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Polí­tica

Imagens de colheitadeiras em um campo de soja embaladas por uma locução que fala em gerar mais empregos no programa de Teresa Surita (MDB), candidata ao governo de Roraima, no horário eleitoral na TV. A promessa de associar “o uso inteligente das florestas com o agronegócio sustentável e agricultura familiar, gerando riqueza e oportunidades para todos”, que foi ao ar no programa de Jorge Viana (PT), candidato a governador no Acre. E até mesmo uma defesa enfática da importância do agronegócio para alimentar o Brasil e o mundo.

“Esses caras tinham que tirar o chapéu, que nos aplaudir, porque nós estamos produzindo alimentos para o Brasil e para o mundo e nós temos aqui o verdadeiro exemplo de produção sustentável”, afirmou em entrevista à TV Centro América Mauro Mendes, candidato ao governo do Mato Grosso pelo União Brasil.

No ritmo acelerado da campanha eleitoral, candidatos e candidatas aos governos estaduais e ao legislativo reverenciam o agronegócio nacional como uma locomotiva da economia que não pode ser freada por entraves causados por preocupações ou regulações ambientais —procurados pela reportagem, os candidatos citados não se pronunciaram até o momento da publicação deste texto.

O discurso político que apenas celebra os produtores de commodities esconde o outro lado da moeda: as consequências ambientais da expansão da agropecuária. Um estudo publicado na revista científica Science em 8 de setembro de 2022 mostra que de 90% a 99% de todo o desmatamento registrado em regiões tropicais do planeta entre 2011 e 2015 foi provocado pela expansão da agropecuária.

Um dos dados gerados pela análise desse grupo de pesquisadores internacionais chocou até mesmo os cientistas acostumados a constatar como o agro pode ser muitas vezes predatório. Pouco mais da metade (55%) da área de 6,4 milhões a 8,8 milhões de hectares desmatada por ano em zonas tropicais foi realmente usada na expansão da produção agrícola. Como também ocorre na Amazônia, existe muito desmatamento feito a troco de nada revela a pesquisa.

Reportagem publicada em setembro na revista Piauí usa dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para colocar em xeque essa exaltação do agro ao revelar que a participação real desse setor no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro não chega a 7% se levarmos em conta a produção agrícola e pecuária em si, e não toda a cadeia econômica que a utiliza como matéria-prima —e que a mecanização das lavouras e a adoção de tecnologia desempregou perto de 1,4 milhão de pessoas desde 2012.

Quando o foco recai especificamente sobre a região amazônica, a relação entre destruição florestal e o avanço das monoculturas (como as de soja e milho) e principalmente da pecuária fica evidente. O relatório “Sob a Pata do Boi”, do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia), mostra bem as engrenagens do setor pecuário ao analisar a influência de 128 frigoríficos na Amazônia e mostrar que eles são responsáveis por 88% do desmatamento ocorrido na Amazônia entre 2010 e 2015.

De acordo com o estudo realizado pela professora Paula Cares Bustamante, economista da Universidade Federal de Viçosa (MG), a agricultura não-familiar nos estados da região Norte gerou uma renda total de R$ 31,1 bilhões em 2017 e que 56% disso (R$ 17,3 bilhões) veio da pecuária. Já o total gerado pela agricultura familiar em todos os estados do Norte foi de R$ 11,2 bilhões em 2017, mostra a pesquisa. Entre 2007 e 2017, os ganhos com a pecuária na Amazônia foram os que mais cresceram, tendência que continua nos últimos anos, apesar da pandemia.

“O trabalho da Science, do qual Tasso Azevedo [coordenador geral da iniciativa MapBiomas] é um dos coautores, deixa claro que em todas as florestas tropicais a agricultura responde por muito desmatamento”, ressalta Ricardo Abramovay, professor do programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo) e autor de vários livros sobre a Amazônia. “O mais importante é a conclusão, hoje unânime entre cientistas, de que não é necessária mais devastação para produzir, seja pela agricultura familiar ou patronal.”

Na visão do pesquisador, o que precisa ser enfrentado é a grande contradição atual que existe sobre a produção agrícola. Nas últimas décadas, a modernização da agricultura reduziu drasticamente a fome no mundo — nos anos 1960, cerca de 60% da população mundial vivia na insegurança alimentar, contra 10% hoje—, mas ele pondera que a forma predatória como isso foi feita precisa ser repensada. Para Abramovay, o modelo que inclui uso massivo de produtos químicos, aplicação de fertilizantes nitrogenados e voltado para uma produção de poucas culturas (principalmente as grandes monoculturas mais rentáveis) se esgotou.

O desmatamento pode prejudicar até mesmo o próprio setor agrícola. É o que afirma o pesquisador brasileiro Eduardo Assad, um dos principais especialistas em relacionar mudanças climáticas com a agricultura. No caso brasileiro, um dos motivos, segundo ele, é que, sem a Amazônia, o Centro-Oeste ficará mais quente e seco, porque a umidade lançada pela floresta na atmosfera é o que ajuda a formação das chuvas na região.

Assad conta que, em 2007, o grupo em que ele trabalhava na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) apresentou um primeiro grande estudo sobre o tema. A estimativa dizia que até 2020 havia a probabilidade de o Brasil ter uma perda total de R$ 7 bilhões nas culturas, por exemplo, de soja, milho e café por causa das mudanças climáticas que viriam. Refeitas as contas agora, como gosta de dizer o pesquisador, o erro apareceu. “Infelizmente não foram 7 bilhões de reais, mas de dólares”, comenta Assad. Mesmo assim, os prejuízos à agricultura causados pelo aquecimento global não são citados pelos candidatos nos seus programas que exaltam o agronegócio.

Qual é o modelo ideal de agro?

No caso específico da Amazônia, Abramovay afirma que o foco de políticas públicas saudáveis deveria ser o fortalecimento da agricultura familiar combinado à preservação florestal. Nesse caso, o estudo da Universidade Federal de Viçosa identificou pontos importantes em relação, por exemplo, ao financiamento das atividades rurais.

“O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] contribuiu para a segurança alimentar e a redução da desigualdade social e econômica na agricultura familiar, bem como para o fortalecimento do desenvolvimento de novos mercados. Mas, apesar dos avanços, os agricultores de subsistência absorvem apenas 10% do total do crédito do programa e 1,5% do total disponibilizado pelo Sistema Nacional de Crédito Rural”, aponta a professora Paula Bustamante.

Existem vários desafios que precisam ser discutidos também com os eleitores e as eleitoras. Segundo Bustamante, um deles é distribuir os recursos do Pronaf de forma mais equânime entre as regiões do país; outro é promover uma política agrícola que diferencie o modo de produção capitalista do modo social de produção que existe na agricultura familiar.

Segundo Paula, a política pública de desenvolvimento rural para a agricultura de subsistência deve contemplar não apenas as atividades produtivas, mas também atividades de prestação de serviços como comércio, agroindústrias familiares e turismo rural, para a geração de emprego e renda.

“O Pronaf deve ter uma maior integração com outras políticas agrícolas, agrárias e sociais específicas para o segmento de subsistência, como redistribuição fundiária, educação rural, assistência técnica, apoio à comercialização, melhoria da infraestrutura rural, difusão de tecnologia e acesso à água”, diz a especialista.

Da forma como ocorre hoje, existe uma espécie de “sojicização” da agricultura familiar, segundo estudiosos no tema. Ou seja, o crédito público acaba financiando a produção de commodities agrícolas como soja e milho, tal como ocorre na agricultura patronal e isso pressiona os biomas.

 Plantação de soja na Amazônia: Trator prepara a terra para o início da temporada de semeadura, no norte do Mato Grosso. O estado é o maior produtor brasileiro de Soja, segundo a Embrapa. Crédito: Lunae Parracho / Greenpeace

  Plantação de soja na Amazônia: Grupo de queixadas atravessa apressadamente uma plantação de soja, no norte do Mato Grosso, em busca do remanescente florestal mais próximo. Esconder-se rapidamente lhes garante melhor chance de sobrevivência. Crédito: Lunae Parracho / Greenpeace

 Desmatamento na Terra Indígena Karipuna na Amazônia em Setembro de 2021 Desmatamento e queimada de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, no município de Nova Mamoré, Rondônia. Em um monitoramento feito pelo povo Karipuna, Greenpeace Brasil e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) na Terra Indígena Karipuna, em Rondônia, durante o segundo semestre de 2021, foi identificado um aumento de 44% no desmatamento no território entre agosto/2020 a julho/2021. Junto com o crescimento do desmatamento, a produção de carne e soja também vêm aumentando no estado, pressionando os povos indígenas da região e ameaçando a segurança de seus territórios. Dentro do território Karipuna, novos focos de desmatamento, pontes e maquinários revelam a invasão constante e grilagem da terra. Crédito: Christian Braga / Greenpeace

 Desmatamento na Terra Indígena Karipuna na Amazônia em Setembro de 2021 Área sendo queimada na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, no município de Porto Velho, Rondônia. Em um monitoramento feito pelo povo Karipuna, Greenpeace Brasil e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) na Terra Indígena Karipuna, em Rondônia, durante o segundo semestre de 2021, foi identificado um aumento de 44% no desmatamento no território entre agosto/2020 a julho/2021. Junto com o crescimento do desmatamento, a produção de carne e soja também vêm aumentando no estado, pressionando os povos indígenas da região e ameaçando a segurança de seus territórios. Dentro do território Karipuna, novos focos de desmatamento, pontes e maquinários revelam a invasão constante e grilagem da terra. Crédito: Christian Braga / Greenpeace

 Desmatamento Avança na Terra Indígena Krikati, no Maranhão. Imagens aéreas revelam o avanço do desmatamento, queimadas e expansão pecuária dentro dos Territórios Indígenas no estado do Maranhão, na Amazônia. Em novembro de 2020, o Greenpeace sobrevoou os territórios acompanhado das lideranças indígenas locais. Crédito: Victor Moriyama / Greenpeace

  Desmatamento Avança na Terra Indígena Caru, no Maranhão. Imagens aéreas revelam o avanço do desmatamento, queimadas e expansão pecuária dentro dos Territórios Indígenas no estado do Maranhão, na Amazônia. Em novembro de 2020, o Greenpeace sobrevoou os territórios acompanhado das lideranças indígenas locais. Crédito: Victor Moriyama / Greenpeace

 Desmatamento Avança na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará. Imagens aéreas revelam o avanço do desmatamento, queimadas e expansão pecuária dentro dos Territórios Indígenas nos estados do Maranhão e Pará, na Amazônia. Em novembro de 2020, o Greenpeace sobrevoou os territórios acompanhado das lideranças indígenas locais. Crédito: Victor Moriyama / Greenpeace

Projeto Mentira Tem Preço

Essa reportagem faz parte do projeto Mentira Tem Preço - especial de eleições, realizado pelo InfoAmazonia em parceria com a produtora Fala. A iniciativa é parte do Consórcio de Organizações da Sociedade Civil, Agências de Checagem e de Jornalismo Independente para o Combate à Desinformação Socioambiental. Também integram a iniciativa o Observatório do Clima (Fakebook), O Eco, A Pública, Repórter Brasil e Aos Fatos.

Como é feito o monitoramento? O projeto Mentira Tem Preço, realizado desde 2021 monitora e investiga desinformação socioambiental. Nas eleições de 2022, foram checados diariamente os discursos no horário eleitoral de todos os candidatos a governador na Amazônia Legal. Também foram monitoradas palavras-chave relacionadas à justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagens e em plataformas.