça Eleitoral, aduzindo que o ato descrito pelo partido-autor da ação foi praticado por Bolsonaro na condição de Chefe de Estado, no regular desempenho da função privativa de manter relações com Estados estrangeiros (art. 84, VII, CF/88), sem qualquer relação com a disputa entre candidatos. Além disso, destacou que se tratava de “ato de governo”, insuscetível de controle jurisdicional sob a ótica do “fim político” e da soberania, inexistindo ato eleitoral, uma vez que “não se cuidou de eleições! Não se pediu votos! Não houve ataque a oponentes! E não houve a apresentação comparativa de candidaturas!”.

Ademais, sustentou que o Tribunal de Contas da União fez recomendações para aprimoramento da segurança e da transparência do sistema eletrônico de votação (TC nº 014.328.2021-6) e o próprio TSE criou a Comissão de Transparência Eleitoral (Portaria TSE nº 578/2021), o que ilustra a licitude de apresentar “questionamentos (pontos duvidosos!), postos às claras”. Pontuou, ainda, que o Presidente do TSE, em 31/05/2022, realizou reunião com a comunidade internacional “a pretexto de fornecer ‘informações sérias e verdadeiras sobre a tecnologia eleitoral brasileira’ [...] a despeito de, como devido respeito, não estar legitimado constitucionalmente para tanto”, o que pode ser considerado um “evento assemelhado” ao discutido nos autos.

Conforme destacado pelo relator Ministro Benedito Gonçalves: “A controvérsia fática recai sobre as circunstâncias em que a reunião foi realizada e em que ocorreu sua divulgação nas redes”. Ou seja, qual a repercussão eleitoral das inverdades proferidas por Bolsonaro aos embaixadores.

A Procuradoria-Geral Eleitoral ofereceu parecer no qual opinou pela parcial procedência da ação, a fim de que seja declarada a inelegibilidade somente de Jair Messias Bolsonaro em razão de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, e pela “absolvição do candidato a Vice-Presidente a quem não se aponta participação no caso”.

Retomando a análise da inicial, há que se enfrentar a questão da afronta às proibições constantes do artigo 73, inciso I, da Lei nº 9.504/97. O mencionado dispositivo prescreve: “São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”.

Não há dúvida que Bolsonaro utilizou o aparato estatal, na medida em que a reunião foi realizada no Palácio da Alvorada e, ainda, transmitida pela TV Brasil, ligada à empresa pública.

Questiona-se: Esse fato pode ser considerado como ato de campanha ou foi praticado por Bolsonaro na condição de Chefe de Estado, no regular desempenho da função privativa de manter relações com Estados estrangeiros (art. 84, VII, CF/88), sem qualquer relação com a disputa entre candidatos?

Há necessidade de examinar, também, a alegação de que o ex-presidente teria agido em desvio de poder, com a utilização indevida de veículo de comunicação pública, subsumindo-se ao disposto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, que assim dispõe: “Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”.

Na condição de Chefe de Estado, em período pré-eleitoral (18/07/2022), o Presidente poderia convocar embaixadores de outras nações para propagar inverdades sobre o sistema eletrônico eleitoral? As distorções da realidade propaladas pelo ex-Presidente poderiam trazer benefício à sua candidatura? Quais foram os efetivos benefícios eleitorais alcançados por Bolsonaro com a malsinada reunião?

Nas alegações finais, o partido-autor destacou que os depoimentos prestados por Flávio Augusto Viana Rocha, Carlos Alberto França e Ciro Nogueira Lima comprovaram que o governo brasileiro, diretamente ou pelo Ministério das Relações Exteriores, nunca recebeu questionamentos formais acerca da integridade do processo eleitoral brasileiro, seja por governos estrangeiros, seja por organismos internacionais, tampouco houve demanda por parte de embaixadores para conhecer o sistema eleitoral brasileiro, o que revela o “caráter insólito” da iniciativa inédita e pessoal do investigado, Jair Bolsonaro.

Em que pese as provas produzidas durante a instrução convirjam para a integridade do sistema eleitoral, o partido-autor, salvo melhor juízo, não logrou demonstrar que as irresponsáveis falas de Bolsonaro resultaram em benefícios eleitorais para ele ou seu partido. Ademais, não há qualquer indicativo que a referida reunião tenha malferido a integridade do processo eleitoral, resultando no comprometimento de sua normalidade ou legitimidade.

Não se pode olvidar, que a parte final do caput artigo 22 da Lei Complementar 64/90, exige, expressamente, que o “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”, seja realizado “em benefício de candidato ou de partido político”.

Com todo respeito aos que pensam em sentido contrário, não há como considerar que a fatídica reunião com os embaixadores de algum modo trouxe vantagem eleitoral a ensejar a imposição de medidas judiciais tendentes a levar o ex-presidente à inelegibilidade. Bolsonaro deveria ser punido em outra esfera pela propagação de infindáveis e irresponsáveis inverdades sobre o sistema eleitoral brasileiro, mas não na seara eleitoral através da presente Ação de Investigação Eleitoral (AIJE) nº 0600814-85.2022.6.00.0000, justamente pela ausência de comprovação do benefício eleitoral.

*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa), especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca (ESP), mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.