Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Opinião

Os escorregamentos de encostas naturais, ocorridos nos dias 18 e 19 de fevereiro, no litoral norte do estado de São Paulo, particularmente no município de São Sebastião e nas Rodovias Rio/Santos (SP-55) e Mogi/Bertioga (SP-98), que estão com alguns trechos ainda interrompidos, nos remete a uma preocupação importante: até quando esse tipo de acidente irá causar tragédias, com inúmeras vítimas fatais?

Até o momento existem 48 vidas perdidas já confirmadas e 38 pessoas desaparecidas. A estes dados lamentáveis deve-se acrescentar as centenas de famílias que estão desabrigadas (temporário) ou mesmo desalojadas (permanente), num total de cerca de 2.500 pessoas, somente nessa região.

Um ponto importante a ser observado é que, no litoral norte paulista ocorreu, entre os dias da tragédia, a chuva de maior intensidade já registrada no Brasil, desde que tais números passaram a ser oficialmente medidos: choveu um total de 630 mm em 24 horas, um valor gigantesco! Mas também é importante frisar que historicamente, mesmo com a ocorrência de chuvas menos fortes, mas de intensidade ainda elevada, algo um pouco superior a 100 mm durante 24 horas, sempre ocorreram escorregamentos catastróficos nas encostas na Serra do Mar, principalmente no litoral norte.

Outro dado alarmante é que, somente no município de São Sebastião, existem mais de 2.000 casas em áreas de risco para deslizamentos. Como comparação, na Grande São Paulo, que consiste numa região metropolitana com 39 municípios, são mais de 750.000 casas nessa situação, sendo 175.500 casas somente na cidade de São Paulo. São números preocupantes e gigantescos, que exigem uma tomada de decisões mais firmes por parte do Poder Público, nas suas três esferas: municipal, estadual e federal.

Para completar a descrição da tragédia em São Sebastião, tem-se uma informação que o Ministério Público Estadual Paulista já tinha conhecimento e havia alertado o município sobre a existência dessas áreas de risco para escorregamentos de encostas, desde 2020.

De fato, o tema é complexo, uma vez que as pessoas que moram nesses locais não são as culpadas pelas tragédias, elas residem em um local onde podem pagar por essa moradia, quase que sempre em loteamentos irregulares, sem quaisquer registros formais (são posses). Geralmente sem uma infraestrutura básica completa, como abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, iluminação elétrica (desta a maioria dispõe), sistema de drenagem superficial (guias e sarjetas), ruas pavimentadas (nem precisam ser asfaltadas, basta que sejam cobertas por paralelepípedos, pedras, lajotas etc.), sem contar outros serviços essenciais, tais como: postos de saúde, bombeiros, ambulâncias etc.

A quantidade de pessoas que vivem em áreas de risco, tanto para escorregamentos de encostas naturais quanto para inundações, é muito grande no Brasil. Isto se deve ao fato de não haver um mapeamento completo dessas áreas de risco, em termos nacionais.

As cidades maiores, com mais orçamento, e com histórico de escorregamentos, principalmente nas regiões periféricas e de topografia mais íngreme, geralmente possuem um mapeamento geológico e geotécnico das áreas de risco. Infelizmente, o número de pessoas em áreas de risco tende a aumentar, pois envolve também aspectos socioeconômicos (nível de renda das famílias está piorando) e urbanísticos (falta de planejamento de ocupação e uso do solo, a nível municipal).

O problema dos deslizamentos nas áreas de risco pode ser dividido basicamente em dois grandes aspectos.

O primeiro aspecto certamente decorre de uma ocupação urbana desordenada, principalmente nas regiões periféricas das cidades e nas proximidades de rodovias, por falta de planejamento municipal do uso e ocupação do solo, falta de fiscalização, falta de vontade política e pelas condições socioeconômicas da faixa mais pobre da população. O principal elemento para prevenção dessas ocupações urbanas irregulares consiste na elaboração de um Plano Diretor do Município, com um enfoque urbanístico, para minimizar as consequências danosas decorrentes das áreas de risco ocupadas.

Essa ocupação antrópica desordenada provoca cinco consequências desfavoráveis: piora o escoamento de água superficial, altera a geometria das encostas, aumenta o nível de infiltração da água de chuva (o que acarreta a elevação do nível de água do lençol freático e diminui a resistência dos solos das encostas), elimina as áreas com cobertura vegetal (mesmo que seja vegetação rasteira -- grama) e coloca sobrecargas (mais peso) das próprias casas sobre as encostas. Esta somatória de consequências desfavoráveis é que contribui, neste primeiro aspecto, para que haja mais escorregamentos de encostas, quase sempre de grandes proporções.

O segundo aspecto se refere às formações geológicas existentes nessas regiões: alguns tipos de solos e de rochas são mais suscetíveis à ocorrência de escorregamentos, aliado ao fator pluviométrico: geralmente nas épocas de chuvas mais intensas, que geralmente ocorrem de janeiro a março, maior é o risco de haver escorregamentos.

Os esforços para prevenção de acidentes provenientes de deslizamentos de encostas geralmente são realizados a nível municipal: são os esforços dos engenheiros e geólogos das Prefeituras, da Defesa Civil, das associações de bairros, entidades da sociedade civil etc., deve-se observar que a maioria esmagadora das ações de prevenção contra acidentes de escorregamentos de encostas é feita a nível municipal.

Também existem esforços a nível estadual, com a atuação das Secretarias Estaduais: Planejamento, Meio Ambiente, Segurança Pública, entre outras, e do Corpo de Bombeiros. Este último sempre tem uma atuação muito importante, na busca por sobreviventes e pelas vítimas fatais.

Finalmente existem os esforços a nível federal, através de algumas ações de Ministérios: Meio Ambiente, Planejamento, Defesa, Integração e Desenvolvimento Regional, Justiça e Segurança Pública, entre outros. O Governo Federal também pode ajudar os municípios quando estes declaram a situação de Estado de Calamidade Pública.

Porém, é importante observar, conforme citado acima, que a grande maioria das prefeituras não possui recursos suficientes para implantação de uma política de prevenção contra a ocorrência de escorregamentos de encostas. Somente as prefeituras mais ricas e também as cidades que já possuem um histórico de problemas relacionados a deslizamentos.

No caso do litoral norte paulista, esta tragédia trouxe à tona um aspecto lamentável, que deve ser lembrado: apesar de ser o estado mais rico do Brasil, as cidades paulistas localizadas em áreas de risco, geralmente nas regiões serranas do estado (Serra do Mar e da Mantiqueira) não possuem um sistema de sirenes de alerta. Esse sistema já existe e funciona bem em grandes cidades, tais como: Rio de Janeiro, Vitória (ES) e Salvador (BA).

O sistema de sirenes para escorregamentos possui um funcionamento e uma estrutura parecidos com o sistema de sirenes para cidades situadas a jusante (na parte baixa) de barragens de rejeito -- existe um responsável por analisar todas as informações referentes à ocorrência de chuvas fortes que aciona a sirene; esta emite, além do seu som característico, um aviso sonoro (“Moradores: risco de escorregamento, abandonem suas casas e se dirijam a um abrigo”). Desta forma, os moradores, que já devem ter participado de vários treinamentos e simulações, tanto para o abandono das suas moradias, mas também para saber onde ficam os abrigos (geralmente escolas, quadras esportivas, galpões) e se dirigir a eles, conseguem sair a tempo de suas casas e ficar abrigados de forma temporária, evitando a ocorrência de mais vítimas fatais.

As ações que estão ocorrendo agora no litoral norte são direcionadas a vários aspectos: desobstruir as rodovias (existem pontos intransitáveis na Rio/Santos e na Mogi/Bertioga), busca por sobreviventes e por desaparecidos, abrigo temporário das famílias que tiveram suas casas atingidas, ajuda humanitária (alimentos, água, roupas, colchões, produtos de higiene pessoal, entre outros), utilização de ambulâncias, condução de feridos a hospitais e postos de saúde, ajuda psicológica etc.

Em seguida haverá a necessidade de reconstrução de novas casas, de preferência fora das áreas de risco; reconstrução de trechos de rodovias, com obras de terraplenagem, pavimentação e de contenção (muros de arrimo, por exemplo); pagamento de auxílio social assistencial e para aluguel; planejamento urbanístico (elaboração de um Plano Diretor, quando inexistente).

Finalmente, não adianta apenas lamentar e tomar apenas ações emergenciais a cada acidente provocado por escorregamentos de encostas em áreas de risco é preciso que o Poder Público, nas três esferas de atuação, elabore políticas de planejamento de uso do solo adequadas, que sejam postas em prática, para que as tragédias deixem de ser anunciadas e não aconteçam mais.

*Paulo Afonso C. Luz é engenheiro geotécnico e professor da Escola de Engenharia (EE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).