Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Opinião

Não é exagero afirmar que a compra de parte da Embraer pela americana Boeing, caso volte a ser liberada pela Justiça, ameaça à soberania nacional e pode resultar no fim da história da fabricação de aeronaves no país. O acerto comercial, que envolve bilhões e deixa a produção de aviões comerciais nas mãos de uma nova empresa a ser criada, torna difícil a sobrevivência do que restaria da Embraer. É o real o risco de uma empresa tão estratégica para o país se transformar, em alguns anos, em uma mera fornecedora de peças para os Estados Unidos.

O último capítulo da venda aconteceu na última quinta-feira (20) quando a Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar que suspendeu o negócio a pedido de processo aberto pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. A decisão foi do juiz Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, que já havia concedido outra liminar favorável à suspensão, revogada em seguida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF3).

A tentativa de venda envolve parte fundamental de nada menos que a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo. A Embraer foi fundada pela Força Aérea Brasileira em 1969 e emprega hoje cerca de 16 mil trabalhadores, a maior parte na produção de aeronaves comerciais de pequeno porte no mundo. Esse setor da produção, caso venha a se confirmar o acordo com a Boeing, passaria quase em sua totalidade para uma nova empresa onde o governo brasileiro teria apenas 20% de participação e nenhum poder de controle, frente aos 80% que pertenceriam à empresa americana.

Apesar de não passar hoje por dificuldades, pelo contrário, visto o seu destaque no mercado global, a empresa trata a realização do acordo como algo “preventivo” para caso venha a perder espaço futuramente.

A Embraer, que seguiria após o acordo apenas com os segmentos de aviação executiva e militar, teria dificuldade de se manter em pé. Esta é a perspectiva por conta da venda do setor de aviação comercial, que sustenta o setor executivo e teria que trabalhar em sinergia com o setor militar.

O setor militar, especificamente, tem o governo como o seu principal demandante. Tanto o governo Temer, como o governo Bolsonaro, posicionam-se no sentido de fazer cortes em seu orçamento e forte ajuste nas contas públicas. É baixa a probabilidade de que sejam feitos gastos acentuados para sustentar esse setor da empresa por parte do governo. Nenhum dos dois setores pode conseguir sobreviver sem o segmento de aviação comercial.

Mas o que significa para o Brasil deixar de ter uma empresa forte como a Embraer?

A Embraer é de uma empresa com inteligência militar e relação direta com a defesa e soberania do país. Em meio a um mundo onde países buscam se desenvolver ao proteger os seus grilhões tecnológicos e utilizá-los para fins próprios, ela é a principal empresa exportadora de alta intensidade tecnológica do Brasil e gera desenvolvimento junto a diversos institutos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), para mencionarmos apenas os que estão colados na sede da Embraer em São José dos Campos.

Abrir mão desse desenvolvimento tecnológico significa deixar de lado parcela da soberania do Brasil. Não há hoje destino econômico de um país que não esteja atrelado ao seu posicionamento em relação à inovação.

Corre o risco de ser liberado pela Justiça um negócio ruim para o país e que faz com que surjam especulações sobre quais seriam as motivações e interesses econômicos e políticos envolvidos por parte da empresa e do governo. Mesmo as Forças Armadas, que deveriam se preocupar especificamente com o setor militar da Embraer, não têm se oposto ao negócio.

O setor militar da Embraer possui atualmente produtos como o A-29 Super Tucano, utilizado pelos EUA em seus treinamentos, e o KC-390. Após isso, não haverá novos produtos a serem oferecidos e sabemos que o ideal é que o desenvolvimento de um novo produto seja iniciado logo após a comercialização de outro, devido à demora de todo o processo de desenvolvimento. Sem produtos, seria o fim de um setor tão importante para a defesa do país, na qual são utilizadas, por exemplo, aeronaves nas fronteiras para realizar a vigilância com inteligência.

Vale ainda mencionar a situação dos cerca de 16 mil trabalhadores da Embraer quando analisamos as consequências do negócio realizado. Há entre alguns deles a expectativa de transferência para os EUA. Contudo, o principal interesse da americana Boeing consiste no setor de engenharia, no qual há 4,5 mil trabalhadores, que certamente não poderão ser absorvidos em sua totalidade. Discutir o destino dos funcionários da Embraer é preocupante quando falamos de uma empresa com histórico de demissões em massa, como ocorrido em 2009.


Em meio à tentativa de venda do setor comercial, fala-se agora em uma “velha Embraer”, em relação à empresa que seguiria com os segmentos executivo e militar, e em uma “nova Embraer”, para denominar a nova empresa com maior participação da Boeing e que ficaria o com o setor de aviação comercial.

Contudo, apesar dos signos empregados sutilmente nos discursos em favor da venda, não existiria uma “nova Embraer” com o negócio, e, sim, uma empresa alienada e adquirida pela Boeing, de um lado, e o que sobraria do que um dia foi a Embraer, do outro. A Embraer corre o risco de ser enfraquecida caso o seu setor mais importante seja vendido para uma empresa estrangeira.

Saber e zelar pelo futuro da Embraer é de interesse fundamental para quem se importa com a soberania nacional e o futuro do nosso país.

*Renata Belzunces é economista técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)