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Cultura

Foto: Manoel Jr.

Foto: Manoel Jr.

O calendário de eventos dos quilombolas do Tocantins é marcado por festividades que celebram e divulgam a cultura e história desse povo tradicional, como a 9ª Festa da Rapadura acompanhada pela Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Tocantins (Sepot), no Quilombo do Prata, em São Félix do Tocantins, nesse final de semana.

“A Festa que acontece no quilombo é um patrimônio deste estado”, explica a diretora de Proteção aos Quilombolas da Sepot, Ana Mumbuca, conforme garantido pela Constituição Federal quando tombou todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos como patrimônios culturais brasileiros (Art. 216.).

“A Secretaria estando lá é uma forma de preservar, cuidar, montar acervo desse patrimônio. Não só as expressões das pessoas, mas os próprios quilombolas são um bem para este estado. O Tocantins saiu na frente quando constituiu esse espaço de cuidado da cultura e das expressões desse grupo, para que as futuras gerações também percebam que somos um bem cultural do Brasil e esse bem precisa ser protegido”, disse a diretora Ana Mumbuca.

O objetivo da Festa da Rapadura é manter a tradição e os saberes da comunidade, informou a presidente da Associação Comunitária Quilombola dos Extrativistas Artesãos e Pequenos Produtores do Povoado do Prata, Luzia Passos Ribeiro.

Passo a passo até a “rapadura tá no jeito”

Conhecido como doutor pela comunidade, Salomão Rodrigues de Souza, abriu as portas da sua casa para compartilhar o processo de produção da rapadura. Unindo a vitalidade e experiência dos seus 97 anos, o Doutor enfrenta o calor da matéria-prima “pitando” enquanto repassa seus conhecimentos aos visitantes.

A garapa é colocada no tacho para ferver, “aí com a escumadeira, que é de cabaça, a gente queima a garapa para tirar o sujinho da cana, ela vai fervendo e a gente vai tirando. Então se fura ela para não derramar, vai batendo e batendo com a escumadeira emborcada para ela não subir até ela parar”, afirma Salomão. A garapa começa a abaixar quando ferve, é o “que a gente chama pitando. Quando ela estiver bem baixa, a gente roda, roda, até quando estiver grossa”, diz.

Depois ela é colocada em uma gamela, com um pedaço de tábua [semelhante a uma grande espátula] vai batendo e rodando. "Deixa parada um pouco para esfriar e torna a bater”, ensina.

Em seguida, quando está grosso, o produto é colocado em uma grade de madeira, até que cada compartimento seja preenchido. Após 20 a 25 minutos, quando já endureceu, as divisões que compõem a grade são removidas para a matéria-prima esfriar. “Na hora que ela esfriou, a gente tira, coloca numa vasilha para ali e tá no jeito, a rapadura tá pronta”, afirma Salomão.

Presenciando de perto o passo a passo, a diretora Ana Mumbuca reflete como “a festa representa um momento simbólico de apresentação para a comunidade e visitantes da produtividade a partir da cana. Ela é um elemento muito importante para a alimentação da comunidade. É uma oportunidade de, junto com a produtividade, trazer outras expressões culturais, de interagir e gerar renda”.

“Fazer com o que tem”

O empreendedorismo em comunidades quilombolas é tema da pesquisa de doutorado do administrador, Gustavo Passos Fortes, o qual acompanhou o processo de produção da rapadura durante a festividade. O pesquisador estuda a forma de organização, o mecanismo de geração de renda e as possibilidades de aproveitar os potenciais locais de cada comunidade, explicou Gustavo Passos.

O processo de produção, antes conhecido apenas por leituras e vídeos, foi vivenciado com a coleta de informações para o trabalho e posterior retorno para a comunidade. “O empreendedorismo é uma forma de gerar renda nessas comunidades que, às vezes, estão distantes dos grandes centros. O empreendedorismo vem com essa forma de poder fazer com o que tem, então os moradores conseguem fazer com que as coisas aconteçam a partir do que têm em mãos”, considera o doutorando Gustavo Passos.

Apoiaram também a festividade, a Secretaria do Turismo, a Prefeitura de São Félix do Tocantins, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/TO) e a Energisa.