Um jogador de futebol de Brasília que foi atuar no Atlético Cajazeirense de Desportos, na Paraíba, teve reconhecidos pela Justiça do Trabalho o vínculo de emprego com o clube e o direito a receber cláusula compensatória desportiva, por conta de sua dispensa imotivada antes do término do contrato, além de salários atrasados. O juiz Marcos Ulhoa Dani, em exercício na 6ª Vara do Trabalho de Brasília, que assinou a sentença, ainda reconheceu o caráter salarial da moradia oferecida pelo time.
O atleta diz, na reclamação trabalhista, que assinou contrato com o Cajazeirense pelo período de dezembro de 2014 a janeiro de 2017, com salário de R$ 4 mil, mas que em maio de 2015, diante da desclassificação do time no campeonato regional, foi informado que deveria voltar para casa, em Brasília, para desonerar o clube da moradia e alimentação. Sem salários desde março, segundo ele, o clube comunicou, em agosto, que iria realizar sua rescisão contratual.
Na rescisão, ele diz que constava como motivo da saída do clube “comum acordo”. Ao questionar o Cajazeirense, soube que aquele seria um documento que já vinha pronto da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e que, se não assinasse, não poderia jogar em outro time. O jogador diz que assinou, mas que não recebeu qualquer valor do clube. O atleta requereu o reconhecimento do vínculo de emprego com o clube, entre dezembro de 2014 e agosto de 2015, e ainda o pagamento dos salários que deixaram de ser pagos a partir de março de 2015. Pediu, ainda, que a moradia e a alimentação oferecidas pelo Cajazeiras fossem reconhecidos como salário “in natura”.
Citado para comparecer à audiência inicial, o clube não se fez presente, sendo considerado revel no caso, sendo aplicada a pena de confissão quanto à matéria de fato colocada nos autos.
Vínculo
Em sua decisão, o juiz reconheceu, inicialmente, diante dos documentos juntados, a existência de vínculo de emprego entre as partes, mas considerou nulo o termo de rescisão, uma vez que não houve o citado “comum acordo”. Diante da revelia do clube, o magistrado considerou que houve a alegada coação para que o atleta assinasse o termo, com a ameaça de que a ausência da assinatura impediria o atleta de atuar por outro time. “A coação existiu e foi relevante para a assinatura do reclamante no documento, pois, caso contrário, não poderia atuar por outro clube e, por consequência, ficaria sem os seus rendimentos da profissão”. Com base no depoimento do atleta, o magistrado afirmou que a data final do contrato se deu em maio de 2015, quando ele foi dispensado pelo time. Assim, o magistrado considerou que houve vínculo entre as partes de 15 de dezembro de 2014 a 14 de maio de 2015, sendo a dispensa sem justa causa.
Também por conta da confissão ficta do Cajazeirense, a quem caberia fazer prova dos pagamentos, o magistrado considerou verdadeira a afirmação de que o jogador ficou sem receber os salários a partir de março de 2015.
Com esses argumentos, o magistrado condenou o clube a assinar a carteira de trabalho do atleta, com as anotações devidas de acordo com a decisão judicial, e a pagar os salários atrasados desde março, saldo de salário de maio de 2015, 13º salários proporcionais de 2014 e 2015, férias proporcionais com o terço constitucional, além de FGTS com a multa de 40%.
Cláusula compensatória desportiva
O contrato inicialmente pactuado como o atleta previa duração até janeiro de 2017, mas foi rescindo antes desse prazo. Nesse ponto, o magistrado lembrou que a Lei 12.395/2011 criou cláusulas compensatórias desportivas. No caso concreto, como houve dispensa imotivada do atleta, disse o juiz, incide o que determina o parágrafo 5º (inciso V) do artigo 28 da Lei Pelé, sendo devido o pagamento da citada cláusula. Como no contrato não foi fixado o valor da cláusula, como determina a lei, o juiz fixou o valor mínimo permitido por lei, no mesmo valor do salário pago ao atleta. Assim, o clube deve pagar indenização referente aos salários mensais que seriam devidos até janeiro de 2017.
Salário in natura
A jurisprudência entende que a caracterização de parcelas como salário “in natura” deve ser feita com base na indispensabilidade dessas parcelas para a realização do trabalho, explicou o magistrado em sua sentença. Se o benefício for fornecido para a consecução do trabalho, não tem caráter de salário. Se for concedido pela consecução do trabalho, aí sim pode ser considerada parcela salarial, explicou.
No caso da habitação, disse o magistrado, consta dos autos que o jogador, que mora em Brasília, foi jogar no time paraibano. Diante das diversas possibilidades de moradia que existem na cidade sede do clube, o juiz disse entender que o jogador recebia moradia pelo trabalho prestado ao Cajazeirense, uma vez que, se não tivesse esse benefício, poderia alugar um imóvel na cidade. A moradia não foi um fator indispensável para possibilitar o trabalho, mas era oferecida pelo trabalho do jogador, salientou. Assim, ao reconhecer a moradia como salário “in natura”, o magistrado fixou seu valor em R$ 1 mil/mês, devendo refletir esse valor na base de cálculo de férias, décimo terceiro e FGTS com a multa de 40%.
Já a alimentação, frisou o juiz, não deve ser considerada como salário “in natura”. A alimentação oferecida pelo clube desportivo, como consta dos autos, tinha clara intenção de prover um meio necessário para a boa prestação do serviço do jogador, “haja vista que, indiscutivelmente, o labor de atleta profissional de futebol demanda uma boa condição física do jogador, o que implica em alimentação regular e sadia”. A alimentação, no caso, é um instrumento indispensável para a boa prestação laboral, e não uma benesse oferecida com o intuito de retribuir o trabalho prestado. Ficou claro para o magistrado que ao oferecer três refeições diárias em seu refeitório, o clube buscava que o jogador melhorasse seu rendimento em campo, com o objetivo de alcançar melhores resultados para a equipe.
Processo nº 0000017-58.2016.5.10.0006 (PJe)