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Opinião

Foto: Divulgação

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A “mão invisível” do mercado aparece só uma vez no livro Riqueza das Nações de Adam Smith. Falta espaço? Não. São mais de mil páginas na edição da Companhia das Letras. A história dos vitoriosos consagrou a eficácia da iniciativa privada como antagônica ao Estado. Extremismos são superficiais e o diálogo entre mercado e setor público é imprescindível. O totalitarismo, de direita e esquerda, não conseguiu uma teoria de Estado. Intelectuais já denunciaram as práxis que desmentem a fantasia de um regime que ignore a existência do capital privado, ou que faça dele selvagem realidade.

Falácia comum em parte da sociedade brasileira é tratar economia como circunscrita ao universo financeiro. Tal erro gera distorções nos investimentos nacionais e demoniza setores como educação, cultura, saúde e meio ambiente. A origem pode estar nos manuais de economia, que não discutem com o devido cuidado alguns setores. Importante mudar!

Na Coréia do Sul temos o exemplo. Em 1994, o filme "Jurassic Park", produção americana, havia rendido mais US$ 1,4 bi, superando o faturamento da Hyundai, orgulho empresarial do país. O reconhecimento do fato foi um alerta e o planejamento da economia local passou a tratar cultura como política de estado. Resultados vieram. Em 2019, banda de k-pop "BTS" gerou US$ 1,45 bi de receita. Segundo a Billboard, após shows nos EUA, tamanho sucesso só Beatles. Na indústria cinematográfica, Netflix aponta movimento sul-coreano de US$ 1,7 bilhão (2019). Em 2023, serão lançadas 34 novas produções.

Na contramão do mercado internacional, o Brasil andou negligente e preconceituoso no tratamento da cultura. O investimento em 2021 foi de R$ 7 bi e o País teria que chegar a R$ 117 bi, para, proporcionalmente ao número de habitantes, alcançar os resultados da Coréia do Sul, segundo estudo do designer de políticas públicas, Pedro Henrique de Cristo. A ONU afirma que o setor cultural é responsável por 3% do PIB planetário, empregando cerca de 30 milhões de pessoas. Dados do Ipea apontam que, antes da pandemia, o Brasil tinha cerca de 5,5 milhões de trabalhadores no setor. Número questionável, pode ser bem maior pela informalidade.

Menos vítima do preconceito e tão desprestigiada quanto a cultura, a educação é primordial e tem consenso. Entretanto, o discurso demagógico não é capaz de impulsionar as necessidades de crescimento e liberdade por meio do saber. Consultores econômicos privilegiam outros setores e a prova é o investimento público federal que caiu de R$ 129,8 bi (2021) para R$ 123,7 bi (2022). A lógica não sustenta o progresso econômico almejado pelo Estado. O Censo Escolar 2021 (Inep), revela que há mais de 2,3 mi de profissionais no setor. Destaque para a inclusão de mulheres, cerca de 80%.

Na saúde, foi necessária uma pandemia para que o setor fosse reconhecido. Ainda assim, o ímpeto do auge da Covid não se perpetuou como política pública. Discursos contra o investimento no cuidado com os cidadãos esbarram na narrativa do quanto se gasta. Errado. Saúde é vida e a prevenção é o melhor plano. Segundo a IPC Maps, o faturamento do setor privado chegou próximo dos R$ 350 bi (2022). Apenas o pagamento a planos de saúde rendeu R$ 180 bi.

Na comparação entre 2020 e 2021, a educação teve um aumento de 1.962.750 para 1.976.724 trabalhadores, salários encolheram de R$ 4.686 para R$ 4.342. A saúde saltou de 2.557.994 profissionais para 2.718.399, salários foram de R$ 3.316 para R$ 3.166. A cultura saiu de tímidas 222.221 pessoas para 229.693, mas os salários caíram de R$ 2.593 para R$ 2.453. Empregos sem carteira assinada ou concurso público estão fora. No meio ambiente, a transversalidade dificulta quantificar o número de pessoas que atuam no setor e o potencial de crescimento econômico.

Cultura, educação, saúde e meio ambiente têm em comum preservação e desenvolvimento da vida. Sem preconceito e olhando a longo prazo, cabe acreditar/investir no que sempre é grande promessa nas campanhas políticas e pequena realidade na gestão dos eleitos. O presidente Lula, ao tomar posse, disse: “É preciso colocar o pobre no orçamento”. Mercado, acredite: povo saudável, culto e instruído faz crescer a economia.

*Ricardo Viveiros é jornalista, professor e escritor; doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto).