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Opinião

Anualmente, o período do inverno é marcado por intensas queimadas no interior do Brasil, principalmente sob áreas onde predomina o Cerrado. De acordo com dados do Programa de Monitoramento de Queimadas por satélite do Inpe, o número de focos de incêndio monitorados já atingiu 237.155 em 2017. Esse valor já é superior a todos os focos de incêndio identificados ao longo de todo o ano de 2016, e esse número já se aproxima ao recorde de queimadas que tivemos em nosso país em 2004 (270.295 focos).

Embora as chamas naturais ocorram com frequência, a maior parte dos incêndios verificados no Brasil, são causados pelo homem. Um exemplo disso é o caso da Parque Nacional Chapada dos Veadeiros em Goiás onde, segundo o Ibama, o fogo já consumiu 20% dessa que é uma das Unidades de Conservação mais ricas e belas do nosso Cerrado. Suspeita-se que este incêndio teve início a partir da ação humana.

A lógica para a prática das queimadas é de prejudicar a estrutura da vegetação e favorecer a disseminação de espécies exóticas, com potencial invasor – por exemplo: Urochloa decumbens – capim-brachiária – a fim de tornar a terra mais propensa ao pastoreio do gado, ou até mesmo diminuir o valor ambiental da Terra a fim de possibilitar seu uso para a agricultura.

Sabemos que o aquecimento global potencializa os fenômenos naturais e antrópicos, portanto, as queimadas vão se tornando cada vez mais intensas e difíceis de serem controladas. É o que podemos ver não só no caso de Goiás, mas também em outras partes do mundo, como vimos recentemente na Califórnia e Portugal.

Alguns domínios naturais do Brasil são mais resilientes do que outros. A Amazônia, a Caatinga e Mata Atlântica, por exemplo, são menos resistentes ao fogo do que o Cerrado.

Porém, é preciso ressaltar que a ação do fogo também traz uma série de benefícios à nossa Savana Brasileira. Estudos realizados pelo grupo da Professora Giselda Durigan, do Instituto Florestal de São Paulo, mostram que a passagem do fogo é indispensável para manter a vegetação rasteira.

Para se ter uma ideia, existem 12,097 espécies de plantas no Cerrado. Isso significa que esse é o segundo domínio de vegetação mais rico em espécies em nosso país, perdendo apenas para a Mata Atlântica. 

Boa parte das espécies que existem nessa área ocorre no “chão” da Savana Brasileira e, se o fogo deixar de existir, os arbustos virarão árvores e sombrearão o solo e caso isso acontecer, essas espécies morrerão e se tornarão localmente extintas.

O fogo recorrente que é o real problema da região. Se esse evento acontecer com certa frequência, passaremos a observar o enfraquecimento da estrutura do Cerrado e a deterioração de característica intrínsecas do solo desses ambientes.

É possível distinguir os dois tipos de fogo, uma vez que o provocado pelo homem, possui altas labaredas e um papel destrutivo maior, já o natural é rasteiro.

Outro ponto importante de um serviço ambiental oferecido pelo Cerrado é que enquanto as savanas espalhadas pelo mundo possuem rios sazonais – como na África e Austrália, os rios do Brasil Central são perenes e, ainda por cima, há nascentes importantes de rios que nascem na região cortando vários estados brasileiros, como o Rio São Francisco, o Araguaia e o Parnaíba.

Dessa forma, uma estrutura de vegetação e solo adequados são primordiais para a recarga dos aquíferos subterrâneos, já que a maior parte dos solos das Savanas Brasileiras são arenosos e de fácil percolação. Reconhecemos, assim, a necessidade ainda maior na conservação de remanescentes do Cerrado no Território nacional.

Em resumo, portanto, devemos encarar a ação do fogo como algo benéfico à biodiversidade do Cerrado. Por outro lado, a recorrência e a natureza antrópica do fogo em áreas naturais poderá enfraquecer a estrutura da vegetação, prejudicar a aeração do solo e, assim, provocar a extinção local de espécies de pequeno porte e dificultar a recarga de aquíferos subterrâneos.

*Rodrigo Poliselé biólogo formado pela USP, mestre e doutor em botânica pela Unicamp, sócio fundador da Brasil Bioma.