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Estado

Foto: Cinthia Abreu

Uma comunidade que se formou quando os primeiros moradores vieram em fuga de uma guerra na região do Rio Mearim, no Estado do Maranhão, por volta do século XIX ou início do século XX. Os grupos de fugitivos chegaram à região de Dois Irmãos, onde denominaram de 'Gerais', e após algum tempo de habitação plantaram uma mangueira que, ao logo dos anos deu frutos e reproduziu com fartura, levando o local a vir a ser conhecido como Mangueiras. Esta é a história da Comunidade Quilombola Santa Maria das Mangueiras, localizada a 50 km da cidade de Dois Irmãos, na região oeste do Tocantins. O local foi o escolhido para receber o projeto “Defensoria Quilombola”, da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), na sexta-feira, 11.

Cerca de 40 pessoas foram atendidas no encontro realizado pelos núcleos DPAGRA – Defensoria Pública Agrária, coordenado pelo defensor público Pedro Alexandre Conceição; NDDH – Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos, coordenado pela defensora pública Isabella Faustino Alves; e equipe multidisciplinar da DPE-TO. A comunidade é formada em uma área de cerca de 120 alqueires e ali habitam 23 famílias.

Demandas

Na reunião, os defensores públicos e equipe fizeram apresentação sobre o “Defensoria Quilombola” – atividade que visita as comunidades quilombolas colhendo informações sobre a situação de cada uma e provoca os órgãos responsáveis para proporcionar soluções -, e ouviram às demandas.

Conforme o presidente da Associação Comunidade Quilombola Santa Maria das Mangueiras, Manoel Bonfim, a sobrevivência da comunidade quilombola é tirada essencialmente da lavoura e as manifestações culturais resumem-se nas festividades da Festa do Divino Espírito Santo. Segundo ele, faltam políticas públicas nas áreas da regularização fundiária, saúde, educação, transporte, infraestrutura, saneamento básico e energia elétrica, dentre outras. “Não temos nenhum tipo de fornecimento de água. Para uso básico tipo para beber, tomar banho, fazer comida e lavar roupa e louças, a gente tem que ir buscar no córrego”, complementa Manoel Bonfim em sua reivindicação.

Fruto do programa habitacional “Minha Casa Minha Vida Rural”, a comunidade recebeu 23 unidades habitacionais em dezembro do ano passado. O investimento foi de cerca de 700 mil, conforme placa na comunidade, porém, alguns problemas foram detectados, como a cozinha construída do lado externo – exposta ao sol durante todo o dia – e problemas com a energia elétrica. “Quatro casas foram entregues sem energia elétrica. Depois que fizeram a entrega das casas, a promessa era de que até, no máximo em fevereiro, eles voltariam para ligar a energia, mas até o momento sequer entraram em contato”, ressalta Bonfim, ao citar a sua própria casa.

Ainda em 2011, a Secretaria Estadual de Agricultura inaugurou no local a Casa de Farinha, com uma série de máquinas como lavador, prensa, peneira vibratória, forno rotativo e uniformizador de farinha, com a promessa de que a fábrica teria a capacidade de produzir 750 quilos por dia, processando 2 toneladas de raiz de mandioca, uma importante fonte de renda. Porém, os equipamentos foram adquiridos, uma festa na comunidade foi realizada para a inauguração, e o espaço nunca entrou em funcionamento. “O nosso erro foi permitir que eles fizessem a inauguração sem o local estar pronto para a gente trabalhar. Agora estamos aí por mais de quatro anos com esse espaço e máquinas que não servem pra nada, porque nem sequer um técnico para ensinar a gente a usar enviaram”, indigna-se o morador Juraci Alves Pereira.

Para aproveitar ao menos a estrutura da Casa de Farinha, foi feita uma divisão no prédio para construir a Escola Municipal Sino de Ouro. Cerca de dez computadores foram adquiridos em um programa do governo federal no ano de 2012 e repassados pela prefeitura à comunidade, contudo, nunca funcionaram, estando embalados nas caixas nos fundos da sala de aula por quase quatro anos. A escola é provisória, pois os moradores ainda aguardam o cumprimento da promessa do governo local da construção de um colégio no local para atender os alunos até o 9º ano. Enquanto a promessa não é cumprida, uma professora da própria comunidade leciona para cerca de dez alunos, do 1º ao 5º ano, e os demais alunos são encaminhados para escola rural em ônibus escolar. “Nós já cedemos o terreno para a construção da escola, um agrimensor veio na comunidade há dois anos e mediu o terreno, informando que já havia verba para a construção da escola e ela precisava ser feita urgentemente, mas ele nunca mais voltou”, declara Manoel Bonfim.                                                                                               

O atendimento de saúde na comunidade também é precário. Não existe agente de saúde para atender aos moradores e o posto de saúde mais próximo, em Dois Irmãos, não tem atendimento regular. “Médicos e dentistas não visitam a comunidade, ambulância não atende à região e, muitas vezes, quando vamos ao postinho em Dois Irmãos eles não estão atendendo”, lamenta a senhora Carmelita Pereira Silva.

Defensoria

De acordo com o defensor público Pedro Alexandre será realizado um relatório a partir das demandas anunciadas pelos moradores. A partir dele, serão oficiados os órgãos responsáveis para que sejam tomadas as devidas providências e medidas judiciais cabíveis. “As demandas das comunidades quilombolas são semelhantes, principalmente no que se refere à luta pela regularização fundiária e os enormes embaraços encontrados no âmbito dos entes governamentais. Por isso, o nosso empenho é pela defesa dos interesses transindividuais, como acesso a serviços públicos básicos, à água, energia, educação e saúde”, pontuou o defensor público.

A Defensora Pública Isabella Faustino Alves, coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, ressaltou que é papel da Defensoria Pública atuar, na seara extrajudicial e judicial, com vistas à promoção dos direitos humanos fundamentais dos integrantes das comunidades quilombolas. “Um dos objetivos da ação é verificar in loco a situação da comunidade com relação à prestação dos serviços públicos essenciais, os quais são fundamentais para a permanência das comunidades tradicionais no território de origem. Neste sentido, a DPE-TO vai diligenciar com vistas à solução administrativa dos problemas verificados”, ressalta.

Defensoria Quilombola

A DPE-TO, por meio do NAC - Núcleo de Ações Coletivas e DPAGRA - Núcleo Defensoria Agrária, criou em 2012, o Projeto “Defensoria Quilombola”. Instaurado pela Portaria nº 87/2012, o objetivo é de tutelar os direitos de todas as comunidades tradicionais de origem Quilombola, reconhecidas ou em processo de reconhecimento, no âmbito Tocantins. Em 2014, o Nusa – Núcleo de Defesa da Saúde passou a integrar o Programa. Em 2016, o NDDH também integrou o projeto.