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Opinião

Foto: Divulgação

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O Projeto de Lei 6.787/2016, que dispunha sobre a reforma trabalhista, foi apresentado pelo ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira de Oliveira com o propósito declarado de promover a empregabilidade no país. Segundo Ives Gandra Martins Filho, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e um dos articuladores da reforma, “Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito. Vou ter que admitir que, para garantia de emprego, tenho que reduzir um pouquinho, flexibilizar um pouquinho os direitos sociais”. E é exatamente este o mote das alterações legislativas promovidas pelo Governo de Michel Temer: reduzir “um pouquinho” os direitos dos trabalhadores, flexibilizar “um pouquinho” os direitos sociais, com o supostopropósito de promover a empregabilidade no país.

No entanto, essa fórmula (menos direitos = mais empregos) não encontra qualquer amparo em análises empíricas. Ao contrário, a Organização Internacional do Trabalho lançou, em 2015, estudo denominado “Emprego mundial e perspectivas sociais 2015: a natureza cambiante do trabalho”, no qual foram examinados dados e estatísticas de 63 países desenvolvidos e em desenvolvimento nos últimos 20 anos, concluindo-se que a diminuição da proteção conferida pelo Direito aos trabalhadores não estimula a geração de empregos, não promove a empregabilidade. A fórmula “menos direitos = mais empregos” não é verdadeira; não há qualquer relação entre o rebaixamento da proteção social e a geração de empregos.

A própria experiência brasileira revela que é o fomento da atividade econômica, mediante o recurso a políticas econômicas anticíclicas, a via mais eficaz para a redução das taxas de desemprego. Entre 2003 e 2014, o Brasil criou 20 milhões de novos empregos formais, sendo que entre 2010 e 2014 foram criados 5,5 milhões de novos postos de trabalho. Em agosto de 2014, o índice de desemprego brasileiro, calculado pelo IBGE, era de cerca de 5%, caracterizando-se como pleno emprego. Esse período coincide com a forte expansão da economia brasileira, que, entre 2004 e 2013, cresceu a uma taxa média de 4,0% ao ano, com melhoria na distribuição de renda e consequente redução da pobreza. Em outros termos, o crescimento da economia brasileira não decorreu da redução da proteção social no país. Ao revés, nesse período se observou um forte avanço da participação do rendimento do trabalho no Produto Interno Bruto, ante o aumento real dos salários da massa trabalhadora.

Apesar disso, há um único aspecto em todo o texto da Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) que efetivamente é capaz de ampliar o número de contratações de trabalhadores no Brasil: o contrato de trabalho intermitente. Este, porém, é um contrato de trabalho vazio, em que não há qualquer compromisso do empregador em garantir uma rotina de trabalho pré-estabelecida e, consequentemente, o pagamento de um salário fixo periódico ao trabalhador. O patrão poderá convocar o trabalhador para o serviço a qualquer momento e somente nas ocasiões em que houver efetiva prestação de labor será devida a remuneração ao empregado. Dessa forma, se o empregado trabalhar apenas 8 horas ao longo de todo um mês, somente será remunerado por essas 8 horas. Igualmente, se não trabalhar nenhuma hora por 3 meses a fio, não receberá qualquer espécie de renda por todo esse tempo. Não há sequer a possibilidade de construção de uma mínima estabilidade financeira, afetiva, social e familiar nessas circunstâncias.

Por outro lado, sob a perspectiva de quem emprega, a ampliação do número de contratos de trabalho intermitentes não significa, propriamente, um maior investimento na atividade econômica nem a projeção de uma trajetória de crescimento, de prosperidade do negócio. Trata-se, na verdade, do aumento do número de trabalhadores disponíveis, sem a necessidade de se incorrer nos custos inerentes a tal operação (o contrato de trabalho intermitente tem custo zero para o empregador enquanto não utilizada a força de trabalho que lhe é disponibilizada por essa fórmula contratual). Isso torna a rotatividade menos perniciosa para o negócio – mas não para o trabalhador – e evita a criação de laços de sociabilidade entre os empregados, cortando pela raiz qualquer possibilidade de resistência coletiva por parte dos trabalhadores e permitindo, em consequência, a intensificação de sua exploração.

Dessa forma, a rigor, o contrato de trabalho intermitente constitui uma verdadeira arapuca para o trabalhador, que, empregado, não terá a garantia de recebimento de um salário suficiente para assegurar a sua subsistência digna, ou mesmo de acesso ao sistema de previdência social. Ou seja, o contrato de trabalho intermitente, porque absolutamente vazio, constitui uma fórmula capaz de reduzir os índices de desemprego no Brasil, inflacionando os números do Governo Federal, sem que haja uma efetiva mudança nas condições de vida dos mais de 14 milhões de trabalhadores que estão em busca de um emprego. O resultado inerente à disseminação do contrato de trabalho intermitente será a precarização das relações de trabalho no país e o empobrecimento agudo de sua população.

*Pedro Mahin Araujo Trindade é advogado especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados