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Opinião

Diante da atual onda de violência no Brasil fala-se muito de uma ameaça de regressão à barbárie. Mas os inúmeros articulistas de jornais locais e nacionais estão enganados, não se trata mais de uma ameaça, pois a regressão já se instalou e a barbárie existe e continuará existindo enquanto persistirem os inúmeros fatores que apontam sua insofismável presença: a intolerância diante do outro, à idéia de que há uma inevitabilidade histórica do capitalismo selvagem, o consumismo e o individualismo desenfreado.

A cada dia naturalizam-se as mazelas e misérias da condição humana, que em nome de um determinismo amparado pelo viés tecnicista e nas necessidades da concorrência internacional faz predominar o mercado de forma absoluta e de maneira a suprimir quaisquer possibilidades históricas alternativas. Os poderosos de plantão decretam que não existem alternativas e muitos intelectuais, salvo algumas honrosas exceções, se acomodam. Frequentemente quem quer lutar contra tudo isso é taxado de radical, maluco e inconseqüente, pois a única postura aceita é o comodismo, o servilismo e a passividade.

Os que poderiam contribuir com a mudança social frequentemente se horrorizam calados, se voltam ao seu mundinho e umbigos, afinal pensam eles, as vítimas em geral são negros, pobres, crianças que nada lhes dizem respeito. O trabalho infantil, a prostituição de crianças, o trabalho escravo, a violência, são repugnantes, mas não chegará (ainda) aos seus lares e famílias. Ledo engano, é o que está provando os ataques da bandidagem, seja do crime organizado ou a dos colarinhos brancos.

Um das evidências mais brutais do aviltamento da condição humana e barbárie instalada é a exploração sexual infantil. A situação de violência e as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil são evidenciadas pelos números. O Tocantins, por exemplo, é campeão nacional de gravidez na adolescência e o número de hotéis, pensões, motéis ou estabelecimentos similares que insistem em hospedar crianças e adolescentes para a pratica do sexo com adultos é estarrecedor. Sem contar que a maioria dos postos de gasolina ao longo das rodovias, principalmente a BR-153, permite esse tipo de crime abertamente sem nenhuma ação coercitiva.

No Brasil e no Tocantins, a violência sexual contra crianças e adolescentes têm se manifestado, sobretudo pela exploração sexual comercial (prostituição, tráfico para fins sexuais, turismo sexual e pornografia via internet e pelo abuso sexual). As desigualdades sociais e econômicas têm levado contingentes da população a um dos mais vexatórios exemplos da barbárie instalados no país: a violência e a exploração sexual infantil.

De todas as decepções com o governo Lula uma das mais dolorosas é praticamente a inexistência de políticas públicas para o enfrentamento da violência e a exploração sexual infantil. O único programa voltado para essa questão é o Programa Sentinela, que não tem capacidade de atender toda a população e que no ano de 2007 destinou apenas 27 milhões de reais e atendeu 28 mil crianças e adolescentes em 315 municípios brasileiros. Neste ano, o orçamento vai para 35 milhões e quase 800 municípios em todo o Brasil vão estar empenhados em promover ações para conscientizar a população. Mas isso é uma gota diante do oceano degradante da exploração sexual infantil e suas conseqüências nefastas.

A prática de submeter crianças à exploração sexual é crime no Brasil previsto não somente no artigo 244 do Código Penal, mas encontra-se amparo também em legislações internacionais, como pactos, convenções e protocolos que protegem a infância e a adolescência. A Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho, sobre as piores formas de trabalho infantil, foi ratificada pelo Brasil. O texto dessa Convenção inclui a "utilização, procura e oferta de crianças para fins de prostituição, de produção de material ou espetáculos pornográficos" (Art. 3º) como uma das formas extremas de exploração da infância.

A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno complexo marcado pela covardia, pelo silêncio e medo. Covardia de quem a pratica e silêncio e medo de quem é vítima. Isso faz com que a ausência de denúncias dos abusos, em sua maioria cometidos por adultos, parentes das crianças ou pessoas conhecidas, transforme o problema aparentemente em algo pouco significativo. Mas a realidade é bem outra. Segundo a Abrapia (Associação brasileira multiprofissional de proteção a infância e adolescência), sete crianças e adolescentes sofrem abuso sexual por hora no Brasil.

E a estatística é maior ainda quando falamos na exploração mercantil do sexo infantil. Segundo a Unicef o Brasil tem 937 municípios onde ocorre a exploração sexual comercial infantil. Destes 937, 31,8% estão concentrados no Nordeste, 25,7% no Sudeste, 17,3% no Sul, 11,6% no Centro-Oeste e 13,6% na Região Norte.

Essa é a barbárie nossa de cada dia, que está conduzindo o país a uma encruzilhada existencial e a uma situação de tragédia social como nunca antes vista.

 

Paulo Henrique Costa Mattos

Professor de Sociologia da UNIRG e Presidente do PSOL-To