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Polí­tica

Foto: Christian Braga/Greenpeace

Foto: Christian Braga/Greenpeace

A Articulação Dos Povos Indígenas Do Brasil (Apib) apresentou uma petição ao Ministério dos Povos Indígenas, nessa segunda-feira, 13, alegando a inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 191/2020, que regulamenta a exploração de recursos minerais em Terras Indígenas, em trâmite na Câmara dos Deputados. O documento aponta irregularidades do PL em relação a Tratados Internacionais e a Constituição Federal, recomendando, assim, a rejeição e arquivamento da proposta apresentada pelo Executivo, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O pedido se dá em um momento de extrema gravidade vivenciada pelo Povo Yanomami, que sofre com desnutrição, malária e contaminação por mercúrio, além de violências físicas e psicológicas ocasionadas pela presença do garimpo ilegal em seu território. A situação é histórica, mas se agravou nos últimos quatro anos. Estima-se a presença de 25 mil garimpeiros no território onde vivem, aproximadamente, 30 mil indígenas.

Para o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, a tragédia do Povo Yanomami é uma evidência do prejuízo que o PL 191/2020 representa. A Apib considera que a proposta é uma das principais ameaças no Poder Legislativo aos direitos reconhecidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988.

A invasão garimpeira registrou um crescimento de 3.350%, entre 2016 e 2020, segundo estudo do MapBiomas: a área destruída pela extração de ouro passou de 1.200 hectares, em outubro de 2018, para 3.272 hectares, em dezembro de 2021, tendo se acentuado, principalmente, após o segundo semestre de 2020.

O setor de mineração no Brasil representa cerca de 3% do PIB do país, e em nenhum lugar do Brasil registrou crescimento mais rápido do que na Amazônia. De acordo com o estudo intitulado Guia para o enfrentamento de crimes ambientais, publicado pelo Instituto Igarapé juntamente com a Interpol em 2021, existem 2.576 pontos de mineração ilegal na Amazônia brasileira, a maioria deles produzindo ouro.

A associação à vulnerabilidade social e econômica na região pode ser identificada pelo montante de 50% do ouro exportado pelo Brasil anualmente ter origem ilegal: das 100 toneladas, pelo menos 49 foram lavadas e introduzidas no mercado entre 2020 e 2021, segundo o guia. 

Inconstitucionalidades

A nota técnica assinada pelo coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, aponta que o PL 191/2020 foi apresentado pelo Governo Federal sob a forma de projeto de lei ordinária. No entanto, a proteção constitucional aos territórios indígenas “estabelece critérios mais rigorosos a serem seguidos no âmbito do processo legislativo para que haja a regulamentação dos casos excepcionalíssimos de relevante interesse público da União, o qual deve ser previsto em lei complementar, conforme dispõe o Art. 231, §6º, da Constituição Federal”.

Além disso, o documento alega que os povos indígenas no Brasil podem explorar recursos minerais em suas terras para fins de subsistência e não precisam de autorização do governo para fazê-lo, uma vez que o artigo 44 do Estatuto do Índio permite a exploração de recursos minerais feita pelos indígenas e é regulamentada pelo decreto nº 88.985, de 10 de novembro de 1983. 

“(...) A Constituição Federal atribuiu a autorização da mineração em terras indígenas ao Congresso Nacional, portanto destituiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) de qualquer poder decisório sobre a matéria. Não há um impeditivo legal para o aproveitamento dos recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica em terras indígenas mas cabe consignar que os recursos naturais para os povos indígenas, são necessariamente uma condição sine qua non para garantia a expressão cultural e de vida desses povos, portanto, o meio ambiente, é essencial para assegurar o direito fundamental à vida (art. 5º, “caput”), posto que a tutela da qualidade do meio ambiente diz respeito à sobrevivência humana e da mãe Terra”, segundo trecho do documento.

Outro ponto levantado é quanto o direito dos povos indígenas, que são “direitos fundamentais, ou seja, não são passíveis de mitigação, sendo imunes a qualquer medida legislativa que vise prejudicá-los”, de acordo com o que foi expresso pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, no Julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365, que trata das demarcações de terras.  

“O processo de avanço da mineração sobre terras indígenas envolve vários mecanismos, como a mercantilização da terra, a expulsão dos povos e a flexibilização das normas de regulação, de modo a favorecer a rentabilidade dos investimentos. A mineração em terras indígenas é em si mesma uma prática violadora dos direitos humanos e direitos fundamentais dos povos indígenas. Os impactos negativos, ocasionados pela extração dos minérios, deixam uma onda de devastação nos territórios”, relata a nota técnica.

Sendo o território um elemento estruturante da existência indígena, conforme prevê a legislação brasileira, que os reconhece como “espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais”, no artigo 3º, II, Decreto 6.040/07, “eles precisam estar preservados para os povos indígenas consigam exercer seu modo tradicional, sem interferência externa da sociedade não indígena”.

Ainda em relação à matéria, o estudo apresenta uma série de evidências extraídas da interpretação literal dos artigos 215 e 225 da Constituição Federal, onde se concluiu que a atividade minerária em território indígena deve ser a exceção da exceção.

Do ponto de vista formal, a propositura do PL 191/2020 carrega consigo um paradoxo ao prever a “oitiva das comunidades indígenas”, mas ao considerar, entretanto, que a decisão dos povos indígenas não é soberana. “Não se busca o livre consentimento dessas comunidades, tratando-se meramente de um cumprimento de formalidade”, afirma o coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, no documento.

Dessa forma, o texto do projeto de lei descaracteriza o procedimento de consulta prévia dos povos indígenas, previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário.

“O governo brasileiro ao fazer uma propositura legislativa como essa, está ferindo seus compromissos internacionais, além de acirrar um conflito que tem violado sistematicamente os direitos humanos dos povos originários. As disposições da Convenção nº 169 são de cumprimento obrigatório para os países que a ratificaram. Consequentemente, os Estados devem adaptar a legislação nacional para desenvolver a Convenção dentro de seus países. A

presente proposta, além de não possuir compromisso com os Direitos Humanos, ela usurpa a existência desses mecanismos legais”, aponta o documento.

Histórico

No dia 9 de março de 2022 o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 279 votos a 180, o requerimento do então líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), para tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 191/20. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na ocasião, informou que a proposta seria analisada e incluída para votação no plenário entre os dias 12 ou 13 de abril, o que não aconteceu diante da mobilização dos povos indígenas que fizeram o maior Acampamento Terra Livre (ATL) desde 2004, com a presença de mais de 8 mil lideranças de 200 povos indígenas

O PL 191/2020 é de autoria do Poder Executivo e foi assinado pelos ex-Ministros Bento Albuquerque, responsável pela pasta de Minas e Energia, e Sérgio Moro, que respondia pelo Ministério de Justiça e Segurança Pública à época.

Como justificativa para a propositura do PL usou-se o argumento de que a não regulamentação da matéria no plano infraconstitucional ocasionava ao País insegurança jurídica e consequências danosas. 

A peça técnica elaborada pela Apib aponta ainda dados do Relatório violência contra os povos indígenas do Brasil: dados de 2020, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) revelam que as invasões em terras indígenas, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio mais do que dobraram no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, passando de 109 casos, em 2018, para 256 no ano de 2019; e aumentando para 263 casos registrados em 2020, o que significa um aumento de 141% em relação à 2018.

A dispensa de estudos de impacto ambiental é outra preocupação evidenciada, uma vez que se observou a contaminação de rios e a devastação de florestas. Em comparação com 2018, o ano de 2021 apresentou um aumento de 62% do desmatamento ligado à mineração na Amazônia.  Pesquisadores apontam que a aprovação do PL 191/2020 pode causar a perda de 160 mil km² de floresta na Amazônia, o que equivale a uma área maior que a superfície da Inglaterra.