Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Meio Jurídico

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Ele já sabe o que quer. F.Y.V.B., um homem trans, 29 anos, já usa um nome social masculino, mesmo tendo seus documentos pessoais ainda com identidade feminina, mas luta na justiça para ter efetivado o seu direito a uma identidade de gênero que defina a personalidade dele. O caso é um imbróglio na justiça, sendo que a primeira ação ajuizada de Alteração de Prenome e Gênero Sexual em Assento Civil de Nascimento foi indeferida em primeira instância, pelo fato de F.Y.V.B. não ter sido submetido a cirurgia de transgenitalização/redesignação de sexo.

Ocorre que, ao mesmo tempo, era cerceado o direito dele de iniciar este processo, com a cirurgia de mastectomia que fora negada pelo plano de saúde. O Assistido teve de recorrer à Defensoria Pública em Araguaína, que ajuizou a Ação de Obrigação de Fazer, em dezembro de 2014, atuando no processo o defensor público Cleiton Silva. Agora, uma nova esperança surge com a decisão favorável à realização do procedimento, julgada no último dia 1º de março.

A Unimed – operadora do PlanSaúde deverá providenciar autorização do procedimento cirúrgico no prazo de cinco dias da intimação, que começa a contar na data de abertura do prazo de manifestação nesta terça-feira, 14, sob pena de multa diária no valor de mil reais. A operadora também foi condenada a reparar o dano ao Assistido F.Y.V.B. monetariamente, na ordem de cinco mil reais.

Antes, o judiciário negou a Antecipação de Tutela, mas declinou da posição anterior no julgado recente. “Em um primeiro momento, da análise do pedido de tutela antecipada, foi indeferido o pedido com esse argumento, de que o procedimento visava a alteração do sexo, esta não acobertada pelo plano. O processo ainda estava em fase inicial e foi o que se abstraiu de seguro naquele momento. Porém, com o desenvolvimento do procedimento, com contestação e réplica, em uma fase mais madura, o que depreendo do quadro dos autos é outra conclusão”, esclareceu na sentença a juíza Adalgiza Viana de Santana.

Segundo a magistrada, mudou-se o entendimento porque a mastectomia bilateral encontra-se prevista no rol de cobertura obrigatório. “Não só a mastectomia está diretamente ligada ao procedimento “mudança de sexo”, mas sim todo o processo preliminar e preparatório, no qual se incluem, a psicoterapia e a hormonioterapia, os quais, inclusive, foram ao menos em parte autorizados pela requerida. De salientar, ainda, que o tratamento hormonal, embora vise a alteração de sua forma física, necessariamente, com as transformações, tratam também a parte psiquiátrica do paciente, tratamentos estes cobertos pelo plano, tanto o hormonal quanto o psiquiátrico, sendo que o hormonal o autor já o realiza pelo plano”, afirmou ainda a juíza Adalgiza na sentença.

A Defensoria Pública do Estado do Tocantins acredita que a decisão é importante para assegurar os direitos dos transexuais. “O procedimento é fundamental para a garantia da saúde física e mental do autor, que atualmente utiliza de meios alternativos e que comprometem sua saúde óssea, postura e conforto físico, para comprimir os seios, posto que este, ao se entender e se adequar em sua identidade sexual como do gênero masculino, sendo este o gênero pelo qual é reconhecido em todos os espaços públicos e privados que transita, não pode ser compelido à expor seu sexo biológico feminino em razão dos seios, posto que isso é afronta direta à seu direito à intimidade”, afirma o defensor público Iwace Santana, que responde pela Vara Cível em Araguaína, onde tramita a ação em desfavor da Unimed.

Registro civil

Já a Ação de Alteração de Prenome e Gênero Sexual foi remetido, em dezembro de 2016, em Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, após ser negada em primeira instância e em todos os recursos apresentados ao Tribunal de Justiça do Tocantins.

Na sentença em primeiro grau, o juiz Sérgio Aparecido Paio, julgou que os pedidos de alteração do prenome e da designação do sexo feminino para o masculino, no registro de nascimento de F.Y.V.B., não mereciam ser acolhidos, “já que ainda não houve a cirurgia de mudança de sexo, o que é imprescindível para sustentar a pretensão, pois, caso contrário, estaríamos concebendo a alteração de registro público, onde passaria a constar dados não condizentes com a realidade naturalística", argumentou na sentença.

Segundo a Defensora Pública de Classe Especial, Mary de Fátima Ferreira de Paula, na apelação, o fundamento de condicionar a alteração do prenome e do gênero sexual à cirurgia estabelece uma hierarquia entre o corpo e o psicológico, um só pode alterado se o outro o for. “Como se a saúde mental, psicológica e o sentimento do apelante de ser de direito aquilo que é de fato fosse algo secundário a um aspecto físico superior, imutável. No caso concreto não podemos fazer com que a pessoa deixe de ser o que é por causa de uma “visão fossilizada” do Direito. Vetar a alteração do prenome do transexual corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal”, afirmou a Defensora Pública.