Famílias camponesas e remanescentes de quilombo, unidos na articulação de luta pela terra e defesa dos territórios no Tocantins, representando comunidades de Araguaína, Babaçulândia, Bandeirantes, Barra do Ouro, Campos Lindos, Darcinópolis, Goiatins, Palmeirante e São Bento, interditam desde a madrugada desta segunda-feira, 9, trecho da Ferrovia Norte-Sul como forma de protesto contra a omissão dos órgãos de âmbito federal (Incra, Programa Terra Legal, Ibama) e estadual (Instituto de Terras do Tocantins e Naturatins).
Em nota de esclarecimento encaminhada à imprensa, os manifestantes informam o desinteresse dos órgãos públicos. Entre 2015 e 2017, foram mais de 20 reuniões junto a Incra, Programa Terra Legal e Itertins - Instituto de Terras do Tocantins - para tentar solucionar problemas envolvendo diversas comunidades das regiões Central e Norte do Estado. No entanto, em meio às inúmeras promessas, pouco foi feito até aqui", informam na nota.
Reflexo desse desinteresse, segundo a nota, pode ser constatado no exponencial crescimento dos conflitos por terra registrado no Tocantins atualmente. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2016 houve um aumento de 206% no do número de conflitos agrários se comparado a 2015. No ano passado, foram três assassinatos no campo e 105 ocorrências de conflitos, além de duas tentativas de homicídio envolvendo agricultores familiares, sete ameaças de morte e 11 agressões físicas.
De acordo com as famílias, as áreas da União estão sendo griladas e o Governo Federal, em vez de dar a destinação correta a essas áreas, legitima a grilagem em detrimento da distribuição da terra de forma justa e igualitária. "Responsável também por esse descaso é o poder judiciário, que segue concedendo mandados de reintegração de posse sem ouvir as famílias, nem fazer perícia, o que resulta diretamente na expulsão do povo camponês", é frisado.
Antes de decidir pela ocupação da Ferrovia Norte-Sul, os integrantes tentaram, segundo informado em nota, fazer com que Incra e Programa Terra Legal honrassem com os compromissos assumidos. "E negociamos prazos para que as reivindicações fossem atendidas nas audiências públicas também acompanhadas pelo Ministério Público Federal, Defensoria Pública Agrária, Delegacia Estadual de Repressão a Conflitos Agrários, entre outros. No entanto, a cada dia vemos nossas comunidades mais humilhadas e ameaçadas pela expulsão oficializada pelo judiciário tocantinense".
Confira abaixo a nota de esclarecimento do movimento na íntegra.
Por que paralisamos trecho da ferrovia Norte-Sul?
Nota de esclarecimento da Articulação Camponesa à sociedade tocantinense.
Nós, famílias camponesas e remanescentes de quilombo, unidos na Articulação Camponesa de Luta pela Terra e Defesa dos Territórios do Tocantins, que representa comunidades de Araguaína, Babaçulândia, Bandeirantes, Barra do Ouro, Campos Lindos, Darcinópolis, Goiatins, Palmeirante e São Bento, juntamente com a Via Campesina, vimos a público para denunciar a inoperância e omissão dos órgãos de âmbito federal (Incra, Programa Terra Legal, Ibama) e estadual (Instituto de Terras do Tocantins e Naturatins).
Se resolvemos ocupar o trecho de Palmeirante da Ferrovia Norte-Sul na manhã desta segunda-feira (9), não é por espírito de baderna ou motivação político-partidária, mas sim em protesto à morosidade e desinteresse dos órgãos públicos acima citados acerca de nossas demandas. Entre 2015 e 2017, foram mais de 20 reuniões junto a Incra, Programa Terra Legal e Itertins para tentar solucionar problemas envolvendo diversas comunidades das regiões Central e Norte do Estado. No entanto, em meio às inúmeras promessas, pouco foi feito até aqui!
Reflexo desse desinteresse pode ser constatado no exponencial crescimento dos conflitos por terra registrado no Tocantins. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2016 houve houve um aumento de 209% no do número de conflitos agrários se comparado a 2015. No ano passado, foram três assassinatos no campo e 105 ocorrências de conflitos, além de duas tentativas de homicídio envolvendo agricultores familiares, sete ameaças de morte e 11 agressões físicas.
Os dados tomam proporções cada vez mais exorbitantes visto que áreas da União estão sendo griladas e que o Governo Federal, em vez de dar a destinação correta a essas áreas, legitima a sua grilagem. Responsável também por esse descaso é o poder judiciário, que segue concedendo mandados de reintegração de posse sem ouvir as famílias, nem fazer perícia, o que resulta diretamente na expulsão do povo camponês.
Os exemplos de descaso com as comunidades camponesas do Tocantins são os mais variados. Abaixo citamos alguns:
- Há mais de 5 anos a comunidade Quilombola Grotão, do município de Filadélfia, aguarda o pagamento da área por parte do Incra para, enfim, regularizar seu território. Enquanto isso, as 18 famílias vivem confinadas em 100 hectares de terra;
- A Gleba Anajá, em Palmeirante, teve expedido título em nome de pessoas que nunca exerceram posse na área, o que inviabilizou a criação de assentamento para 19 famílias;
- O processo de titulação em sobreposição de áreas da União pelo Itertins acirra conflitos com os fazendeiros e impossibilita a criação de novos assentamentos por parte do Incra, a exemplo da Gleba Conceição, em Palmeirante;
- Cerca de seis grupos aguardam por vistoria agronômica da fiscalização do Incra para atestar a viabilidade da terra. No entanto, esse procedimento está paralisado;
- O Incra dispõe nacionalmente de irrisórios R$ 40 milhões para realizar os trabalhos de campo, inclusive para pagamento de terras. Essa verba torna inviável a tentativa de criação de assentamento em qualquer região do Tocantins ou do Brasil;
- Ordens judiciais de reintegração de posse e liminares de despejo são emitidas sem realização de audiências de justificação prévia ou com cerceamento do direito de defesa das famílias. Apenas esse ano, foram mais de seis ordens de despejo de comunidades do campo;
Diante do descaso e da omissão para a solução dos conflitos agrários, exigimos:
1- Que Incra, Itertins, Terra Legal e demais órgãos competentes, dentro das estruturas federal e estadual, coloquem em prática os compromissos assumidos nas reuniões oficiais realizadas entre 2015 e 2017.
2- Que o Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins crie Varas Agrárias em regiões de maiores conflitos pela posse da terra.
3- Que seja ampliado o número de agentes da equipe da Delegacia Estadual de Repressão a Conflitos Agrários no Tocantins.
4- Que o poder judiciário seja instruído para tratar com mais seriedade e sensibilidade as questões que envolvam os conflitos agrários e não torne prática rotineira o despejo de famílias camponesas.
Antes de decidir pela ocupação da ferrovia Norte-Sul, tentamos fazer com que Incra e Programa Terra Legal honrassem com os compromissos assumidos e negociamos prazos para que as reivindicações fossem atendidas nas audiências públicas também acompanhadas pelo Ministério Público Federal, Defensoria Pública Agrária, Delegacia Estadual de Repressão a Conflitos Agrários, entre outros. No entanto, a cada dia vemos nossas comunidades mais humilhadas e ameaçadas pela expulsão oficializada pelo judiciário tocantinense.
Nossas reivindicações não buscam contemplar apenas as necessidades individuais de cada comunidade, mas sim lutar pela mudança do contexto agrário no estado do Tocantins, hoje baseado na concentração ilegal da terra nas mãos de fazendeiros e grupos vinculados ao agronegócio que exploram o trabalhador e não produzem alimentos para o sustento do povo brasileiro.
Sabemos que o povo não come eucalipto e muito menos soja! Quem alimenta as mulheres, homens e jovens brasileiros são as famílias camponesas. Por isso queremos o real desenvolvimento do campo com justiça e liberdade. Por isso lutamos!
Articulação Camponesa de Luta Pela Terra e Defesa dos Territórios no Tocantins
Palmeirante, 09 de outubro de 2017.