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Opinião

Recentemente voltei a ser usuária do transporte coletivo de Palmas – tenho até o meu “passaporte urbano cidadão” com foto! Mas o glamour se encerra no cartão, com cinco estrelinhas douradas gravadas abaixo do nome Seturb. A mudança no sistema de transporte coletivo, ainda muito questionada, não trouxe vantagens para todos, especialmente aos que deveriam ser prioridade: nós, os usuários - que na realidade deveríamos ser chamados clientes, pois pagamos pelo serviço e não estamos recebendo “favor” de alguém.

Tenho duas opções para ir de casa para o trabalho, com meu filho que fica na creche, e duas para voltar, porém ficam em pontos distintos. Optei pelo mais próximo e fiquei com uma única alternativa. O ponto de ônibus não possui cobertura, banco nem uma placa de identificação. Já imaginou um dia de chuva com vento? Essa falta de identificação possibilita aos motoristas se distrair e, após fazer o “queijinho”, tomar a pista central ou a terceira (a de velocidade maior) e não olhar para os lados. E nós, os usuários, ficamos a ver navios (ônibus) – passando, indo embora, sem perceber nossa existência...

Se aos motoristas falta identificação, aos usuários, informação. Em dezembro liguei na ATTM – Agência de Trânsito, Transporte e Mobilidade -, que define o trajeto das linhas, e fui informada que deveria acessar um site particular (www.ocoletivo.com.br). Liguei novamente esta semana e fui atendida por uma moça muito simpática, que tentou me ajudar, mas confesso que, se não tivesse chegado a Palmas em 1991 e conhecesse um pouco a cidade teria ficado ainda mais enrolada. A Seturb também me indicou o site citado ou a ATTM.

Como já tinha um caminho, acessei o site e, ao procurar as linhas que poderiam ser úteis para mim, descobri que teria que saber, de cor, o número de todas as avenidas de Palmas e ter uma memória fotográfica da cidade para saber cada percurso. Um pouco demais para qualquer cidadão pagador de imposto: ser alfabetizado, ter acesso à internet, conhecer a cidade e por ai vai. Desisti e resolvi buscar informação com os demais usuários. Não foi surpresa ao descobrir que geralmente eles estão na mesma situação da gente – sem informação. E aí, como fica?

Outra questão irritante é o tempo entre os ônibus. De acordo com os motoristas da linha 16, o intervalo é de 20 minutos, mas já esperei quase uma hora no período de férias. Aliás, o “período de férias” é questionável. Será que apenas os estudantes são usuários do transporte coletivo? E os trabalhadores da iniciativa privada, os servidores públicos, os profissionais de segurança e os próprios funcionários dos estabelecimentos de ensino que trabalham na área administrativa: todos estão de “férias” em dezembro, janeiro e julho? A redução do número de veículos é aceitável, porém não deve trazer prejuízo àqueles que têm o transporte coletivo como única alternativa.

Poucas opções, demora entre um ônibus e outro, falta de sinalização, ausência de informação, alguns motoristas apressadinhos – esse é o pacote que compramos por “apenas” um real e cinqüenta centavos e ganhamos de brinde a possibilidade de ir e vir pela Capital cada vez que precisamos ir além da esquina de nossa casa. Hoje li no jornal que as empresas de transporte urbano querem aumentar o valor da tarifa em 40%. Para quem usa ônibus duas vezes por dia, durante a semana, o prejuízo seria de 24 reais, passando de 60 para 84 reais ao mês. Aos que vão para casa no horário do almoço, o valor sobre para 168 reais, com 48 reais a menos no orçamento do mês. Será que as empresas não se sentem ridículas a propor tal absurdo? Para tentar explicar como me sinto com tudo isso, achei outra definição interessante do termo “usuário” no dicionário Michaelis/UOL: “dizia-se do escravo de que só se tinha o uso, mas não a propriedade”. É isso!

Então, enquanto o ônibus não vem, pelo menos à tardinha, sou presenteada com uma revoada de periquitos em busca de abrigo nas árvores próximas. E quando meu filho perguntar se o motorista que passou e não nos viu é do mal (por enquanto ele só compreende dois estágios para os seres humanos: do bem ou do mal), recomendarei a ele que aprecie a paisagem. Afinal, nossa situação é até leve se considerarmos que Palmas recebe diariamente pessoas do interior e também de outros estados, muitos em busca de tratamento médico, que não possuem o tal cartão cidadão e nem conhecem a cidade. A eles, minha solidariedade!

PS.: As audiências públicas costumam dar resultado em questões onde a comunidade é afetada – direta ou indiretamente. Nós, usuários, poderemos ajudar muito mais na definição de percursos e horários do que os legisladores, gestores públicos e empresários da área, pois vivenciamos a situação diariamente, não apenas observados o fluir do trânsito em carros confortáveis, com janelas fechadas por causa do ar-condicionado.

 

Andréa Luiza Collet

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