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Opinião

João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário

João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário Foto: Divulgação

Foto: Divulgação João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário

Está pautado para o dia 30 de novembro o desfecho da Revisão da Vida Toda no Supremo Tribunal Federal (STF), um processo aguardado por toda a sociedade brasileira. Este processo já possuía 11 votos juntados, e o direito dos aposentados se mostrava consolidado, quando foi requerido pelo ministro Nunes Marques que o mesmo fosse reiniciado.

Na última semana, o Governo Federal realizou uma carreata com seus ministros ao STF para buscar convencer a ministra Carmen Lúcia a mudar o seu voto, que foi favorável aos aposentados. O governo apela para um estudo do impacto econômico da ação, e entendemos todo o consequencialismo gerado por uma decisão da mais alta Corte do país. O que nos chama a atenção são os dados irreais levados aos ministros, que fogem completamente da realidade desta ação.

O INSS estima agora o impacto em R$ 480 bilhões, entretanto, o instituto juntou no processo o valor de R$ 46 bilhões em 2020. Já em março de 2022, enviou para a mídia que o custo de R$ 360 bilhões de reais. Falta sentido nos valores, visto que quanto mais o tempo passa eles deveriam se tornar menores, em razão da decadência de 10 anos.

O INSS não apresenta fundamentos jurídicos e constitucionais a seu favor, apenas apelações financeiras. E o pior, fogem completamente da realidade do processo tratado. E isso está se tornando uma rotina, quando o INSS perde uma ação no STJ, ele busca subir para o STF com o terrorismo financeiro, mesmo que isso custe abalo a princípios constitucionais, como a segurança jurídica e a proibição de retrocesso social. Seria importante, nesta revisão em particular, que o INSS levasse ao conhecimento da Corte o valor que está recebendo desde o ano de 1999, ao lesar estes aposentados, aplicando uma regra de transição mais desfavorável que a regra permanente criada pela Lei 9.876/99.

O custo de R$ 480 bilhões foi atingido após um milagre contábil, onde generalizaram as excepcionalidades, ou melhor, totalizaram. Uma manobra que foge da realidade jurídica deste processo. O próprio voto contrário aos aposentados, do ministro Nunes Marques, afirma que esta revisão se aplica apenas para exceções. É uma ação que “cabe aqui e ali”. Informação que o próprio INSS confirmou nos autos.

A Revisão da Vida Toda é uma ação de exceção e, segundo o próprio INSS, beneficia 31,28% dos aposentados e pensionistas que se aposentaram após o ano de 2009. Na prática este número se mostra muito menor, não atingindo 7% dos interessados.

O INSS juntou no processo a elaboração de Nota Técnica realizada pelo Ministério da Economia (NT SEI 4.921/2020/ME), com a análise de 108.396 (cento e oito mil, trezentos e noventa e seis) registros aleatórios obtidos pelo sistema Dataprev. E informou no processo que o custo da ação seria de R$ 46 bilhões.

A manobra utilizada pelo INSS, com o "terrorismo financeiro e estrutural" deve ser repelida, pois não tenta convencer os julgadores com argumentos sólidos e nem mesmo constitucionais, e sim fantasiosos dados econômicos, que contrariam até mesmo a sua própria legislação.

O INSS diz que a ação é um processo que beneficiaria apenas uma minoria, atesta a decadência para quem se aposentou há mais de dez anos, porém, agora, ele se contradiz. A autarquia passa a abusar do direito de questionar o consequencialismo trazido por uma decisão da Suprema Corte, pois busca que chegue ao olho do julgador uma matéria com informações inconsequentes.

O seu estudo que previa o custo de R$ 46 bilhões já estava superestimado, pois ali trazia na conta os anos de 2009 a 2011, anos em que o direito dos aposentados estava "caducado", e estes foram os anos com os maiores gastos apresentados. E mais, trazia a suposição de que 50% dos aposentados ajuizariam o processo de revisão. O fato de claramente trazer uma suposição demonstra que não existe critérios científicos na elaboração, manipulando os números ao seu favor. E em alguns pequenos detalhes, mas que ao olharmos com atenção nos deparamos com erros grosseiros para o convencimento, como exemplo o valor atribuído em 2020 de R$ 3.386,91 na média dos benefícios que participaram deste estudo, porém em 2020 o valor médio da renda mensal dos benefícios pagos pelo INSS era de R$ 1.349,05 (Portaria n. 24.593 de 03/12/2020 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho). O valor chegou a ser quase triplicado, isso claramente infla os números e vai contra sua própria Portaria publicada no Diário Oficial.

O INSS elaborou uma nova Nota Técnica com intuito midiático, onde prevê que a revisão será aplicada para todos os benefícios que já tiveram o direito decaído. Entretanto, estes benefícios deveriam ser sumariamente retirados do seu cálculo, pois estes segurados não poderão pleitear o direito. E vai além, generaliza que todos os aposentados terão direito a revisar o benefício, como todos tivessem realizados as maiores contribuições anteriores a 1994, porém, na prática eles são a exceção (31% conforme alegado pelo próprio INSS no processo, mas que sabemos na prática serem menores).

O INSS inclui na conta pessoas que já recebem o teto da previdência e benefícios rurais de um salário-mínimo, mas ambos não entram nesta revisão. Ele calcula em 15 anos o custo de benefícios por incapacidade temporários, onde o prazo legal é de 120 dias. E finaliza com uma manobra grosseira: inclui na conta benefícios cessados e suspensos, que totalizam mais de 70% da conta apresentada. Isso é subestimar a sociedade, o judiciário e a mídia.

Se hoje a Previdência paga 36 milhões de benefícios mensais, como o INSS afirma que uma ação para exceções poderá ser requerida por quase 52 milhões de beneficiários?

Parece uma brincadeira de péssimo gosto, mas é o alegado pelo INSS no estudo recente apresentado para a mídia.

Com uma conta simples, utilizando os dados apresentados e confrontando as duas notas do INSS, chegamos a um número quase 27 vezes menor que o apresentado pelo governo — R$ 18 bilhões em 15 anos. Mesmo fugindo dos critérios que mais diminuem o impacto financeiro da ação, ela se mostra 27 vezes inferior ao seu novo estudo.

Destaco que existe estudo realizado em 30 de junho de 2022, com o título Parecer de Análise Econômica do Direito — Revisão da Vida Toda, pelos economistas Cristiano Rosa de Carvalho (professor de Direito Tributário na USP e pós-doutorado em Economia), Marcelo Justus (professor de Economia na Unicamp e Doutor em Economia), Patrícia Arantes Medeiros (mestranda em Direito, Justiça e Impacto na Economia) e Thomas Conti (doutor em Economia e Professor no Insper), sobre o custo da ação para os cofres do INSS. Este parecer demonstra a insuficiência, contradição e omissão de dados utilizados nas notas elaboradas pelo governo, contrapondo todos os itens apresentados e demonstrando que não refletem a realidade.

Além de não concordarmos com os números expostos pelo INSS para a mídia, trazemos também mais um ponto que nos chama a atenção: o INSS é uma seguradora e este seguro social, ao informar que não poderia cumprir com sua obrigação, para corrigir um erro causado no cálculo de muitos benefícios, traz enorme insegurança na forma que o mercado enxerga o país, além de um forte abalo de confiança com os trabalhadores e empregadores que mensalmente (e compulsoriamente) contribuem aos seus cofres.

Os aposentados buscam o respeito a regra do princípio contributivo versus retributivo, pois ocorreu o custeio com os seus pagamentos mensais, e também a consolidada aplicação da Regra do Melhor Benefício. Mas acima disso, aqui está em jogo a vontade do legislador, que jamais cria uma regra de transição para prejudicar quem estava contribuindo por décadas e se vê surpreendido com a chegada de uma nova legislação. Isso é estruturado pelo princípio da segurança jurídica, defendido incansavelmente pelo STF.

Confiamos que o STF mantenha seu posicionamento a favor deste direito dos aposentados, em respeito ao princípio da segurança jurídica e também da vontade do legislador ordinário, conforme clara exposição de motivos da Lei 9.876/99, se encontrando expressa a intenção de mitigar a chegada de uma nova legislação para quem já estava filiado ao sistema. E mais, esperamos que o INSS haja com lealdade processual nas ações que tramitam no judiciário, pois estes estudos que fogem da realidade da ação são realizados frutos de dinheiro do contribuinte, e não contribuem em nada para o regular e justo andamento dos processos. O dever de colaboração estabelecido pelo Código de Processo Civil deve ser respeitado também pelo INSS.

*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.