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Estado

Foto: Marcus Mesquita

Durante toda a última semana, Hikaru Nagatake, antropóloga e fotojornalista japonesa fundadora do projeto “Wonder Eyes” (Olhos Maravilhosos, em livre tradução), visitou, com o apoio da Secretaria de Estado da Educação e Cultura (Seduc), cinco diferentes aldeias indígenas tocantinenses. A pesquisadora esteve no Tocantins em 2003 e, este ano, voltou a aplicar o projeto fotográfico junto a alunos de etnias Xerente, Karajá e Krahô, inclusive contando com a participação de alguns remanescentes da década passada.

De acordo com Hikaru, a origem do “Wonder Eyes” se deu a partir de uma experiência que ela viveu no Timor Leste. “O ‘Wonder Eyes’ surgiu em 2000, quando fui ao Timor Leste após os conflitos que aconteceram por lá e tive a ideia do projeto fotográfico assim que percebi que apesar de todas as coisas ruins que viveram, as crianças continuavam com os olhos brilhantes como diamantes, maravilhosos, por isto o nome do projeto. Eu acredito muito que a esperança do mundo está principalmente nas crianças e a experiência foi muito positiva. Desde então, eu já passei por 13 países, sempre com o objetivo do intercâmbio cultural por meio da fotografia, primeiro apresentando às crianças e aos jovens (por meio de uma oficina) o equipamento (máquina fotográfica) e, depois, dando liberdade para todos fotografarem o que quiserem, abrindo vários olhos para novos olhares, para novos mundos, pois as fotos de um país (uma de cada participante, impressas duas vezes logo após encerrada a sessão de fotos, ficando uma com o autor e outra para o intercâmbio) são distribuídas em outro com uma mensagem escrita na hora pelo autor do registro, e assim por diante”, contou a antropóloga, que tanto em 2003 quanto em 2013 também passou pelos estados do Ceará, Rio de Janeiro e Pará, contemplando diferentes realidades sociais.

“Estímulo educacional”

Ainda conforme a fotojornalista, ela ficou positivamente impressionada com as informações educacionais que recebeu sobre o Tocantins antes do retorno ao Estado e, também, com o resultado da nova aplicação do projeto. “Pouco antes de voltar ao Tocantins, eu recebi informações de que os índices educacionais daqui são positivos, e eu admiro muita esta consciência sobre a importância da Educação, até porque o ‘Wonder Eyes’ é, essencialmente, um estímulo educacional para ampliar a visão dos que participam dele. O objetivo não é aprender a fotografar; a fotografia é muito mais profunda; eu busco é estimular o olhar para a cultura e a vida de forma geral. O aprendizado vem em forma de diversão, porque fotografar é divertido e o aprendizado, a ampliação dos olhares, surge a partir do contato entre olhares diferenciados, tanto com indivíduo de um mesmo local quanto ao verem as fotos dos participantes japoneses, por exemplo. A experiência aqui nas aldeias foi novamente muito boa e positiva, os caciques entenderam assim, as crianças e jovens demonstraram gostar e eu estou satisfeita também, tanto que espero voltar em breve e com mais tempo. A fotografia não se encerra ao clicar na câmera, ela se estende às discussões sobre o fotografado, e isto enriquece muito; por isto a ideia é que o ‘Wonder Eyes’ fosse aplicado em todo o mundo; isto seria lindo”, vislumbrou Hikaru Nagatake, diretora-fundadora do projeto, que conta com colaboradores voluntários no Japão e com o apoio das Embaixadas do Japão e do Brasil, este no caso da aplicação em solos brasileiros.

Aldeias Xerente

No primeiro dia de atividades ao retornar ao Tocantins, Hikaru visitou a aldeia Xerente Porteira, em Tocantínia. Por lá, a antropóloga reencontrou Jânio Srẽzẽ Xerente, com quem aplicou o projeto em 2003. Para o indígena, desta vez foi mais fácil manusear a câmera, mas a importância da oportunidade é tão valiosa quanto há 10 anos. “Quando ela veio, eu só tinha oito anos e foi mais difícil aprender tudo. Agora foi melhor, eu consegui fotografar tudo do jeito que queria e escolhi a foto de uma amiga no cajueiro porque isto mostra bem como convivemos com a natureza. Poder mostrar isto, a nossa cultura, o que a gente acha bonito aqui onde a gente vive é muito bom, e a fotografia é interessante porque prende um momento que eu posso ver depois, sempre que eu quiser”, destacou o Xerente de 20 anos estudante do Centro de Ensino Médio Indígena Xerente (Cemix).

Já para o cacique da aldeia Porteira, Kléber Wairurã Xerente, o acesso à modernidade é algo positivo para a atual geração, mas com restrições. “O avanço da tecnologia é interessante, e um projeto assim dá extensão à nossa cultura em todo o mundo, e isto é bom. Ao mesmo tempo, eu fico preocupado, porque sei o quanto é importante que os nossos representantes conheçam as tecnologias, mas sem perder a nossa própria tradição, que é muito mais importante”, ressaltou o cacique.

A segunda aldeia visitada foi a Salto, também em Tocantínia e da etnia Xerente. Por lá, o cacique Valci Sinã Xerente recebeu com satisfação o retorno do projeto. “Ter esta atividade novamente aqui é muito bom porque significa que a gente está tentando acompanhar o desenvolvimento da tecnologia, mostrando para o mundo que podemos dominar as práticas de uma cultura que não é a nossa. Tudo é muito bom; as nossas crianças e jovens se divertem e conhecem algo novo. Além disto, eles podem mostrar que têm olhares diferentes para o mesmo lugar onde convivem, servindo de estímulo para eles aprenderem cada vez mais coisas novas”, afirmou Sinã.

Estudante da Escola Estadual Indígena Waĩkarnãse, Eliana Krẽdi Xerente gostou da maneira diferente de enxergar a própria aldeia. “Achei muito legal fotografar; acho que tirar foto é como se fosse um outro jeito de olhar o que sempre olhamos, por isto gostei de aprender a usar a câmera e ver a foto que tirei no papel”, disse a aluna de 12 anos, que escolheu a foto do irmão caçula para ser impressa e enviada para o Japão porque, segundo ela, “ver o rosto dele, que é um bebê, me faz sentir bem e feliz.”

Aldeia Karajá

A próxima aldeia a receber a visitante foi a Karajá Fontoura, localizada na Ilha do Bananal. Nela, outra jovem veterana do projeto teve o prazer de novamente participar das atividades: Weriỹ Karajá, que confessou não se lembrar de como foi a primeira experiência. “Eu era muito novinha, tinha só nove anos na primeira vez que ela veio. Agora estou gostando muito e estou procurando mostrar a natureza, os animais que cuidamos, porque é assim que vivemos, junto com a natureza”, destaca a estudante de 19 anos da Escola Estadual Indígena Kumanã.

Conforme contou o cacique Gilberto Tabuhana Karajá, a volta da antropóloga e fotojornalista Hikaru foi festejada por todos da Fontoura. “Dos mais velhos aos mais novos, todos estavam falando do projeto, das nossas crianças e dos nossos jovens usando máquinas modernas e mostrando parte da nossa cultura. Eu fiquei muito feliz com isto; muito agradecido, porque ela retornou depois de 10 anos e mobilizou toda a aldeia em algo que é bom para a gente, para o nosso povo”, exaltou o Karajá.

Aldeias Krahô

A penúltima aldeia a receber Hikaru foi a Krahô Manoel Alves Pequeno, em Goiatins. Aos 15 anos de idade, a aluna da Escola Estadual Indígena 19 de Abril, Diana Krahô,  disse que estranhou a novidade no início, mas logo naturalizou o uso da máquina fotográfica. “Eu achei meio estranho isto tudo no início, ter gente diferente e de tão longe aqui com várias câmeras. Depois eu comecei a gostar mais e achei bom poder mostrar um pouco daqui da aldeia com as fotos que fizemos. Cada etnia tem uma cultura própria; na nossa a gente dança e canta muito e faz a corrida da tora. Não dá para mostrar tudo isto, mas já foi importante mostrar um pouco da nossa cultura”, destacou a jovem.

Com um pensamento bastante flexível, o cacique Dodanin Krahô disse acreditar na conciliação entre tradição e modernidade. “Não tenho dúvida que é muito importante para todos os lados este projeto, tanto para os não-indígenas conhecerem a nossa cultura quanto a gente a cultura deles. Desta forma a gente pode se comunicar melhor, cada um respondendo por si mesmo. As coisas mudam o tempo todo, e com a gente também muda; temos que preservar ao máximo a nossa tradição, os nossos hábitos, mas não vivemos mais como antigamente e não devemos ficar para trás, por isto temos que nos adaptar ao que existe hoje. Por isto acho importante este contato com o que é moderno; é até uma forma de divulgarmos o nosso povo pelo mundo”, disse o cacique.

O destino tocantinense final do “Wonder Eyes” em 2013 foi Itacajá, na aldeia Krahô Mangabeira, onde a cacique Doralice Wakui Krahô falou do aprendizado em via de mão dupla que é o projeto. “Uma atividade assim é boa para a nossa aldeia porque aprendemos algo novo, vemos como é usar uma câmera moderna e podemos tirar fotos daqui da nossa terra. Por outro lado, isto é bom para quem vai ver o que foi feito aqui, porque eles vão conhecer um pouco de uma cultura única, de um lugar cheio de riqueza cultural com cantorias, danças, plantações. Estamos felizes por ela ter vindo há 10 anos e ter voltado agora; estamos realmente felizes”, exaltou a cacique.

Outro remanescente da primeira vinda de Hikaru Nagatake, Adão Tenacuw Krahô, atualmente com 20 anos, vê na nova oportunidade a realização de um desejo antigo instigado com o primeiro contato com a antropóloga fotojornalista. “Eu só tenho a agradecer pelo que está acontecendo aqui. Eu tive esta oportunidade há 10 anos e agora estou tendo novamente, podendo ver tantos outros da minha aldeia vivendo a mesma experiência que eu, que me fez sonhar em trabalhar com tecnologias como esta de fotografia. Eu sou professor de cultura Krahô na Escola (Estadual Indígena Mangabeira) e também sou aluno do 1º ano do Ensino Médio. Fazer parte do projeto de novo me traz mais conhecimento e um dia vou realizar o meu sonho de ser professor de tecnologias também, para ajudar a divulgar a nossa cultura”, afirmou o jovem Krahô, não deixando dúvida de que isto realmente vai vir a acontecer. (Ascom Seduc)