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Opinião

O “imortal” senador e ex-presidente José Sarney é realmente uma figura única e emblemática na política brasileira. Tal qual os antigos coronéis que dominavam o Norte e o Nordeste do Brasil no século passado (alguns ainda dominam), chegou a abrir mão de seu Estado, o Maranhão, onde sua filha Roseana foi eleita senadora, para candidatar-se ao Senado via outro curral eleitoral: o Estado do Amapá. Nos próximos dias, Sarney, o homem dos 1000% de inflação, pode voltar a dominar o cenário político nacional caso vença a eleição parlamentar e ocupe novamente o cargo de presidente do Senado Federal.

A conjuntura política atual não permite uma antecipação de resultados, mas José Sarney está muito mais que confiante em uma vitória contra seu adversário, o senador Tião Viana (PT-AC). Sarney tem certeza absoluta de que voltará a ocupar, pela terceira vez, a presidência da Casa Legislativa. No entanto, parece que a experiência dos quase 60 anos de sua vida pública ainda não lhe ensinaram lições básicas sobre Política, onde a primeira e mais elementar é a máxima de que uma eleição não se ganha na véspera.

No limiar dos 80 anos de idade e comportando-se como o inesquecível coronel Artur da Tapitanga, da obra “Tieta do Agreste” de Jorge Amado, José Sarney, talvez por ingenuidade ou até senilidade, acredita que será capaz de colocar seus pares no Senado Federal sentados em seu colo, assim como Artur da Tapitanga gostava de fazer com suas “rolinhas”, numa demonstração de como o Poder ainda é um troféu tão dourado quanto obtuso a ser erguido por carcomidas figuras de um passado que desejamos muito mais morto do que apenas enterrado, já que essa eleição parlamentar chancela a existência de “zumbis políticos” e fantasmas assombrosos.

Crente e rente em sua vitória, José Sarney ordenou que o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, fizesse ressuscitar a espartana cadeira dos tempos do Império, que o acomodara no trono do plenário durante suas duas gestões passadas. Agaciel não pestanejou e, confiando nas certezas políticas de Sarney, mandou polir e envernizar o desconfortável, mas histórico, acento que jazia, empoeirado, num canto sombrio do depósito de Patrimônio do Senado Federal. É nessa cadeira imperial que Sarney pretende sentar nos próximos dias e contemplar o campo de sua desejada vitória.

No entanto, a História Política recente nos remete a outro fatídico episódio envolvendo uma outra cadeira e um outro candidato. Em 1985, Fernando Henrique Cardoso era líder inconteste nas pesquisas de opinião para suceder o também tucano Mário Covas na Prefeitura de São Paulo. Eis que a revista Veja convidou os dois candidatos melhor colocados para uma foto sentados na cadeira de prefeito. A foto ilustraria a capa da revista posterior à eleição e foi selado o compromisso de que a estampa do derrotado jamais seria divulgada.

O candidato Jânio Quadros recusou-se a fazer a foto. Já Fernando Henrique Cardoso, ainda ingênuo e tão certo de sua vitória como o está José Sarney hoje, aceitou o convite e deixou-se clicar. A foto de FHC, confortável e presunçosamente instalado na cadeira que pretendia ocupar, tornou-se uma piada nacional, pois Jânio venceu as eleições e a revista Veja desonrou o compromisso firmado, publicando-a em forma de chacota. Fernando Henrique aprendeu a lição, mas José Sarney, de duvidosa e questionável qualidade literária, despreza exemplos históricos e brada, vestido em seu dourado fardão da Academia Brasileira de Letras, seu poético ressuscitar no Poder.

No alpendre do Senado Federal, sentado em sua envernizada cadeira de espaldar alto, o coronel José Sarney está querendo passar à História com suas “rolinhas” do Senado sentadas em seu “prosélytus” colo. Ao que parece, só mesmo Renan Calheiros (PMDB-AL) e os senadores do DEM aceitaram o confortável acento. Todos os demais ainda estão ouvindo, com a timidez e a temperança das “quase-putas”, o estalar da mão na coxa do coronel Artur da Tapitanga: “uh uh... senta aqui, minha rolinha... uh uh!”

 

Helder Caldeira

Articulista Político

heldercaldeira@folha.com.br

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