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Sede da APROCHAMA situada na área da discórdia

Sede da APROCHAMA situada na área da discórdia Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Sede da APROCHAMA situada na área da discórdia Sede da APROCHAMA situada na área da discórdia

Uma liminar proferida no último mês de maio pelo Juiz de Direito da Comarca de Ponte Alta do Tocantins, José Maria de Lima, em favor de proprietários de terra do Tocantins, provocou a paralisia das autoridades militares. Na decisão o magistrado manda reintegrar a posse de uma área na chapada das mangabeiras no loteamento São José 4ª etapa. Com a decisão o Estado corre o risco de pedido de intervenção por descumprimento de medida judicial. Até o momento, passados 6 meses, a decisão não foi cumprida por parte do executivo.

O conflito na região se arrasta desde 1996, quando o Piauí resolveu reivindicar para si uma área localizada em um platô na escarpa da Serra da Tabatinga com aproximadamente 150 mil hectares de terras próprias para o cultivo de soja e avaliadas em aproximadamente R$ 305 milhões. Na ação, o Estado vizinho pleiteia a remarcação da divisa interestadual baseada na Carta do Rio São Francisco SC-23 de 1978, elaborada com base no divisor de águas.

O Tocantins, entretanto, defende a observância à carta do IBGE SC 23-Y-B de 1984 que ratifica a carta de 1920, feita pelo serviço geográfico do exército. Nela a divisa segue do ponto em que conflui com os estados do Maranhão e Piauí margeando a serra da Tabatinga até a confluência com Piauí e Bahia mais ao Leste.

Com a Constituição de 1988, definiu-se em seu Art. 13 das Disposições Transitórias, pela criação do Estado do Tocantins e conservação a Leste, Norte e Oeste das divisas do antigo Goiás com os estados da Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Mato Grosso. Outro fator relevante para o Tocantins foi a criação da APA Serra da Tabatinga, pelo Decreto Presidencial n.º 9.278 de 6 de junho de 1990 baseada nas referências da carta de 1920.

Há quase um século esta divisa vinha sendo respeitada pelos estados; primeiro por Goiás que lançou o loteamento São José 4ª etapa através dos títulos do Instituto de desenvolvimento Agrário de Goiás (IDAGO) e depois, já então como Tocantins, sendo estes mesmos títulos convalidados pelo Instituto de Terras do Estado do Tocantins (ITERTINS) e vendidos a proprietários tocantinenses com porções de até 2.500 hectares cada lote.

Posse de terras gera duplicidade de títulos

O Piauí através do Instituto de Terras do Piauí (ITERPI) no sentido de fazer valer suas pretensões criou o loteamento Stª. Izabel e o sobrepôs ao São José, dentro das terras do Tocantins conforme a carta de 1920. Isto gerou duplicidade de títulos e iniciou-se o conflito entre particulares, seguindo a quizila já instalada entre Estados.

Aproximadamente 20 ações de reintegração de posse foram impetradas por proprietários tocantinenses que se sentiram turbados em sua posse. Por outro lado os produtores do Piauí, boa parte deles oriundos do Sul do Brasil entraram com ações Declaratórias de Nulidade de Ato Jurídico com Cancelamento de Registro Imobiliário. Em uma das ações de nulidade, movida por Seila Olegária de Resende Ferreira e Adão Ferreira Sobrinho, pode-se ver claramente a cadeia sucessória estabelecida. Em 10 de agosto de 1994, no Cartório de Registro de Imóveis do município de Mateiros (TO), João Batista de Jesus Ribeiro (Senador João Ribeiro), à época prefeito afastado de Araguaína, matriculou o imóvel nº. 05 do loteamento São José, vindo posteriormente a repassá-lo para Eduardo Frederico Sobrinho e Vera Lúcia Frederico Sobrinho.

Argumentam os autores da ação de Nulidade se tratar o lote nº. 05 de uma fraude cometida na gestão de Vilobaldo Gonçalves Vieira à frente do Itertins durante o governo Moisés Avelino. Segundo a argumentação dos autores não poderia o Itertins ter titulado Ribeiro, pois este, não detinha o domínio da propriedade. Os autores acusam ainda, Eduardo e Vera Sobrinho de apenas serem “laranjas” do verdadeiro proprietário do imóvel – o senhor Nelson Púlice, um comerciante de terras de São Paulo, residente em São José do Rio Preto e proprietário de outros lotes na área que somariam no total 25.000 hectares.

Perigo de Conflito

Estes fatos são combustível pronto para explodir a qualquer momento conflito de terras na região. Há dois anos a animosidade entre proprietários dos títulos dos dois estados chegou a limites perigosos e o atual momento segue na mesma rota. Em que pese à prudência do governo, existem variantes que fazem deste, um problema geopolítico complexo. Junta-se a isto o fato do Brasil não ter uma legislação específica no que tange às questões de fronteiras entre estados federados.

Conflito de Estado

Em 2005, ao colocar um posto fiscal na região reclamada pelo Estado vizinho o Tocantins viu-se diante de uma forte tensão. Policiais do Piauí impediram o trabalho dos fiscais da Receita do Tocantins de exigir a nota fiscal da carga da soja transportada do local. Diante do impasse força policial tocantinense foi enviada para apoiar o trabalho dos fiscais, quando se deparou com grande efetivo do Piauí. Conforme matéria veiculada pela Coordenadoria de Comunicação daquele Estado em 26/04/2005, assinada por Chico Castro, 100 policiais e 15 oficiais da PM estavam na área para defender o território piauiense da “invasão na divisa Sul do Estado”. Nesta mesma oportunidade o governador Wellington Dias foi recebido em audiência especial em Brasília, pelo ministro da Justiça para tratar da questão do litígio e dizia segundo a mesma matéria, já ter os mapas confeccionados pelo Instituto Cartográfico do Exército para resolver o problema da melhor maneira possível, negociando com o governo de Tocantins.

Comitiva do Piauí foi recebida por Marcelo Miranda

Na época uma missão composta pelo procurador-geral do Piauí, Plínio Clêrton, o secretário de Governo, Kléber Eulálio e o secretário da Fazenda, Antônio Neto, veio a Palmas e foi recebida pelo governador Marcelo Miranda. Ficou então acertado, segundo matéria divulgada pela Secretaria de Comunicação (SECOM) do Tocantins assinada por Arlete Carvalho em 26/04/2005, que caberia ao Piauí arrecadar o ICMS da Associação dos Produtores da Chapada das Mangabeiras (APROCHAMA), localizada na área do município de Mateiros. Ao Tocantins caberia a arrecadação dos “demais produtores”. O ICMS gerado pela produção da Chapada das Mangabeiras, segundo a mesma matéria estava estimado em R$ 15 milhões.

Entretanto, segundo dados da Secretaria Estadual da Fazenda (SEFAZ/TO) a arrecadação acumulada de ICMS 2007 até julho em toda a extensão da chapada das mangabeiras alcança a cifra de R$ 616.234,74 nos municípios de Mateiros, Novo Jardim, Ponte Alta do Bom Jesus, Lizarda e São Félix do Jalapão, ou seja, uma região bem maior que extrapola o pomo da discórdia que se localiza no município de Mateiros, mas com arrecadação ínfima.

Limites interestaduais – problema crônico

Olhando ao longo da história as perlengas resolvidas e que estão por resolver nas questões de fronteira interna, a divisa Tocantins/Piauí não é exceção, pelo contrário, Mato Grosso e Pará estão brigando na justiça por uma área de 2,4 milhões de hectares - território equivalente ao estado de Sergipe. A região do litígio está no extremo Oeste de Mato Grosso, próximo ao Norte da Ilha do Bananal, no rio Araguaia; Rondônia, Acre e Amazonas também estão em litígio; Piauí e Bahia; Goiás e Bahia; no passado Santa Catarina e Paraná; Paraná e São Paulo; Rio de Janeiro e Minas Gerais, e entre este último e o Estado de Goiás; recentemente Mato Grosso e Goiás. Portanto, vê-se, um problema crônico.

A primeira divisão territorial do Brasil foi feita em 1534 e deu origem às doze capitanias hereditárias. Com o passar do tempo uma extensa documentação de registro dos limites proliferou e acumulou-se. Parte se perdeu e, da falta de respeito às linhas imaginárias traçadas por El-Rey, originaram-se os pleitos internos. Registros das alterações, Alvarás e as Cartas Régias que criaram novas capitanias não marcaram suas fronteiras, gerando as questões de limites interestaduais que estouraram na Primeira República.

Descumprimento da medida judicial

Resolvido parcialmente o litígio na esfera institucional através do acordo verbal selado no Palácio Araguaia há dois anos, para que se aguardasse decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), agora é a vez dos litigantes privados aumentarem a tensão na divisa.

A questão é que já houve uma decisão proferida no STF em fevereiro deste ano que determina que, enquanto se discute a questão de fronteira, a carta geográfica de 1920 do IBGE deve prevalecer para os casos que requeiram medidas urgentes, aí entra o qüiproquó. O loteamento São José 4ª Etapa, na área da chapada que se localiza na escarpa da serra da Tabatinga é do Tocantins, neste caso os títulos do Iterpi não têm valor. E mais, a decisão do magistrado de Ponte Alta carece de cumprimento por parte das autoridades do governo do Tocantins, o que não vem ocorrendo.

Segundo Messias G. Pontes, advogado dos proprietários de títulos do Itertins, o juiz já instaurou processo administrativo com vista ao descumprimento da ordem dele, já comunicou o Tribunal de Justiça, Corregedoria de Justiça, Conselho Nacional de Magistratura e Ministério Público. “O juiz já deu prazo para o comando da PM cumprir a ordem ou dizer por que não cumpre. O que está restando é entrar com um pedido de intervenção no estado, não tem outro caminho.” O artigo 34 – VI do capítulo VI da constituição diz que a união poderá intervir para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial.

Documentos comprovam solicitações da justiça

A partir do mandato para reintegração de posse concedida pelo juiz de Ponte Alta e oficiado o 5º BPM de Porto Nacional, as cobranças pela execução da operação vem sendo feitas sistematicamente desde o início do mês de maio como comprova os vários despachos do magistrado de Ponte Alta. O Comandante daquele quartel, Edílson Pereira Silva, em ofício datado de 30 de agosto de 2007 informa ao juiz José Maria que todos os esforços estão sendo feitos para dar cumprimento ao mandato, mas desabafa dizendo: “na área litigiosa há interesse do Estado do Piauí na manutenção de posse dos fazendeiros, o qual tem se mantido disposto no local com tropa armada inclusive” e a seguir conclui, “a missão fugiu à nossa esfera de competência, tendo sido repassada ao comando geral da PM-TO”.

Diante da transferência de competência, foi enviada ao local do litígio uma ordem de missão chefiada pelo Maj. QOPM Jaizon Veras Barbosa, com dois sargentos e quatro soldados sob a determinação do comandante-geral da PM-TO, José Tavares de Oliveira. O objetivo, levantar o número de ocupantes da área discriminando homens, mulheres e crianças; possibilidade de conflito; vias de acesso e extensão aproximada da área; existência de pessoas armadas; de insufladores; associações ou sindicatos; ligações com possíveis movimentos; estrutura das instalações e topografia do terreno.

No retorno, a missão relatou que os ocupantes da área não estavam dispostos a sair do local por nada e que, portanto, havia a possibilidade de conflito. O número sugerido pela missão para possível operação de reintegração não poderia ser inferior a 150 policiais. Entre os vários óbices colocados pelo comandante-geral à execução da operação, está aquele de ordem financeira. Em ofício, Tavares diz inexistir previsão orçamentária para consecução da medida reintegratória.

Procurador Geral do Tocantins não quer falar sobre o assunto

Apesar da pressão que a medida liminar tem produzido na esfera institucional o executivo do Tocantins permanece impassível se mantendo à margem das questões privadas. Para o Procurador Geral do Estado, Hércules Ribeiro Martins, "o processo de discussão dos limites da fronteira entre o Tocantins e Piauí é originalmente da competência do STF e naquele fórum sede de decisão do ministro Elios Graus garantiu-se a incolumidade dos marcos apontados pelo IBGE em 1998. A decisão foi referendada pelo pleno daquele tribunal e o processo encontra-se em fase pericial preparatória e instrutória para o deslinde da questão”, diz. O procurador se esquiva de qualquer comentário em ralação à liminar concedida aos proprietários de títulos do Itertins.

Para o secretário de planejamento, José Augusto Pires Paula, além do julgamento do STF com base nos levantamentos realizados pelo exército “outro critério que também poderia ser utilizado para estabelecer a demarcação da fronteira seria o uso dos serviços públicos, várias fazendas daquela região utilizam a infra-estrutura e os serviços oferecidos pelo governo do Tocantins”. Mas o que se pode verificar até mesmo a partir do relatório da PM e histórico do conflito, é que a área se encontra ocupada por proprietários de títulos do Iterpi, que escolheram recolher impostos para o Piauí, até como forma de legitimar suas posses.