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Saúde

Foto: Divulgação Paralama do carro da Prefeitura de Dianópolis danificado após colisão com animal na pista Paralama do carro da Prefeitura de Dianópolis danificado após colisão com animal na pista
  • Pacientes improvisam enquanto esperam atendimento
  • Roosvelt ao centro acompanhado de Antônio, à sua direita, e um dos motoristas da prefeitura de Dianópolis

São sete horas da manhã do dia 27 de janeiro de 2023 – uma sexta-feira. Já nesse horário, a pracinha ao lado do Hospital Geral de Palmas (HGP) está rodeada de carros e ambulâncias com identificação de prefeituras e secretarias de saúde de vários municípios do Estado, a maioria da região Sudeste do Tocantins.

A todo momento, mais veículos chegam e os passageiros ocupam uma cadeira ou banco ao redor do quiosque no centro da praça. Alguns trazem redes de dormir para armar entre as árvores, e é bom que os punhos estejam bem atados e que não chova, porque a espera de alguns deles vai levar horas.

Morador de Dianópolis, Roosvelt Lopes é uma dessas pessoas que enfrentam toda semana uma via crucis para se manter vivo. “Faço a viagem três vezes por semana. Saio lá da cidade às 5h, chego às 9h aqui, aguardo umas duas horas até o horário do meu procedimento e depois preciso ficar esperando os outros colegas até dar a hora de ir embora. Chego em casa por volta das dez.. onze da noite”, resume o paciente.

Essa é a realidade de centenas de cidadãos tocantinenses que moram em cidades do interior onde atendimento médico ainda é um luxo. “Nossa cidade é pequena, temos cerca de dois mil habitantes e mandamos até quatro carros com pacientes para Palmas toda semana. Quando o fluxo de exames é maior, aí tem que ir a van. Tentamos sempre viajar de dia para diminuir os riscos de acidentes”, informou Fábio Ferreira de Oliveira, secretário de saúde de Lavandeira, cidade localizada a 500 km de Palmas.

A prática ganhou um apelido humilhante: ambulanciaterapia, muito embora, seja sorte o dia em que os pacientes são transportados em ambulâncias. Na maioria das vezes eles viajam em carros de passeio de cinco lugares, ou vans. “Outro dia viemos em um carro com seis pessoas. Cheguei aqui para fazer diálise sentindo muitas dores. E ainda teve a viagem de volta”, relatou Antônio Midas, também morador de Dianópolis.

Em geral, o transporte fica por conta das prefeituras que alocam carros e outros veículos. No caso de Dianópolis, a 350 km de Palmas, a prefeitura também destina R$ 600 de ajuda de custo para cada paciente.

Mas eles vêm de vários lugares. A Van que bateu de frente com um caminhão na noite da última quarta-feira, 25, retornava de uma dessas viagens de saúde a Palmas. Doze pessoas, incluindo um bebê, morreram.

Morador de Almas, cidade onde moravam as vítimas da tragédia, Dori Guerreiro vem à capital três vezes por semana para fazer hemodiálise. “Acho que as autoridades e governantes estão fazendo pouco caso porque não custa nada ter duas ou três máquinas de hemodiálise em Dianópolis, médicos e enfermeiras para fazer esse procedimento para o pessoal que é daqui da região. O custo seria menor que as diárias, transporte, ajuda de custo e outros gastos para transportar a gente até Palmas”, lamentou ao lembrar a tragédia com os conterrâneos.

Não são raros os relatos de sustos pelo trajeto e até pacientes passando mal durante as viagens. “Buracos, caminhão que dá fechada no carro, bichos no asfalto. Tudo isso a gente passa”, relatou Roosvelt. 

Dependente de hemodiálise há cinco anos, Francisca Alves já passou por apuros. “Em uma das viagens eu tive um sangramento dentro do carro após a hemodiálise. Tivemos que parar para procurar um hospital. Depois de cinco anos nesse trecho, meu marido e eu resolvemos alugar um lugar barato para ficar em Palmas e ter que fazer a viagem de ida e volta apenas uma vez por semana”, contou.

“Teve um dia que, quase chegando em Dianópolis, o pneu do carro furou. Eu e mais dois pacientes terminamos de chegar em casa na carroceria de uma caminhonete que parou perto de nós na estrada, isso já eram onze da noite”, relatou seu Antônio.

 O carro em que o grupo de Dianópolis viajou nesta sexta-feira, 27, está com o paralamas dianteiro quebrado: “resultado de um cachorro que entrou na estrada dia desses”, contou o motorista.

A maioria dos pacientes vem fazer hemodiálise – tratamento complexo que substitui a função renal. “Infelizmente é um tratamento que não tem perspectiva de suspensão. É uma terapia de manutenção da vida”, explica o nefrologista Giordano Ginani. “O deslocamento é mais uma camada de risco para os pacientes. Isso traz a importância de decentralizar o atendimento de nefrologia, fazer uma rede efetiva de assistência. Esse debate é importante na instância da saúde pública e privada porque a necessidade de hemodiálise é para manter a vida, a frequência do tratamento é grande e quanto maior for a distância mais arriscado fica. Pacientes que fazem diálise não tem apenas a insuficiência renal, o maior grupo é de idosos e sofrem com outros problemas de saúde”, completou o médico.

O setor de transportes da Prefeitura de Dianópolis informou que transporta cerca de 600 pacientes para Palmas todos os meses. Garantiu ainda que os carros passam por manutenção frequente e que toda a frota é segurada. Entretanto, situação das estradas, em alguns trechos os buracos impedem o bom andamento do veículo, trazendo consequências ao carro, como pneus furados, rodas amassadas. “Os nossos motoristas relatam, ainda, frequentes casos de imprudência por parte de caminhoneiros na estrada que mantém o farol alto durante a noite, invadem a pista contrária e não respeitam a sinalização”, afirmou Vitor Cardoso, coordenador do setor.

Respostas

O Hospital Regional de Dianópolis deveria ser a unidade mais preparada para absorver esses atendimentos, com estrutura adequada até mesmo para a hemodiálise. No entanto, apesar de prestar atendimentos de baixa e média complexidade são necessários “encaminhamentos para atendimentos de alta complexidade, muitas vezes só disponíveis em Palmas ou Gurupi, isso devido à baixa quantidade de profissionais especialistas e/ou a complexidade dos serviços e equipamentos necessários”, alegou a Secretaria Estadual de Saúde (SES), em nota.

O prefeito de Dianópolis, José Salomão Jacobina Aires, disse à reportagem que já fez tratativas com gestões anteriores para equipar a unidade em seu município. “Pretendemos reunir os prefeitos de vários municípios aqui do sudeste para sentar com o governador Wanderlei Barbosa em breve e cobrar essas providências”, alegou.

Ainda em nota, a SES informou que o governo tem equipado os hospitais de Dianópolis e Arraias e está com chamamento aberto para “para contratação de médicos especialistas, que atenderão as demandas locais”.

Sobre a hemodiálise, a secretaria informou que o serviço é realizado por empresas credenciadas em Palmas, Araguaína e Gurupi. A regionalização, segundo a SES, ocorre “devido ao déficit de especialistas necessários, bem como pela complexidade  de equipamentos  que o mesmo necessita.”

Em todo o Estado, são 117 cadeiras disponibilizadas, com capacidade para o atendimento de até 702 pacientes e atualmente a demanda é de 622 em tratamento, sendo 252 em Palmas, 120 em Gurupi e 250 em Araguaína.

Ainda segundo a gestão, está em andamento um novo processo de credenciamento para a oferta dos referidos serviços, com a previsão de 131 cadeiras e pela nova contratação, proporcionará o aumento da oferta, inclusive em cidades que ficam até 150 km fora do território tocantinense.