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Opinião

A pior coisa que pode acontecer a um ser humano é perceber que a sociedade de sua época está fadada à alienação, ao fracasso e condenada à aniquilação ética e cívica. Pois esse é o retrato da sociedade que vai, obrigatoriamente, às urnas no próximo dia 05 de outubro no Brasil. Os “intelectuais” de plantão não precisam dar-se o trabalho de ler essa história. Vou contá-la aos brasileiros como eu: pobre, burro e eleitor, sambista anual e lateral-direito nas “peladas” de final de semana.

Ao sair do trabalho aos sábados, corro para o botequim com meus amigos. Tomamos nossa cerveja quente e beliscamos azeitonas recheadas. Quando sobra algum tostão, pedimos até salaminho engordurado. Chateado com meu chefe barbudo e arrogante, tento distrair minha imaginação nas coxas grossas da mulata assanhada e suas intermitentes cruzadas de pernas. Eis que, no melhor estilo “instinto selvagem”, a Sharon Stone dos trópicos exibe, com certo orgulho, sua mais recente aquisição: uma calcinha branca com uma caricatura do presidente Lula estampada, comprada na boutique com uma sobra mensal do Bolsa Família. A moda foi lançada por uma modelo e logo ganhou as vitrines das lojas de roupa íntima.

Fiquei pensando na mulher besuntada de cremes chegando no quarto e ouvindo o maridão, jogado na cama, gritar: “Ih, olha o Lula lá!” Lépida e faceira, a jovem senhora se aproxima e diz em tom jocoso, apontando para sua roupa íntima: “Eu sei que você gosta do Lula, daí comprei isso aqui” O marido, que estava vendo TV, diz: “Ah tá, depois eu vejo isso... Olha lá o Lula discursando na ONU. Esse cabra é 'rabo de foguete'. Você sabe que agora ele manda até no Bush!” A mulher, triste da vida, procurou seu canto na cama, apagou o abajur e procurou dormir. Que Lula é campeão de popularidade, não resta dúvida. Mas imaginá-lo como um bom indutor de libido é um pouco demais.

Procurando esquecer a calcinha lulista da mulata, voltei minha atenção ao papo dos meus amigos. Fã de política e cidadão consciente, tentei puxar um assunto sobre o relatório da organização Transparência Internacional apontando que o Brasil, que estava em 72º lugar em 2007 no ranking dos países mais corruptos, piorou e agora ocupa 80ª posição. Fez-se um silêncio à mesa. Após alguns instantes, uma colega de trabalho falou: “Vocês viram que agora a Flora vai sequestrar a Lara na novela?” O colega ao lado seguiu: “Dizem que ela também vai matar o Gonçalo.” Um terceiro alinhavou: “Essa é vilã de verdade, tem prazer na maldade. O que você acha?” – perguntou-me. “É, a Patrícia Pillar está dando um show!” – respondi, concluindo minha participação no assunto.

Passados algum tempo e muitos copos de cerveja, tentei lançar um novo debate: “Gente, vocês viram que o Ministério da Justiça decidiu conceder indenizações milionárias aos 'companheiros' metalúrgicos do presidente Lula que alegaram ter sofrido perseguição política durante a ditadura militar?” Novamente o silêncio dominou a mesa, quebrado instantes depois por um dos colegas: “Não gostei muito do novo filme do Batman! Dizem até que o 'carinha' que fez o Curinga morreu.” A colega respondeu: “Morreu há um tempão. Mas como é que você assistiu ao filme se ainda está nos cinemas e a sala daqui virou igreja evangélica?” Nosso colega riu: “E alguém precisa pagar entrada cara de cinema pra ver lançamentos? Comprei uma cópia 'piratex' na banca do camelô chinês! A imagem e o som são perfeitos!”

A madrugada foi chegando e, com ela, os sinais de que eu já estava começando a perder meus reflexos básicos. Cerveja vai, cerveja vem, fiz uma última tentativa: “Agora não estão mais falando em terceiro mandato para o Lula. Querem levar seu governo até 2012 com a desculpa golpista de unificar as eleições.” Dessa vez não houve silêncio. Na verdade, ninguém me ouviu. Estavam todos inebriados com os relatos de nosso colega sobre sua participação no desfile das escolas de samba, na Marquês de Sapucaí. Fiquei em silêncio o resto da noite, afinal, atualmente, um cidadão com um pouco que seja de consciência político-social e que deseja debater o Brasil com seus amigos, deixou de ser interessante e passou a ocupar o posto oficial de “chato de galocha”. O glamour do presidente apedeuta cegou e ensurdeceu seu povo, que vive feliz “como nunca antes”, agora com acesso garantido a seus anestésicos favoritos: carnaval, futebol, cerveja e drogas baratas.

No fim daquela noite, procurei minha mulata de cabelo “chapinha”, afinal, um bebum de boteco que não chateia, não é um bebum de boteco. Encontrei a moça no lavabo, sentada num banquinho, tentando arrumar a alça arrebentada da sandália transparente, que tinha um salto que a deixava uns 10 centímetros mais alta que eu. Perguntei: “É Lula lá?” Seguiu-se uma gargalhada da moça e uma sonora resposta: “Sim, é Lula lá!” Não me contive: “Posso ver de novo?” O amistoso sorriso da mulata transformou-se na encrenqueira pose “asa de xícara”: “Se enxerga mauricinho! Vá procurar um Serra pra votar!”

Trôpego, segui pela calçada em direção à minha casa. Será que se eu tivesse votado no Lula eu teria direito a todo aquele “mensalão” de mulher? Parei na padaria da esquina, debrucei-me no balcão e pedi um “pingadinho” e um “pão na chapa”. O camarada ao lado perguntou: “E ai, será que o Fluminense vai cair?” Ainda em meio à minha tristeza, respondi: “O Serra ficaria mais bonito lá!” O homem não entendeu nada, virou para o outro lado e foi falar sobre o Cuca com o atendente.

Há anestésico melhor para nossa iniqüidade? Ah, temos de votar em outubro! Na hora de dar seu voto, caro leitor-eleitor, use a cabeça (mas qual?!) e escolha apenas o candidato que pode ser uma melhor estampa de calcinhas. Caso contrário, você, como eu, passará quatro anos imaginando os efeitos de uma boa e saudável depilação política. E alguém, em cadeia de rádio e televisão, um dia ainda irá bradar: “Viva o povo brasileiro e a calcinha da mulata!”

 

Helder Caldeira

Articulista e Estudante de Direito