Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Estado

Marcha das Mulheres Negras pelo fim da violência

Marcha das Mulheres Negras pelo fim da violência Foto: Thinkstock

Foto: Thinkstock Marcha das Mulheres Negras pelo fim da violência Marcha das Mulheres Negras pelo fim da violência

O Atlas da Violência 2019 divulgado esta semana destaca os casos de homicídio praticados contra grupos específicos de maior vulnerabilidade na sociedade brasileira. Assim, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), responsáveis pela pesquisa, dedicaram-se a analisar os casos de letalidade contra mulheres e negros.

Entre as mulheres, o Atlas destaca que, em 2017, registrou-se uma média de 13 assassinatos de mulheres por dia, com 4.936 vítimas naquele ano. Já as estatísticas relacionadas à população negra, evidenciam a preocupante continuidade do processo de desigualdade racial no Brasil.

Mulheres

Apesar do crescimento expressivo de 30,7% no assassinato de mulheres em todo o país entre os anos de 2007 e 2017, com crescimento da taxa de homicídios de mulheres em 17 estados, o Tocantins registrou uma redução nos casos de feminicídio de um ano para o outro. Em 2017 a taxa foi de 5 assassinatos para cada 100 mil mulheres; já em 2016 a taxa ficou em 6 casos para cada grupo de 100 mil. A redução registrada na taxa é de 16,6%. O Tocantins foi um dos 6 estados com redução superior a 10%.

Já em números absolutos o Tocantins registrou em 2017, 38 casos de feminicídio contra 45 casos em 2016 – redução de 15,6%. Já na comparação do decênio (2007-2017), houve aumento de 35,7%, passando de 28 mortes em 2007 para os 38 casos registrados em 2017.

O que chama atenção nestes casos é a quantidade de mulheres negras assassinadas. Em todo o país, 66% das vítimas do sexo feminino vítima de violência letal eram negras. Especificamente no Tocantins, das 38 mulheres mortas em 2017, 30 eram negras. Segundo a doutora em sociologia Ana Lúcia Pereira, que se dedica aos estudos da população negra, a violência contra mulheres negras sempre existiu em maior número que a praticada contra mulheres brancas. “Essa constatação em números é reflexo da luta das mulheres negras na qualificação dos casos de homicídio por gênero, classe e cor, entre outros critérios. Isso foi importante para termos noção da dimensão da violência contra mulheres”, destaca.

Ana Lúcia aponta ainda que o aumento da violência contras as mulheres no geral está relacionada ao machismo e à não aceitação por parte dos homens das conquistas das mulheres ao longo da última década. “Os homens ainda não estão preparados para a atuação das mulheres que conquistaram espaço ao longo da década e acabam reagindo com o acirramento da violência. Estes números são importantes para conscientizarmos governo e sociedade de qual importantes e urgentes são as políticas públicas de proteção à mulher, especialmente as mulheres negras”, analisa a ativista.

A Defensora Pública Denize Souza Leite, que atua no atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica, lembra que, a maioria dos casos ainda acontece dentro de casa e o agressor geralmente é o marido, namorado ou até os próprios filhos. "Há um recorte racial muito evidente, a maioria das mulheres que atendemos é negra. E por que a mulher negra? Ora, porque é um grupo social historicamente e socialmente marginalizado em uma sociedade machista que não a enxerga como indivíduo", explica.

Denize destaca ainda que a violência contra a mulher não deve ser tratada somente como questão de segurança pública, mas acima de tudo, como um problema social. "Estas mulheres vivem em uma relação de dependência financeira do companheiro e por isso muitas vezes não quer denunciar e nem sair da relação. Há uma grave questão também de culpabilização da vítima que é colocada como culpada pela própria agressão que sofreu por outros agentes sociais, como a família, os vizinhos e outros".

Para a defensora, além de políticas e campanhas que tenham como finalidade a superação da cultura machista de nossa sociedade, é preciso também que o Estado se aparelhe de equipamentos públicos de atendimento e proteção a estas vítimas. "É preciso de delegacias especializadas de proteção à mulher 24 horas, centros de referência da mulher. Tudo isso são aparatos públicos que vão atender a vítima e criar uma rede de proteção para que os casos não voltem a se repetir", conclui.

Negros

Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros. A taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16,0. Ou seja, proporcionalmente às respectivas populações, para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio em 2017, aproximadamente, 2,7 negros foram mortos.

No Tocantins, das 557 pessoas mortas em 2017, pelo menos 437 eram negros – redução de  4,2% em comparação a 2016, mas aumento expressivo de 128% em uma década.

Apesar de fazerem parte de uma triste maioria, o índice de crescimento decenal da letalidade de negros foi menor que a de não-negros no Tocantins em uma década (+98,0% contra +199,0%).

Segundo o perito criminal e vice-presidente do sindicato da categoria (Sindiperito), Silvio Jaca, a classificação da vítima quanto a cor e raça e feita no momento da perícia. Ele lembra que no Tocantins 90% da população é negra e isso influencia nas estatísticas. “A maioria das vítimas é parda e é assim que identificamos. E a maioria dos casos de mortes acontecem em Palmas, Araguaína e Gurupi, cidades onde há muita miscigenação, por isso as estatísticas nem sempre representam bem a realidade”, salienta.

Silvio também destaca que em 2018 e início de 2019 houve uma ligeira queda nos números de violência e letalidade em todo o país e no Tocantins, mas avalia que, no Tocantins, assim como em outros estados da região, a criminalidade ligada ao tráfico de drogas e facções criminosas deu um salto exponencial na última década. “Sobretudo de 2015 a 2017 o aumento nos casos de assassinatos foi expressivo e observamos que se tratava de disputas entre facções criminosas no Tocantins. Um dos motivos para a redução nos homicídios em 2018 e 2019, pode ser, em minha avaliação, devido à morte de muitos desses rivais que saíram de atuação”, avalia.