Nesta segunda-feira, 20, o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei 12.288/2010, completa cinco anos. Casos recentes de preconceito racial, como o de Kaillane Campos, de 11 anos, que levou uma pedrada na cabeça, no Rio de Janeiro, depois de sair de um culto de candomblé, e o da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, que recebeu ofensas na internet, mostram que o país da miscigenação ainda não venceu esse tipo de discriminação.
No Tocantins o desafio ainda é gritante na implementação de políticas de reparação social e principalmente com relação às denuncias e punição. " Existe a subnotificação do crime de racismo e faltam delegacias especializadas para apurar esse tipo de crime", avaliou o historiador Lucas Nogueira. Outro aspecto é a violência contra os jovens negros. Neste sábado, 19, um grupo se reuniu em frente ao Tribunal de Justiça- TJ e manifestaram contra o que chamam de "genocídio da juventude negra".
A manifestação foi também em razão da condenação de dois membros do movimento em razão de uma manifestação ocorrida em frente à Assembleia Legislativa. Os movimentos negros do Estado realizam várias mobilizações e debates para fazer o agendamento do assunto na sociedade e na mídia além disso Estado e alguns municípios, como Palmas e Paranã, por exemplo, buscam constituir cada vez mais organismos institucionais para implantação das políticas de igualdade racial à nível local.
O Tocantins tem mais de 70% da população negra e 38 comunidades quilombolas reconhecidas. O gerente de Políticas de Igualdade Racial da Secretaria de Defesa Social do Estado, historiador André Luiz Gomes avaliou ao Conexão Tocantins que o Estado tem avançado e priorizado a questão. " Estamos mobilizando os municípios, dando total atenção e diálogo com as comunidades quilombolas e com certeza buscando mecanismos institucionais para a promoção da Igualdade Racial", disse.
"Quanto mais se nega a existência do racismo no Brasil, mais esse racismo se propaga", destacou a ministra da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), Nilma Lino Gomes. Em entrevista a ministra avaliou o cenário da busca pela igualdade racial no país. Para ela, entre os principais avanços estão as cotas em concursos públicos e a política voltada ao atendimento de saúde da população negra.
Veja a íntegra da entrevista da ministra:
Agência Brasil: De que forma o racismo se manifesta no Brasil?
Nilma Gomes:
O racismo brasileiro tem uma peculiaridade: a ambiguidade. É um
fenômeno que se afirma através da sua própria negação. Quanto mais se
nega a existência do racismo no Brasil, mais esse racismo se propaga. E
essa é uma característica que nos desafia muito a superá-lo e a
desvelá-lo. Conhecer e reconhecer essa característica do racismo
brasileiro já são avanços, porque antes compreendia-se muito mal o que
era o racismo no Brasil.
Agência Brasil: Diante desse cenário, o que o Estatuto da Igualdade Racial representa hoje?
Nilma:
O estatuto representa hoje para o Brasil uma conquista e é uma
conquista que foi organizada, demandada pelos movimentos sociais, em
particular, o movimento negro. Passou por um processo de uma grande
discussão no Congresso Nacional, foi ratificado pelo governo federal e
efetivamente hoje podemos falar que temos, além da Constituição Federal,
uma lei nacional que garante direito à população negra brasileira.
Agência Brasil:
Um dos mecanismos previstos no estatuto é o de uma ouvidoria para
receber as denúncias de preconceito. Como o órgão tem funcionado? No ano
passado, o governo anunciou a criação do Disque Igualdade Racial, o
138. Como está a implementação da medida?
Nilma:
Nossa Ouvidoria tem recebido ao longo do tempo um aumento significativo
das denúncias. Ela foi criada em 2011. No primeiro ano, temos
registradas 219 denúncias e essas denúncias foram crescendo ano a ano.
Em 2015, apenas no primeiro semestre, já superamos o número de denúncias
do primeiro ano, temos até agora mais de 270 denúncias. Mas essa
questão no Brasil ainda tem que avançar muito, ainda temos um histórico
de subnotificação dos crimes raciais. Nem sempre as pessoas formalizam
denúncias e temos todo um processo na Ouvidoria da Seppir que é de
registrar os casos, acompanhá-los e encaminhá-los para os órgãos e
instituições responsáveis. O Disque Igualdade Racial está
ainda na fase de estudos técnicos. Ele ainda não foi lançado, porque
queremos lançá-lo de maneira bem completa, para que funcione de fato
como uma ferramenta de combate ao racismo.
Agência Brasil: Quais foram as conquistas alcançadas a partir do estatuto?
Nilma:
O Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o Sinapir, que está
previsto no estatuto, é muito importante porque é a atuação do governo
federal nos estados, Distrito Federal e municípios. Estamos exatamente
neste momento na Seppir construindo a adesão voluntária ao Sinapir. Mais
um avanço é a própria política de cotas nos concursos públicos, a Lei
12.990/2014, que já está em vigor. Já temos concursos sendo realizados, e
essa legislação vai, a médio e longo prazo, nos possibilitar ter o
perfil da realidade étnico-racial brasileira nos cargos públicos. Outra
ação importante é a Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra, no Ministério da Saúde, que vem se desenvolvendo ao longo dos
anos com a participação dos movimentos sociais e da Seppir, como um dos
articuladores.
Agência Brasil: As cotas no
serviço público esbarram em alguns problemas. Muitos concursos oferecem
apenas uma vaga, a reserva de 20% das vagas prevista na lei passa a
valer a partir de três vagas, entre outras questões. A Seppir pretende
agir de alguma forma para regulamentar a lei?
Nilma:
A lei é autoaplicável. O que a Seppir tem discutido com outros
ministérios e também com estados que implementaram as leis baseadas na
lei federal é algum tipo de orientação para a implementação da
legislação. Isso talvez nós façamos por meio de uma portaria, que ainda
está em construção. Estamos ouvindo o que a sociedade civil tem nos
falado. Estamos em discussão com o Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão. Ainda não dá para adiantar. Queremos ter essa portaria ainda
este ano.
Agência Brasil: Está também no estatuto a garantia da liberdade religiosa. A população negra é que mais sofre com a intolerância religiosa.
Nilma:
A violência religiosa tem nos preocupado muito e não só a Seppir, mas o
governo federal como um todo. O que temos feito, além das denúncias que
são apresentadas à nossa Ouvidoria, é ouvir os segmentos, os movimentos
sociais. Estamos neste momento pensando em uma ação mais global do
governo para podermos trabalhar em uma conscientização da população para
uma superação da violência e inclusive na informação para as vítimas de
quais são os caminhos jurídicos que podem seguir quando sofrerem essa
violência.
Agência Brasil: Alguns movimentos
pedem reforma do estatuto. O argumento é que, na tramitação, trechos
importantes foram retirados. A Seppir pretende propor alguma mudança?
Nilma: Não
está na pauta da Seppir, no atual momento, fazer alguma alteração no
Estatuto da Igualdade Racial. Eu acho que o processo pelo qual o
estatuto passou é um processo que existe na sociedade democrática de
negociação e conflito. O estatuto passou por mudanças, mas essas
mudanças de forma alguma invalidaram o teor e o alcance dele.