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Opinião

Parcela da historiografia tocantinense (Barros,1996; Cavalcante, 1999; Costa, 1985; Parente, 1999; Bezerra, 1986 entre outros) sustenta a tese de que a criação do Estado do Tocantins foi resultado de uma luta secular. Teria se iniciado com a figura do português Teotônio Segurado com a criação da Comarca do Norte, em 18 de março de 1809, e sobrevivido desde então, entre avanços e recuos, até a efetivação da divisão do Estado sob a liderança de Siqueira Campos no contexto da Constituinte de 1988.

Alguns trabalhos, notadamente dissertações e teses (Ribeiro, 2001; Firmino, 2003; Motter, 2010) não compartilham dessa posição inserindo a criação do Tocantins no âmbito de um discurso que se estrutura, nos anos 70, a partir dos interesses da elite política e econômica do antigo norte de Goiás. Tal discurso, articulado com a imprensa, a classe política da região e a produção historiográfica construiu o que o professor Fabrizio de Almeida Ribeiro chamou de “compactação histórica” que visava construir uma memória histórica para a região norte de Goiás.

Essa medida se caracterizou pela atualização de episódios e personagens do longínquo século XIX (Comarca do Norte e Teotônio Segurado), passando pelas inexpressivas tentativas de emancipação tocadas pelo juiz de direito José Feliciano Machado Braga no município de Porto Nacional na década de 50, as atividades desenvolvidas pela Casa do Estudante do Norte Goiano – CENOG, nos anos 60, e pela Comissão de estudos dos problemas do Norte Goiano - CONORTE durante a década de 70 chegando, finalmente, nas articulações políticas no Congresso Nacional e na Constituinte de 1988 que efetivamente conquistaram a separação de Goiás. Esses episódios foram interpretados como tendo sido resultado de um único processo de luta, dando-lhes uma continuidade artificial com claras intenções de formar uma memória histórica acerca da “luta separatista”. Por esse discurso, Siqueira adquire uma importância ainda maior, pois teria concluído a árdua tarefa de criar o Tocantins, intento iniciado por Segurado.

Uma vez conquistado a divisão do Tocantins tratou-se de intensificar a construção de uma identidade para o Estado – o que, de certa forma, era feito desde décadas anteriores, mas que ganharia força uma vez que a divisão se tornara realidade. Nesse sentido tradições serão inventadas (a luta pelo Tocantins é secular), símbolos serão formatados (girassol, bandeira e brasão do Estado), datas comemorativas com peso de feriado foram criadas (Dia da padroeira, Criação do Estado, Dia da Autonomia) tudo com o intuito de construir no imaginário dos tocantinenses – especialmente os mais jovens – a ideia de que o Tocantins existia antes mesmo de ser criado.

Entre esses diversos elementos simbólicos formatados com o intuito de criar uma memória histórica abro um parêntese em relação ao Hino do Estado. Criado por Liberato Póvoa(Letra) e Abiezer Alves da Rocha (Música), o Hino oficial do Estado foi instituído em abril de 1998 pelo então governador Raimundo Nonato Pires dos Santos (Raimundo Boi). Foi feito sob medida para confirmar o discurso de que a luta divisionista foi secular e reforçar a construção de uma memória histórica sobre o episódio. Logo no primeiro verso – (O sonho secular já se realizou) – fica evidente a tentativa de vincular episódios de um passado distante e pouco compreensível para o povo num elemento próximo e dotado de sentido.

Mais à frente – (Do bravo Ouvidor a saga não parou) – o Hino faz questão de lembrar quem teria sido o iniciador da luta secular pelo Tocantins e sugere que o movimento liderado por ele em 1821 tem ligações diretas com outros que tiveram lugar mais de um século depois.

Por fim, a peça expõe abertamente o seu objetivo – (De Segurado a Siqueira o ideal seguiu) – consolidar o nome de Segurado como defensor da criação do Tocantins e sacramentar o nome de Siqueira Campos como responsável pelo feito “heróico” em busca do qual muitos sucumbiram.

No mais o Hino do Tocantins se encarrega de elogiar a coragem do povo, as riquezas naturais da região e celebrar a sonhada e “histórica” luta divisionista. Tendo em vista que pouco tem sido usado em cerimônias oficiais nos últimos anos, que poucos alunos da rede pública conheçam sua letra, que o povo ainda não saiba exatamente quem foi Segurado, o Hino não cumpre o papel para o qual foi produzido, qual seja, ajudar na construção de uma identidade tocantinense.

Italmi Rodrigues da Silva - Historiador e professor no Colégio João XXIII em Colinas do Tocantins