À primeira vista, a Philcoxia minensis parece uma planta delicada, com pequenas flores roxas, galhos finos e aproximadamente 20 centímetros de altura. Mas, sob a areia branca da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, ela esconde um segredo: folhas grudentas, do tamanho da cabeça de um alfinete, que atraem, capturam e digerem vermes incautos.
A descoberta foi descrita na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) por pesquisadores brasileiros, americanos e australianos. É resultado do projeto de iniciação científica "Absorção foliar de nutrientes de presas como teste de carnivoria em Philcoxia minensis p. Taylor & v. c. SOUZA (Plantaginaceae)", desenvolvido pelo estudante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Caio Pereira, com bolsa da Fapesp.
A hipótese de que a P. minensis seria uma planta carnívora foi levantada pela primeira vez em 2007 pelo botânico Peter Fritsch, da California Academy of Sciences, nos Estados Unidos.
“Fritsch verificou a presença de glândulas colantes nas folhas e um grande número de vermes nematoides aderidos às superfícies foliares. Teve, portanto, uma contribuição-chave para o desenvolvimento teórico do trabalho”, afirmou Rafael Oliveira, coordenador do estudo feito na Unicamp, à Agência Fapesp.
O norte-americano, no entanto, não havia conseguido provar que a P. minensis era capaz de digerir suas presas, condição obrigatória para que uma planta seja considerada carnívora.
Para testar a teoria, a equipe de Oliveira criou uma colônia de bactérias marcadas com isótopos de nitrogênio. Essas bactérias foram oferecidas como alimento aos vermes, que por sua vez foram oferecidos à planta.
Ao analisar as folhas após o experimento, os cientistas detectaram a presença dos isótopos de nitrogênio, indício de que a planta havia de fato digerido os nematoides e absorvido seus nutrientes.
“Além disso, detectamos na superfície das folhas a presença de fosfatases, enzimas que podem digerir os nematoides”, contou Oliveira. Isso reforçou a hipótese de que a planta faz todo o trabalho sozinha, sem necessitar de fungos e outros microrganismos para processar suas presas.
Segundo o pesquisador, essa estratégia de captura é única entre as plantas carnívoras e surgiu, provavelmente, graças a uma combinação de fatores. “A Philcoxia ocorre sobre solos de areia muito branca, pobre em nutrientes, mas com abundância de nematoides”, contou Oliveira.
Além disso, acrescentou, as partículas de areia são translúcidas. Isso possibilita à planta realizar fotossíntese mesmo com as folhas embaixo da terra.
“A radiação solar e a temperatura do ar nesse hábitat são muito altas. Já a disponibilidade de água é baixa. Essas condições extremas dificultam a sobrevivência da maioria das plantas, mas podem ter favorecido a seleção desse hábito peculiar da Philcoxia – o posicionamento subterrâneo de folhas”, disse.
Além da P. minensis, outras duas espécies compõem o gênero Philcoxia: a P. bahiensis e a P. goiasensis. Todas crescem apenas no Cerrado brasileiro.
“A pesquisa foi feita apenas com P. minensis, mas a descoberta deve valer para as duas outras espécies, pois elas compartilham as mesmas características”, afirmou Oliveira.
Até então, ressaltaram os cientistas no artigo, não havia evidências de carnivorismo na família Plantaginaceae, à qual pertence a Philcoxia e outras 2 mil espécies.
Custo-benefício
As plantas carnívoras correspondem a 0,2% das angiospermas e geralmente estão restritas a locais com muita luz e pouco nutriente. No Brasil, o maior número de espécies conhecidas está no Cerrado.
Os insetos são o prato preferido, mas também fazem parte do cardápio organismos aquáticos microscópicos, protozoários e até vertebrados. “Há um estudo recente mostrando que uma espécie de Nepenthes asiática pode digerir pequenos ratos”, contou Oliveira.
O artigo da PNAS é o primeiro a incluir os vermes nematoides entre as vítimas. “Essas plantas têm mecanismos para atrair e digerir pequenos animais e pelo menos parte dos nutrientes necessários para sua sobrevivência é obtida dessas presas.”
O modelo teórico predominante, descrevem os cientistas no artigo, propõe que somente em condições extremas o custo de produção e manutenção de estruturas relacionadas ao carnivorismo compensaria. “As folhas geralmente são órgãos fotossintetizantes. Mas, nas plantas carnívoras, elas também funcionam como armadilhas. Essa dupla função diminui a capacidade fotossintética. Por isso, de acordo com esse modelo teórico, somente em condições de baixa disponibilidade de nutrientes e alta radiação o carnivorismo confere benefício energético às plantas”, explicou o pesquisador.
Mas ao contrário da maioria das plantas carnívoras, acrescentou Oliveira, a Philcoxia apresenta altas concentrações de nutrientes em suas folhas. Isso sugere que ela é bastante eficiente para realizar a fotossíntese.
“É um dos poucos casos conhecidos na literatura que dá suporte a uma das duas vantagens energéticas do carnivorismo: um possível aumento das taxas fotossintéticas devido ao aumento da concentração de nutrientes em suas folhas.”
O artigo Underground leaves of Philcoxia trap and digest nematodes, de Rafael Oliveira e outros, pode ser lido por assinantes da PNAS em http://www.pnas.org/content/early/2012/01/04/1114199109. (Agência Fapesp)