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Opinião

A partir da década de 1970, o norte de Goiás, o Sul do Pará e o estado de Mato Grosso foram definitivamente incorporados à dinâmica da expansão capitalista de maneira intensa e inexorável, tendo a produção de grãos grande destaque neste contexto. A colonização privada, a construção de grandes rodovias e de outras obras de infra-estrutura passaram a ser as bases para uma agricultura capitalista, passaram a ser sinônimo de progresso, desenvolvimento e integração nacional.

Diversas estradas foram planejadas e executadas tendo um papel importantíssimo na atração de capitais, migrantes e surgimento de cidades, que foram fundadas com a ocupação agrícola, voltada basicamente para a dinâmica de exportação, principalmente de grãos como o arroz e a soja.

Estradas como a Trasamazônica, a BR-163 (Cuiabá a Santarém); a BR-153 (Belém a Brasília) foram construídas gerando grande degradação ambiental, seja na destruição dos ecossistemas de cerrado ou das florestas de transição ou também com impactos negativos desta inserção econômica no âmbito social, cultural em comunidades tradicionais da área de influência dessas rodovias. Contudo, outras rodovias e infra-estrutura na área de transporte permaneceram planejadas para serem construídas como parte integrante de uma grande rede de transporte multimodal (Rodovias, Hidrovias, Ferrovias), que tem por objetivo final estimular o agronegócio brasileiro, a exportação de produtos primários, o barateamento dessas exportações e a competitividade internacional do Brasil no mercado mundial.

Uma das rodovias planejadas e construída em partes no MT, TO e BA foi a BR-242 obra idealizada ainda no governo Juscelino Kubitschek e iniciada durante a Ditadura Militar através do Plano Nacional de Viação, através da Lei 5.917, de 10/09/1973, que previa a construção da BR-242 ligando o porto de Salvador na Bahia a BR-163 (MT). A BR-242 teria uma extensão total de 2.115 km, assim composta: Bahia, com 953 km, Goiás (hoje Tocantins), com 500,3 km e Mato Grosso, com 557,3 km (incluindo a travessia da Ilha do Bananal);

O Projeto original da rodovia BR-242, ao propor o cruzamento da Ilha do Bananal teria dois trechos principais: o trecho conhecido como Transbananal, ligando São Félix do Araguaia (MT) a Formoso do Araguaia (To), atravessando o Território Indígena do Parque do Araguaia e o Território Indígena Inãwébohona e o trecho chamado de Transaraguaia, antigo nome da Go-262, ligando Santa Teresinha (MT) à Lagoa da Confusão, também atravessando o Parque Nacional do Araguaia e o território indígena.

Segundo previsão do Projeto da Rodovia BR-242 a construção dos dois trechos permitiria a abertura de novas Fronteiras Agrícolas e Turísticas, reduzindo os custos de produção agrícola, aliviando o tráfico na malha rodoviária Sul-Sudeste. De acordo com o Plano, isso abriria possibilidade de um novo corredor de exportação com redução de cerca de 1.100 km, em relação aos tradicionais corredores em direção aos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR).

A crise econômica brasileira iniciada em meados dos anos 70 impediu o avanço total do traçado da rodovia federal BR-242, embora no início dos anos 80 o Ministério dos Transportes a mantivesse no Plano Rodoviário Nacional, apesar de posicionamento contrário do IBDF e depois IBAMA. Em 1982 o Ministério do Interior, através da SUDECO, atendendo uma Exposição de Motivos Interministerial, concedeu autorização para a construção da estrada estadual Go-262 (Transaraguaia) e em 1984 a construção da Estrada Transaraguaia foi iniciada, sendo totalmente piqueteada e 25 km construídos. Entretanto, depois da reação dos povos indígenas da Ilha do Bananal e protestos de representantes do IBDF (antigo IBAMA) a construção foi paralisada.

Do início dos anos 80, até o final da década de 90, o processo de licenciamento referente ao trecho que corta a Ilha do Bananal foi arquivado, enquanto do Mato Grosso à Bahia vários trechos da rodovia federal BR-242 eram asfaltados e consolidados. A partir do início dos anos 2.000, com o avanço dos interesses econômicos de grupos exportadores, do projeto neoliberal no Brasil e a insistência dos produtores agrícolas, principalmente de MT, PA, GO, BA e TO voltou à tona a travessia do Araguaia via Ilha. E atualmente os interesses econômicos e eleitorais de alguns setores políticos fez aumentar as articulações em prol da Transbananal e Transaraguaia. Agora para facilitar a ligação da Bahia (São Roque) para exportar produtos nacionais prioritariamente para os EUA e Europa.

Mesmo sem base legal na Lei Ambiental e Constitucional, no que diz respeito às Terras Indígenas, a construção da Transbananal vem sendo tramada nos gabinetes e na ação efetiva de alguns grupos políticos e econômicos. Várias articulações vêm sendo feitas para se alcançar e superar as etapas do processo de licenciamento ambiental, necessário para a continuidade da construção dessa rodovia. O deputado Federal Vicentinho Alves (PR-TO), aliado de Lula é o presidente de uma Comissão Pró-Transbananal, que além de diversos prefeitos da região conta com apoio dos senadores João Ribeiro (PR-TO) e Kátia Abreu (DEM-TO).

Hoje há blocos de prefeitos, principalmente no Mato Grosso e Tocantins que defendem o traçado original da rodovia, argumentando que o desvio do percurso pode gerar mais despesas e atrasos na construção da obra. Muitos chegam mesmo a dizer que os principais beneficiários das obras serão os povos indígenas com o recebimento de recursos provenientes de pedágios e acesso de turistas. E embora oficialmente a construção da rodovia não esteja contemplada no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o mais preocupante é que o Governo Lula já demonstrou interesse em orçar os valores iniciais de construção das obras de engenharia para serem liberados, após a conclusão dos estudos técnicos.

Na verdade esse "Grande Projeto" fere o direito dos povos indígenas à integridade de seu território e pode causar danos ambientais, sociais e culturais irreparáveis apenas para assegurar o objetivo de transportar a produção de produtos primários exportáveis por poucos produtores. Por isso, é preciso perguntar: Transbananal progresso para quem? Desenvolvimento a que custo ambiental e social? Quem se beneficiará realmente?

Além de atingir frontalmente os povos indígenas a construção dessa estrada no meio da ilha do Bananal pode atingir também agricultores familiares, expulsos pelo "avanço" dos produtos exportáveis, pescadores e população ribeirinha, populações das cidades próximas, por causa da superpopulação (tendo como conseqüência o agravamento das políticas públicas, fome, miséria, violência, prostituição, etc), comerciantes locais, que sofrerão com o aumento de certas atividades comerciais (lícitas e ilícitas), com a diminuição dos clientes tradicionais, por causa da maior concentração fundiária e da monocultura.

É justo, democrático e aceitável que todo o passivo ambiental, social e econômico, inclusive os problemas com as desapropriações, fique para a população local, enquanto o lucro e a renda com a exportação de grãos, carne, agrocombustíveis e outros produtos primários exportáveis fique apenas nas mãos do agronegócio?

Um dos grandes problemas que a região amazônica enfrenta reside exatamente no fato dela ser agente passiva de um modelo de desenvolvimento imposto por grupos de decisão que não consideram suas especificidades, ou seja, por indivíduos integrantes tanto do poder público quanto da esfera privada localizados, na maior parte das vezes, em outras regiões brasileiras ou, então, em outros países.

Para um governo que considera o meio ambiente e os índios como "um entrave ao desenvolvimento e, consequentemente, um obstáculo a ser superado" para garantir a implementação do seu PAC, é preciso dizer que um aval a construção da BR-242, Transbananal, é um aval ao genocídio ambiental, econômico social e cultural de diversas populações tradicionais, habitualmente abandonadas, desassistidas e usadas como "bucha de canhão" para assegurar os objetivos de integração nacional, de expansão da fronteira agrícola e de exploração dos imensos recursos naturais da Região Amazônica.

 

Professor Paulo Henrique Costa Mattos

UNIRG – Faculdade de Ciências Humanas e Letras de Gurupi

phcmattos@ibest.com.br