A esta altura, já se pode dizer que haverá um grande derrotado no pleito deste ano: o Judiciário. Seja quem for vitorioso – um candidato das margens da direita, da esquerda ou do centro – a administração da Justiça no Brasil sairá com manchas em seus corpos, pertençam eles aos graus de primeira ou segunda instância e, ainda, às altas Cortes do Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. A tinta sobre essas instituições está sendo jogada faz tempo, com as maiores quantidades saindo dos tanques cheios do PT, cujos dirigentes se esmeram na arte de pichar Tribunais que não acolhem causas do ex-presidente Luiz Inácio, com destaque para a 1ª instância do juiz Sérgio Moro e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sobram estocadas para o STF, que negou em abril o pedido de habeas corpus para que pudesse ele recorrer da condenação no caso do tríplex do Guarujá. E certamente as armas atirarão contra o TSE nesse momento em que a Corte decide julgar a elegibilidade de Lula. Se decidir por sua inelegibilidade, o PT pode fazer a substituição até 17 de setembro, ficando de fora da propaganda eleitoral até a apresentação do vice Haddad.
O fato é que, a cada novo recurso da defesa de Lula não acolhido, o tiroteio recomeça sobre as Cortes e seus juízes, numa sequência que faz parte da estratégia do PT em esticar a corda até que os braços do Judiciário decidam cortá-la. Esticar até o Supremo.
A expressão agressiva da defesa de Lula foi arremessada sobre a imagem do Judiciário, sabendo-se que o país está rachado, com parte aplaudindo as decisões judiciais e parte as recriminando, por comungar com o lulopetismo. Na verdade, o verbo ácido dirigido aos membros das Cortes e do Ministério Público se iniciou lá atrás, na fumaça da fogueira política acesa nos idos do mensalão, o caso que no Supremo ganhou o título de Ação Penal 470. Em agosto de 2007, a alta Corte decidiu abrir processo criminal contra 40 denunciados pela Procuradoria Geral da República por se envolverem em um escândalo de compra de votos, caso exposto pelo ex-deputado Roberto Jefferson.
As ações flagraram três ex-ministros do governo Lula e ex-dirigentes do PT, além de deputados e empresários. De lá para cá, a Corte desviou parcela importante de seu tempo para adentrar forte na esfera política, analisando casos e julgando perfis. Grandes questões, vestidas com o manto constitucional, algumas envolvendo comportamentos de parlamentares, outras na fronteira do Poder Executivo (privatização de estatais, controle acionário de empresas públicas etc), suscitaram intensa polêmica, sob a tese de que a Suprema Corte, exorbitando suas funções, invadiu territórios de outros Poderes. A judicialização da política permanece no centro das discussões, com pesada carga negativa para a imagem da instituição judiciária.
Ao mesmo tempo, dos bastidores para as colunas políticas, emergiu a luta em torno de um cabo-de-guerra, puxado por ministros “políticos” do Supremo, cujo envolvimento com partidos tornou suspeitas algumas de suas decisões, adensando o viés em se tratando de julgamentos daquela Corte. Chega-se a falar, inclusive, sobre acordos táticos entre membros da Casa, até então vistos como “contrários” por conta de sua trajetória na operação do Direito.
Sob essa teia, onde entram expressões de parlamentares indiciados, dirigentes fazendo defesa de correligionários, advogados verberando teses em favor de clientes e, ainda, divergências entre entidades que disputam competência funcional para investigar e apurar (PF e MP), além do barulho causado pelo TCU, esgarça-se o tecido que até então cobria a imaculada imagem do Judiciário. “Os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”. A impressão é a de que a lição de Francis Bacon foi por aqui esquecida.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato