Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Estado

Foto: Tharson Lopes

Foto: Tharson Lopes

A 287 km da capital Palmas, na Comunidade Quilombola do Prata, no município de São Félix do Tocantins, vive dona Osirene Sousa, de 44 anos, professora da Escola Municipal Miguel Rodrigues e Sousa. Dona Osirene é uma das valentes mulheres tocantinenses quilombolas que fazem a história do Tocantins mais forte. Ela é a primeira personagem da série de reportagens Mulheres do Tocantins, em referência ao mês das mulheres.

Nascida na comunidade, dona Osirene viveu até os seus 15 anos de idade no Prata. A partir daí, estimulada por sua mãe, foi para a Palmas para concluir os seus estudos. “Nasci aqui e vivi até os meus 15 anos e como o estudo era pouco, minha mãe me colocou para estudar em Palmas, onde fiquei até terminar o magistério. Depois disso, voltei para cá, quando surgiu uma vaga de professor aqui na comunidade e eu quis voltar”, conta.

Por causa dessa decisão de retornar à sua comunidade, dona Osirene tem ajudado membros da comunidade em diversas frentes, dentre elas, inscrições em vestibulares e concursos, algo que parece simples, mas que tem mudado a vida dos jovens da região. “Eu sempre gosto de ajudar, quando as pessoas me procuram, eu tenho um pouco mais de facilidade para usar um computador, fazer inscrição de alguém para um vestibular ou concurso. Eu fui presidente da associação por dois anos, daí eu sempre estou à disposição quando as pessoas me procuram, eu sempre estou ali para ajudar. Eu fico feliz em fazer a diferença para as pessoas da comunidade”, ressalta.

O papel da Associação

Dona Osirene também atuou como presidente da Associação dos Extrativistas e Artesãos do Povoado do Prata. Ela relembra sobre os ganhos que tiveram e reforça que as mulheres sempre se destacaram nas atividades dentro da comunidade que promovam o bem-estar de todos. “Uma conquista que tivemos foi os jovens poderem ingressar na universidade. Se nós não tivéssemos uma associação, isso dificultaria, pois precisa do registro dele, como membro da comunidade quilombola. Além disso, nós conseguimos um prédio para a Associação por meio de projetos e temos um local para colocar as peças de artesanato e também estimulamos a agricultura familiar”, destaca.

A professora acredita que os homens da comunidade preferem ter as mulheres na liderança devido ao perfil conciliador. “Eu acho que os homens pensam que as mulheres têm mais domínio para lidar com as pessoas, as mulheres se destacam mais, eu já tive pensando a respeito disso, as mulheres realmente têm mais facilidade para lidar com as pessoas. Eles têm capacidade para ser presidente, mas acham que não conseguem por causa de suas outras funções. Acham que a mulher, sendo como presidente, consegue cuidar melhor”, afirma.

Sobre lidar com diversas funções ao mesmo tempo, dona Osirene salienta que é preciso se virar nos 30. “Na verdade, as mulheres aqui têm que se virar nos 30, têm que dar conta das suas atribuições dentro e fora da casa, no seu serviço e como dona de casa, a gente não fica livre dessas atividades não. Eu acho que nós mulheres quilombolas não temos muita diferença das mulheres da cidade, a gente também ocupa todos os lugares. A gente consegue mexer melhor do que os homens. Quando eu era presidente da Associação, eu tinha que dar conta da Associação, da escola e de casa. E, às vezes, o homem não quer nem saber, quer as coisas e pronto, às vezes se dão um apoio é muito mínimo. A mulher aqui assume todas as funções, os homens estão mais para a roça, cuidam do gado, essas coisas, do serviço mais pesado mesmo, mas as outras funções são das mulheres, é a gente que cuida de casa, do serviço de fora, dos filhos, a gente tem que dar conta de tudo”, ressalta.

Educação Quilombola

Para o futuro, o próximo desafio da dona Osirene é implantar a educação quilombola escolar na sua comunidade. O Ministério da Educação tem as diretrizes curriculares nacionais que asseguram o ensino de saberes tradicionais no ensino regular em escolas de comunidades tradicionais, extremamente importante para a preservação dos saberes e dos fazeres tradicionais. “É um trabalho que vem engatinhando, porque a escola quilombola tem que ser diferenciada. Mas isso aqui ainda não está sendo bem trabalhado, isso não depende só da gente, é todo um processo do sistema educacional, eu estou tentando ver se eu consigo trazer esse modelo de ensinar da educação escolar quilombola”, destacou.

A professora reforça ainda que é importante sensibilizar a comunidade. “Temos que levar os mais velhos para as escolas para ensinar os saberes e os fazeres, não deixar morrer a cultura, porque se os mais velhos não passarem vai ficar esquecida. Com a tecnologia mudou muita coisa, a criança não quer saber de brincar, só quer saber de celular. Eu vejo que a nossa educação hoje não tem nada a ver conosco, com a nossa cultura, fazeres e saberes, e eu estou trabalhando para que isso seja inserido. Agora, a missão é sensibilizar os demais, porque uma andorinha sozinha não faz verão, mas a gente futuca de tiquim em tiquim e uma hora a gente chega lá”, finaliza dona Osirene, com a convicção de quem não desiste.