O Ministério Público Estadual (MPE), por meio da 8ª Promotoria de Justiça de Gurupi, ajuizou nesta última quinta-feira, 11, Ação Civil Pública (ACP) por ato de improbidade contra 17 pessoas por supostas irregularidades na contratação de serviços de locação de veículos e aquisição de combustíveis para a Câmara Municipal de Gurupi. Entre os acusados estão 13 vereadores da legislatura passada, sendo 5 vereadores reeleitos.
De acordo com o promotor de Justiça Roberto Freitas Garcia, autor da Ação, um Inquérito Civil Público (ICP) foi instaurado ainda em 2015, visando apurar possíveis irregularidades na contratação desses serviços. Após a conclusão do inquérito, “restou comprovada a prática, pelos requeridos, de diversos atos de improbidade administrativa, que resultaram em enriquecimento ilícito, causaram dano ao erário e ofenderam os princípios da Administração Pública”, constatou Roberto Freitas. Conforme apontado pelo promotor de Justiça, os prejuízos aos cofres públicos somam R$ 1.286,236,26 (um milhão, duzentos e oitenta e seis mil, duzentos e trinta e seis reais e vinte e seis centavos).
A investigação apontou que os recursos desviados eram oriundos da verba de gabinete, criada em 2013 pela Lei Municipal n° 2.099, para custear atividades parlamentares com telefonia, serviços postais, locação de veículos, combustíveis, dentre outros. No entanto, uma resolução da Câmara Municipal de Gurupi, que regulamentou a concessão do benefício no parlamento, não previa a prestação de contas adequada à legislação por ocasião da realização de despesas. Tal fato propiciou aos vereadores fazer uso abusivo dos veículos para fins particulares, além do gasto excessivo de combustível.
Conforme aponta o documento, no período de fevereiro a dezembro de 2015, cada vereador consumiu, em média, 4.257 litros de gasolina. Considerando que o consumo médio (urbano/rodoviário) dos veículos locados é de 10km/l, o total de combustível gasto fora suficiente para que cada um dos vereadores dirigisse por mais de 42.570km, equivalentes a 3.870km por mês. “Mesmo com números tão impressionantes, nenhum deles se dignou a comprovar, perante à Câmara Municipal de Gurupi, através de documentos idôneos, que fizeram uso legítimo e regular dos automóveis”, relata Roberto Freitas na Ação.
Uma das justificativas utilizadas pelos vereadores para o alto consumo de combustível foi a necessidade de deslocamentos contínuos para Palmas a fim de tratar de assuntos pertinentes à atividade parlamentar. Um dos vereadores chegou a apresentar declarações firmadas por servidores públicos que atestavam que ele esteve na Capital, em diversas datas ao longo de 2015, porém, após confrontar os documentos com outros constantes nos autos, ficou comprovado que as declarações eram falsas, uma vez que nas datas em questão o vereador estava em Gurupi.
Para o promotor de Justiça, os veículos foram utilizados para fins particulares, sem observar o interesse público. Roberto Freitas relata na ACP que os veículos não foram caracterizados para dificultar a fiscalização do uso por parte da população e dos órgãos de controle. “O uso privado dos veículos locados era prática comum pelos requeridos e todos eles confessaram, em depoimento prestado nesta promotoria, que os automóveis ficavam sob sua permanente custódia, inclusive pernoitando em suas residências. Além disso, alguns requeridos também afirmaram ter usado os veículos para deslocamentos até farmácias, supermercados, bancos, para transporte de filhos e netos até suas escolas, etc”.
Ilegalidade no procedimento licitatório
Além da utilização indevida dos veículos, durante a investigação, o promotor de Justiça também constatou irregularidades no processo licitatório para a contratação da empresa que realizou a locação dos automóveis à Câmara Municipal de Gurupi. Nesse sentido, o MPE requisitou diversos documentos ao então presidente da Câmara, o vereador Wendel Antônio Gomides, a fim de averiguar a legalidade da contratação. Ao receber os documentos, a promotoria constatou que três dessas proposts haviam sido encomendadas junto a terceiros e produzidas mediante falsidade ideológica para dar aparência de legalidade ao processo.
Conforme estabelecido pela Lei nº 8.666/93, na fase preliminar do procedimento licitatório, o ente público deve proceder a pesquisa de preços junto ao mercado, visando saber o valor médio do bem ou serviço que pretende contratar. No caso da licitação mencionada, a promotoria apurou que apenas um orçamento de locação de veículos foi apresentado no certame, sendo o mesmo referente à Loca+Fácil, empresa que venceu o processo licitatório, e que as demais propostas apresentadas pela Câmara ao MPE haviam sido forjadas.
Para o promotor de Justiça, a consequência prática de ilegalidade tão notória foi a de permitir que a empresa Loca+Fácil fosse declarada vitoriosa no procedimento licitatório, ignorando-se o elevado preço de seus serviços, equivalente a R$ 52.000,00, sendo R$ 4.000,00 por cada um dos veículos locados, ao mês, destoantes da realidade praticada pelas mais renomadas locadoras do mercado”, destaca. Segundo a promotoria, em virtude dos vícios constatados, a licitação não deveria sequer ter sido homologada pelo presidente da Câmara, que incorreu na prática de ato de improbidade administrativa, causando dano ao erário do Poder Legislativo Municipal.
Notas fiscais fraudadas
O alto consumo de combustível também chamou a atenção da Promotoria. Conforme a Ação, o posto Alves e Pison EPP forneceu notas fiscais fraudadas à Câmara de Vereadores, as quais apontaram uma quantidade de abastecimentos muito acima do consumo real, registrando ainda abastecimento de gasolina em veículos movidos a diesel. Além disso, o posto Alves e Pison EPP não especificou, em alguns documentos, informações importantes como a placa do veículo abastecido e o nome do condutor.
Nesse sentido, a promotoria requereu cópias das requisições de abastecimento, no entanto, nem o posto, nem os vereadores, nem a locadora de veículos dispunham dos documentos, o que levou o promotor de Justiça a levantar, junto às concessionárias, o histórico de rodagem dos veículos para que pudesse comparar com as notas fiscais. Ao comparar o histórico de rodagem de alguns veículos com o consumo de combustível documentado nas notas fiscais de abastecimento, restou evidenciada a fraude.
A promotoria levantou o histórico de apenas 5 veículos e constatou prejuízos na ordem de R$ 32.609,70. Pelo fato de a maior parte dos veículos locados ter sido substituída por outros durante a vigência do contrato com a empresa Loca+Fácil, associado à circunstância de que alguns destes automóveis não registraram passagens por concessionárias, por ocasião de revisões programadas, não foi possível quantificar o dano causado ao erário por supostos abusos relacionados ao abastecimento desses veículos.
Fraude e inexecução contratual
Outra irregularidade constatada pelo promotor de Justiça Roberto Freitas foi a utilização de laranjas pelo empresário Lélis Alberto Dias, que teria constituído empresa de locação na véspera do processo licitatório, unicamente com o objetivo de participar do processo. Segundo o promotor de Justiça, o empresário possuía pendências na Receita Federal, e por isso, valeu-se do nome do pai e da madrasta para participar da licitação, o que a promotoria considera como constituição ilegal de empresa.
Segundo apurado, o empresário recebeu onze parcelas do contrato no valor mensal de R$ 52 mil, entre os meses de fevereiro e dezembro de 2015 totalizando R$ 572.000,00. No entanto, as notas fiscais de abastecimento são datadas a partir de maio de 2015, de modo que não existem registros de que os veículos locados foram abastecidos entre os meses de fevereiro a março. Assim, o requerido em questão enriqueceu ilicitamente às custas do erário da Câmara Municipal , por haver recebido R$ 104.000,00, referente as locações de veículos alusivas ao período mencionado, mas não realizadas.
Violação ao princípio da economicidade
Ainda conforme apurado pela 8ª Promotoria de Justiça, durante os mandatos do então presidente da Câmara José Carlos Ribeiro, em 2014, e de Wendel Antônio Gomides, entre 2015 e 2016, os gestores deram preferência pela locação de veículos por preços desvantajosos em vez de adquirir a própria frota da casa de leis, ferindo assim o princípio da economicidade.
Nesse período, os valores gastos com locação (R$ 468.000,00/ R$ 572.000,00/ R$ 509.600,00) seriam mais do que suficientes para que o parlamento tivesse sua própria frota de veículos, incluindo a manutenção dos carros. “Registro aqui que a locação de veículos automotores, pelo Poder Público, somente pode ser considerada prática moderna e eficiente de gestão pública em casos bem específicos, relata o promotor.
Requeridos
São réus na ação, Antônio Jonas Pinheiro Barros, José Henrique Marinho de Oliveira, Gleydson Nato Pereira, Marilis Fernandes Barros Chaves, José Carlos Ribeiro da Silva, Antônio Valdônio Rodrigues Loiola, Erley de Lima Brito, Wanter Barros Vitorino Júnior, Wanda Maria Santana Botelho, Wendel Antônio Gomides, Francisco de Assis Maccedo, Ivanilson da Silva Marinho, Ataídes Pereira Marinho, Alves e Pison LTDA, C.N de Souza-ME, Gilberto Soares de Carvalho-ME e Lelis Alberto Soares Dias.
Dos pedidos
A promotoria requereu à Justiça a indisponibilidade dos bens
dos acusados, que causaram dano ao erário e/ou enriqueceram ilicitamente. Se
condenados, os requeridos terão que ressarcir o prejuízo por eles causado, além
de serem penalizados com a perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos por até dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor
do acréscimo patrimonial indevido ou de até cem vezes o valor da remuneração
percebida pelo agente público e proibição de contratar com o Poder Público e de
receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de até dez
anos.