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Opinião

Foto: Guilherme Viana

Foto: Guilherme Viana

Hoje (22) comemora-se o Dia Mundial da Água. Em 2019 a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)  e fará um evento em sua sede, em Roma, para celebrar a data e apresentar o relatório, que revela dados sobre a conjuntura hídrica mundial. O lema desse ano é “Não deixando ninguém para trás”.

A campanha que a FAO criou para a celebração de 2019 nos diz muito sobre o que a água representa para a sociedade: “Quem quer que você seja, aonde quer que você esteja, água é seu direito humano”, ou seja, ressalta o valor universal que a água tem para o desenvolvimento da sociedade e dos povos. Por esse motivo o tema água consta como Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável nº 6, que estabelece como meta “garantir a disponibilidade e gestão sustentável da água para todos até 2030”.

De acordo com o Serviço de Levantamento Geológico Americano, a água doce representa uma ínfima parte da água como um todo, apenas 2,5%, que tem maior volume nos oceanos (96,5%), a diferença de 0,9% está em outras águas salinas. E da água doce existente, apenas uma ínfima quantidade está disponível para consumo geral. Para se ter uma ideia, na umidade do solo há mais água doce do que nos rios. 

Segundo dados da Agência Nacional das Águas, a irrigação consome 68,4% da água e o abastecimento animal 10,8%, ou seja, o setor agropecuário consome praticamente 80% da água doce no Brasil. Esse dado demonstra a importância que a gestão hídrica deve ter na atividade agropecuária. Conforme o Atlas da Irrigação, a área irrigada no Brasil é de 6,95 milhões de hectares, com perspectiva de atingir mais de 10 milhões de hectares em 2030.

No Tocantins, a área irrigada ainda é pequena se comparada a outros estados, abrangendo uma área de 128 mil hectares, e está concentrada na região das planícies inundáveis do Rio Araguaia, onde são produzidos arroz, soja, feijão-caupi e melancia. Também existem perímetros públicos com infraestrutura para irrigação, sendo os principais o Projeto São João, que tem cerca de 3 mil hectares, em Porto Nacional, e o Projeto Manuel Alves, com 20 mil hectares, em Dianópolis. 

O sistema de irrigação mais utilizado para produção de arroz é o de inundação contínua, em que é formada uma lâmina de água nos talhões e dependendo da sistematização da área, pode chegar a meio metro de altura. Esse tipo de irrigação apresenta baixa eficiência, consumindo muita água, promovendo grandes perdas por evaporação e fluxo lateral, além de maior suscetibilidade à contaminação da água por fertilizantes e agrotóxicos. A vantagem é a maior eficiência no controle de plantas daninhas.

A produção de sementes de soja ocorre no período de menor disponibilidade hídrica no estado, e utiliza o sistema de irrigação conhecido por subirrigação, ou elevação do lençol freático. Nesse sistema controla-se o nível da água subsuperficial por meio do enchimento ou esvaziamento dos canais de distribuição, que ora funcionam como canais de irrigação, ora como canais de drenagem. A vantagem da utilização desse sistema é que a superfície do solo fica seca, não oferecendo condições favoráveis para a proliferação de doenças fúngicas.

Pesquisa recente realizada em Lagoa da Confusão pelo agrônomo André Reis demonstrou que a utilização do manejo de irrigação mantendo o solo úmido e sem a formação de lâmina alcançou produtividade 12% superior, além de maior eficiência no uso de água e nitrogênio, alcançando níveis 54% e 68% maiores, respectivamente, quando comparado ao sistema de inundação contínua. Este resultado demonstra que é possível aumentar a produção de arroz utilizando a água e o nitrogênio de forma mais eficiente no Tocantins.

Somado ao estudo de formas para o manejo de água mais eficiente, a Embrapa tem desenvolvido trabalhos na região para o desenvolvimento de cultivares de arroz adaptadas às condições de solo e clima locais, que proporcionam menor suscetibilidade a pragas e doenças, implicando em menor número de aplicações de agrotóxicos. Também foi realizada uma pesquisa para buscar o melhor manejo da palha de arroz, incorporando-a ao solo na ocasião do preparo para o cultivo subsequente da soja, tendo como consequências a eliminação do impacto ambiental causado pela queima da palha, maior economia de combustível no preparo do solo e maior margem líquida.

Em artigo publicado recentemente pela revista Science, a eficiência de irrigação é vista como um paradoxo, e é feita a afirmação de que raramente iniciativas para o seu aumento resultam em maior disponibilidade de água para outros usos, pois não consideram a importância da gestão hídrica integrada em nível de bacia hidrográfica. Para obter resultados positivos sugere-se que o aumento da eficiência de irrigação deve ser acompanhado de outras medidas, como a medição e contabilidade robusta da água, redução das extrações, levantamento das incertezas, valoração das contrapartidas e melhor entendimento das motivações e comportamento dos irrigantes, ou que deve ser feito de forma participativa e envolvendo todos os interessados. Esse estudo corrobora uma iniciativa que está sendo realizada no Tocantins, que propõe a gestão de alto nível da Bacia do Rio Formoso. Isso se traduz no monitoramento das vazões disponíveis e captações realizadas, que permite o gerenciamento hídrico de forma mais eficaz, em tempo real.  

As atividades de pesquisa para a gestão de alto nível têm a participação da Embrapa, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP) e Universidade de Brasília (UnB). O objetivo geral é desenvolver instrumentos, metodologias e tecnologias para o uso mais eficiente dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do Rio Formoso com foco no uso da água para irrigação, mediante a proposição de novas regras para emissão e operação de outorgas na bacia; a proposição de metodologias multicritério para o desenvolvimento regional a partir de restrições hídricas; a proposição de técnicas e metodologias para o uso mais eficiente da água e o estabelecimento da pegada hídrica na bacia.

Em resumo, o grande consumo de água pela atividade agropecuária transfere enorme responsabilidade para os produtores rurais, para que seu uso seja feito de forma mais racional e consciente. Ressaltamos também que os melhores resultados ocorrem quando há a adoção de tecnologias para o manejo e gestão hídrica de forma participativa e envolvendo todos os interessados, desde o nível de bacia hidrográfica até talhões ou parcelas irrigadas, conhecendo o ciclo hidrológico e buscando a eficiência de uso deste recurso natural imprescindível para o desenvolvimento humano.

*Deivison Santos Pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura