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Opinião

Foto: Divulgação

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Recorro a Sólon, legislador grego, para escrever sobre nossos tempos e, particularmente, sobre os últimos acontecimentos. Indagado se as leis outorgadas aos atenienses eram as melhores, respondeu: “dei-lhes as melhores que eles podiam suportar”. Arrisco-me a dizer que, no caso brasileiro, temos um apreciável conjunto de boas leis, mas, infelizmente, parcela de nossas elites não pode suportá-las.

Absurdo dos absurdos é constatar que os infratores das leis do nosso receituário jurídico geralmente habitam o andar de cima da pirâmide social. Pela lógica, o exemplo de respeito às normas deveria partir do mandatário-mor da Nação, o senhor presidente da República.

Pois bem, segundo análises de juristas de muitas áreas do Direito, Jair Bolsonaro teria cometido um rosário de infrações ao código eleitoral, por transformar as comemorações do dia 7 de setembro, em que o país “festejou” o bicentenário de sua Independência, em eventos eleitorais. Há juízes, como o celebrado desembargador Walter Maierovitch, que enxergam nas infrações motivo para impeachment.

E por que o Tribunal Superior Eleitoral ou os Tribunais Regionais Eleitorais não avançam nessa matéria? Será que eventual investigação solicitada pelo Ministério Público Eleitoral em torno dos atos presumivelmente de caráter eleitoral comandados pelo presidente-candidato será concluída antes do pleito? Não se espere por isso. Pelo que se conhece dos trâmites, tal investigação entrará para as calendas.

O fato é que Sua Excelência, o senhor Presidente da República, tem interpretado as leis com a lupa de uma índole que reparte o espaço eleitoral no paraíso do Bem e no inferno do Mal. Claro, o Bem é personalizado por ele, o Mal, por seu principal opositor, Lula da Silva. Que também divide o nosso mundinho em áreas do “nós e eles”. Um jogo de recíprocas conveniências. O presidente parece admitir que “ordem ilegal’ não se cumpre, o que contraria frontalmente o princípio: “agrade ou não, a lei é a lei e deve ser cumprida”. Bolsonaro chegou a dizer, por ocasião da pauta sobre marco temporal das terras indígenas, em debate no STF: “se conseguirem (os defensores do marco) vitória nisso, me restam duas coisas – entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa”.

Ora, se alguém considerar uma lei “ilegal”, que procure mudá-la no âmbito de quem estabelece as leis, o Poder Legislativo, onde estão a Câmara Federal, o Senado, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores.

O fato é que, nos últimos tempos, a quebra da normalidade tem atingido índices alarmantes. E é interessante observar que, ante a moldura de polarização que acirra as tensões da comunidade política, os poderes parecem recuar em seus deveres e responsabilidades no intuito de evitar conflitos que rompam os dutos da harmonia social.

O achincalhamento de ministros, juízes e instituições ganha, quase todos os dias, espaços na mídia, a denotar que a liberdade de expressão ultrapassa os limites do bom senso. Confunde-se liberdade com irresponsabilidade.

É triste constatar que o país, na quadra político-institucional em que vive, tem expandido as fronteiras da ilegalidade. Não é preciso conferir números para enxergar rupturas da ordem legal por todos os lados. A região amazônica é devastada por atos ilícitos cometidos por madeireiros, garimpeiros e outros bandos de oportunistas, mesmo que os governantes neguem abusos. A fumaça das queimadas na Amazônia chega a São Paulo, Paraná e Bolívia, cobrindo cerca de 5 milhões de kms.

Em suma, as mazelas se espalham pelo território, e as leis são jogadas no lixo, tornando-se letras mortas. E a quem se endereça a culpa? À imprensa. O PT tem dito e repetido que os profissionais se aliaram a Moro e ao MP para destruir Lula e, depois, Dilma. Bolsonaro alega que é perseguido pela imprensa. É o que lembra Ascânio Seleme, em sua coluna de O Globo (3/09).

E assim, nosso habitat consolida sua posição como uma das quatro sociedades mundiais: a primeira é a inglesa, onde tudo é permitido, salvo o que for proibido; a segunda é a alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; a terceira é a que vive sob as ditaduras, onde tudo é proibido, mesmo o que for permitido; e a quarta é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que for proibido.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato.