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Cultura

Foto: Divulgação Poeta e jornalista Gilson Cavalcante Poeta e jornalista Gilson Cavalcante
  • Capa - Bordado da Urtiga

O Bordado da Urtiga, quinto livro de poesias do jornalista e poeta Gilson Cavalcante, será lançado neste domingo, dia 10, no Salão do Livro, a partir da 10 horas, no Café Literário. A nova obra do poeta foi vencedora da Bolsa Maximiano da Matta Teixeira de 2008, da Fundação Cultural do Estado.

Para o poeta, crítico e jornalista Carlos Willian Leite, na apresentação de O Bordado da Urtiga, Gilson Cavalcante é um poeta que escreve com as vísceras, dando socos e pontapés, desierarquizando os mitos, revelando matizes e cores de sua perplexidade existencial. Um poeta pronto. Desses que nascem poucos em cada geração. E cita E.H. Gombrich para falar da importância dessa obra. “O verdadeiro artista é o que dialoga com sua obra, o impostor dialoga com seu público".

“Gilson Cavalcante é um transgressor incestuoso da linguagem. Sua ausência de linhas de força mestras faz uma espécie de réplica ao poeticamente correto”, acentua Carlos Willian, para sustentar que o terreno denso de sua poesia são os múltiplos fragmentos que configuram a poética do desencanto: revisitas, embates amorosos, o peso dos dias, a iminência da morte — porém sem nenhum adestramento técnico. No limite entre arte e vida cotidiana. Nem cult, nem ligth. Feito de sinceridade bruta. Viver é agüentar o sangramento de forma estóica.

Sangrar é próprio

de quem adivinha lâminas.

Sangrar no próximo

é acender amoras

em lantejoulas e jogá-las

nos olhos de quem chora.

0X0X0X0X0X0X0X

Um anjo me soprou no ouvido

que as coisas líquidas são

mais fáceis de serem engolidas.

Só me esqueceu de dizer

como lidar com a ausência

e o seu calendário pontiagudo.

No poema, a língua não é apenas um sistema orgânico do qual lançamos mão para nos expressar e comunicar. Nele, a língua apresenta-se como um ser vivo. Há mutações e transformações. No prólogo de seu Critique et Clinique, Deleuze, sobre uma fala de Proust — de que "os belos livros estão escritos numa espécie de língua estrangeira", adverte: "o problema de escrever é também inseparável de um problema de ver e de ouvir. Com efeito, quando se cria uma outra língua no interior da língua, a linguagem inteira tende para um limite assintático, agramatical, ou que se comunica com seu próprio fora. O limite não se está fora da linguagem, ele é o seu fora: é feito de visões e audições não-linguageiras, mas que só a linguagem torna possíveis. Por isso há uma pintura e uma música próprias da escrita, como efeitos de cores e de sonoridades que se elevam em cima das palavras. É através das palavras, que se vê e ouve".

E é exatamente essa sensação que temos ao ler O Bordado da Urtiga. As formas, as cores e as sensações, parecem manifestar e se elevar acima das palavras. Os poemas do livro têm eixos independentes, reverberações, ecos, porém, de alguma forma se interligam.

Escorrem pelos galhos

pássaros enferrujados.

Há um timbre de acácia

ardendo nos sinos da tarde.

Nessa tarde de março,

não sou eu,

não sou ninguém.

Sou o ser na clausura

da dor e dela sendo refém.

Gilson Cavalcante não dialoga com o leitor. Dialoga com sua poesia. Não como um experimento laboratorial, próximo ao surto de erudição. Mas o faz com a intensidade de quem escreve para si mesmo. Se lixando. Com volúpia ferina. Sabendo que a superfície enigmática do papel é a um só tempo: exílio, solidão, certeza e nada mais. Cada palavra parece sangrar e cada signo tem o peso dos dias vividos.

Permeiam-se, contemporaneamente, das implicações globais de integração e estranhamento do homem em seu meio. Sua inventividade não tem a estética dos cosméticos — tão comum na era dos bytes. Ao contrário: é deliciosamente sórdida e traz um conjunto de signos uno e significativos, com dicções alternativas que não necessariamente rompem, mas renovam, redinamizam o que já foi fartamente dito ou timidamente gaguejado.

O resultado é um livro denso, impactante, raro. Só para os raros. Nele a palavra não é um mero objeto de expressão emocional. É autônoma, e, sobretudo, indomável.

Um colecionador de chaves

adula fechaduras;

não lhe importam segredos.

O amolador de facas

aponta estacas

nos limites da falha.

Obras publicadas pelo autor:

- 69 Poemas - Dos Lençóis e da Carne (1983 - poesia), em parceria com Hélverton Baiano.

- Lâmpadas ao Abismo (1992 - poesia)

- Ré/Inventário da Paisagem (1995 – poesia)

- Poemas da Margem Esquerda do Rio de Dentro (2002 - poesia) – Menção Honrosa Especial do Júri do Concurso Literário Nacional PRÊMIO CIDADE DE JUIZ DE FORA, em 2001.

O poeta foi detentor de várias premiações literárias em Goiás, Tocantins e outras regiões do País.