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Opinião

Foto: Divulgação

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O Supremo Tribunal Federal, com o voto do ministro Roberto Barroso, formou maioria no sentido de receber a denúncia proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR) em face de 100 pessoas supostamente envolvidas nos atos de vandalismo contra os prédios dos três Poderes da República no último dia 8 de janeiro. Barroso, tal como os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Carmen Lúcia, acompanhou o voto do ministro relator Alexandre de Moraes.

A PGR denunciou mais de 1,3 mil pessoas. Por causa do volume, o STF decidiu reunir as acusações em blocos. Neste primeiro julgamento, os ministros analisam 100 denúncias. A Corte Superior decidiu priorizar as acusações contra os manifestantes que ainda estão presos preventivamente.

As primeiras denúncias atingem manifestantes que teriam participado diretamente dos atos de vandalismo e outros apontados como 'autores intelectuais' dos protestos golpistas. A PGR imputa a prática dos crimes de associação criminosa (artigo 288); abolição violenta do estado democrático de direito (artigo 359-L); golpe de estado (artigo 359-M); ameaça (artigo 147); perseguição (artigo 147-A, inciso I, parágrafo 3º); incitação ao crime (artigo 286), e dano e dano qualificado (artigo 163). A PGR também cita o crime de deterioração de patrimônio tombado (artigo 62 da Lei 9.605/1998).

Não há dúvida que nos crimes envolvendo uma grande quantidade de pessoas, quer executando materialmente dos fatos delituosos, quer sendo autores intelectuais, é extremamente difícil individualizar na denúncia a conduta de cada um. Por outro lado, não se pode admitir que a denúncia seja exageradamente genérica, sob pena de inviabilizar o direito de defesa, haja vista que os acusados se defendem dos fatos a eles imputados.

As denúncias propostas contra os 100 investigados não lograram individualizar minimamente a suas condutas. Pelo contrário, a denúncia é demasiadamente genérica, não atribuindo aos acusados os fatos delituosos a eles imputados. Não há indicação, por exemplo, que “Fulano” quebrou uma obra de arte do acervo nacional. Sequer há indicação de elementos de informação obtidos nas investigações que indiquem que "Ciclano de Tal" praticou determinado fato criminoso.

Para ser acusado bastou o investigado estar presente na manifestação de 8 de janeiro de 2023 ou ter permanecido nos acompanhamentos na frente dos quartéis. Não há indicação, sequer, que algum dia denunciados tenha ingressado em um dos poderes e tenha praticados atos de vandalismos ou tendentes a abolir o estado democrático de direito. Portanto, não há como deixar de reconhecer a inépcia da denúncia formulada em face dos 100 acusados.

Avançando a análise, aplicando-se a famigerada ideia que a análise do recebimento da denúncia deve preponderar o in dubio pro societatis em detrimento do in dubio pro reo, há que ser examinada competência da Suprema Corte para julgar os fatos apresentados na denúncia.

Para Moraes há conexão probatória entre os fatos narrados na denúncia com outro Inquérito que inquéritos que investiga a eventual participação de cinco deputados federais nos atos de 8 de janeiro de 2013: Clarissa Tércio, André Fernandes, Silvia Waiãpi, Coronel Fernanda e Cabo Gilberto.

Embora o esforço do ministro Alexandre em atribuir ao STF a competência na espécie, com todos as vênias, entendo que Sua Excelência labora em equívoco na espécie. explico.

O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. Na área penal, destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros (art. 102, inc. I, a e b, da CF/1988).

Em que pese haja investigação em curso para apurar eventual participação de Parlamentares Federais com foro por prerrogativa de função, o procedimento administrativo investigatório não tem o condão de atrair a competência da Corte Suprema, uma vez que sequer há denúncia contra os parlamentares. Poderia, eventualmente, atrair a competência para o STF caso já tivesse sido ajuizada a ação penal contra os congressistas e houvesse inequívoca conexão probatória, o que exigiria a reunião dos processos para evitar julgamentos diferentes sobre os mesmos fatos.

Dessa forma, comungo do entendimento da Defensoria Pública da União, que em suas manifestações em defesa dos acusados postulou pelo reconhecimento da incompetência do STF e o consequente deslocamento da ação penal para a Justiça Federal da primeira instância.

Ser julgado pelo juízo competente é uma garantia fundamental de qualquer pessoa, cláusula pétrea que não pode ser alterada sequer por emenda constitucional. O devido processo legal perpassa, inexoravelmente, por ser julgado pelo juízo competente, com a preservação dos direitos a ampla defesa e ao contraditório. Do contrário, estaremos diante de um tribunal de exceção, o que encaminha, na espécie, para acontecer.

*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa), especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca (ESP), mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.