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Polí­cia

A cada 60 minutos, uma criança ou um adolescente morre no Brasil em decorrência de ferimentos por arma de fogo. Entre 1997 e 2016, mais de 145 mil jovens com até 19 anos faleceram em consequência de disparos acidentais ou intencionais, como em casos de homicídio e suicídio. Os dados fazem parte de um levantamento divulgado nesta quarta-feira (20) pela Sociedade Brasileira de Pediatria.

De acordo com o estudo, que considerou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, em 2016, ano mais recente disponível, foram registrados 9.517 óbitos entre crianças e adolescentes no país. O número é praticamente o dobro do identificado há 20 anos – 4.846 casos em 1997 – e representa, em valores absolutos, o pico da série histórica.

O levantamento mostra que, a cada duas horas, uma criança ou adolescente dá entrada em um hospital da rede pública de saúde com ferimento por disparo de arma de fogo. Entre 1999 e 2018, foram registradas quase 96 mil internações de jovens com até 19 anos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Despesas

As principais causas externas de morte por arma de fogo nessa faixa etária estão relacionadas a homicídios (94%), seguidos de intenções indeterminadas (4%), suicídios (2%) e acidentes (1%). No caso das internações, embora as tentativas de homicídio continuem na liderança (67%), é bastante expressivo o volume de acidentes (26%) envolvendo arma de fogo.

A avaliação contabilizou ainda as despesas diretas do SUS com pacientes atendidos após contato com armas de fogo. Nos últimos 20 anos, as internações de crianças e adolescente provocadas por disparos custaram mais de R$ 210 milhões aos cofres públicos.

O estudo considerou causas de morbidade hospitalar e mortalidade identificadas nas bases oficiais do Ministério da Saúde como acidentais, suicídios ou tentativas de suicídio, homicídios ou tentativas de homicídio e intenções indeterminadas.

Confira aqui os óbitos por região e Estado

Internações – Além de calcular o impacto dos disparos com armas de fogo na mortalidade da população brasileira de zero a 19 anos, o levantamento da SBP também aponta o impacto negativo dessa situação para a saúde desse grupo e a sobrecarga que provoca nos serviços de assistência, em especial nos prontos-socorros e nas alas de internação dos hospitais.

Segundo a análise, a cada duas horas, em média, uma criança ou adolescente dá entrada em um hospital da rede pública de saúde com ferimento por disparo de algum tipo de arma. Entre 1999 e 2018, foram registradas mais de 95,7 mil internações de vítimas graves decorrentes de acidentes, tentativas de homicídios ou de suicídio envolvendo armas de fogo.

Nesse período, é possível verificar que 82% das internações envolveram vítimas com idade entre 15 e 19 anos, sendo menor a frequência nas faixas etárias que vão de 10 a 14 anos (11%), de cinco a nove anos (4%) e em menores de quatro anos (3%). Outra constatação: quase 90% das vítimas eram do sexo masculino.

Seguindo a mesma tendência da distribuição geográfica dos óbitos, os dados mais recentes também revelam maior concentração de agravos provocados por armas de fogo nas regiões Nordeste e Sudeste, cada uma com 36% das hospitalizações no Brasil. Dentre os estados, São Paulo e Rio de Janeiro se destacam nesse aspecto, com 14% e 12% das internações, respectivamente. Por sua vez, a Bahia – líder no ranking de mortalidade – divide a terceira posição com o Ceará, com 10% das ocorrências cada.

Confira aqui as internações por sexo e faixa etária

Confira aqui as internações por região e Estado

Despesas – Paralelamente à quantidade de internações, a SBP contabilizou ainda as despesas diretas do Sistema Único de Saúde (SUS) com os pacientes atendidos em virtude do contato com armas de fogo. Nos últimos 20 anos, as internações de crianças e adolescente provocadas pelos disparos custaram mais de R$ 210 milhões aos cofres públicos.

“Os custos diretos decorrentes desses atendimentos estão atingindo níveis recordes. Obviamente, que foi um investimento para salvar vidas, o que é justificável. Porém, se esses casos tivessem sido evitados, esses recursos poderiam ter tido outro destino no SUS. O pior, no entanto, não é a conta, mas as sequelas físicas e emocionais – muitas vezes irreversíveis – que cada um destes episódios de agressão deixa na vida das crianças e dos adolescentes envolvidos, bem como em suas famílias e na comunidade”, ressaltou a presidente da SBP.

Acidentes – No esforço de destrinchar esse fenômeno, a SBP procurou analisar os dados oficiais em busca de outra informação relevante: a motivação dos disparos que levaram a óbitos e sequelas. Os números mostram que a principal causa de mortes por armas de fogo na faixa etária analisada está relacionada a homicídios. Isso ocorre em 94% dos registros.

Com percentuais muito inferiores aparecem as intenções indeterminadas (4%), os suicídios (2%) e os acidentes (1%). Quando se busca o motivador das internações hospitalares por ferimentos com armas de fogo, as tentativas de homicídio permanecem no topo do ranking (67%), seguidas, no entanto, do expressivo volume de acidentes (26%).

Confira aqui as causas das internações e óbitos

Ao confrontar os dados com a realidade nacional, o secretário do Departamento de Segurança da SBP, Danilo Blank, destaca que a série histórica registra uma sensível desaceleração no total de óbitos e internações por armas de fogo no período que se seguiu à entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, em 2003.

“Isso quer dizer que, se admitirmos que a redução das mortes e ferimentos se deve efetivamente ao Estatuto do Desarmamento – já que não parece ter havido outra variável em jogo – quaisquer causas sociais que tenham posteriormente determinado uma nova onda de aumento nos números de homicídios simplesmente não parecem ter afetado as mortes e traumas não intencionais, que são um problema extremamente pertinente à defesa da saúde da criança”, destacou.

O Departamento de Segurança da SBP enfatiza ainda que, de acordo com sólidas evidências da literatura especializada, a prevenção de mortes por armas de fogo se baseia principalmente na redução do acesso a essas armas nas comunidades. Um dos mais recentes trabalhos nesta linha partiu do American College of Physicians (ACP), que encoraja os médicos norte-americanos a aconselharem seus pacientes sobre o risco de ter armas de fogo em casa, particularmente quando há crianças e adolescentes presentes. “A violência por armas de fogo é uma ameaça à saúde pública nos Estados Unidos que não pode continuar”, se posiciona a entidade por meio do documento Reducing Firearm Injuries and Deaths in the United States.

“Quanto mais disponíveis as armas de fogo, maior o número de mortes. Todos os esforços têm que ser empreendidos para fortalecer o Estatuto do Desarmamento no Brasil e limitar ao máximo a posse o porte de armas de fogo”, defendeu o dr. Blank. 

Flexibilização

Segundo a SBP, como parte de seu compromisso institucional de trabalhar pelo aperfeiçoamento de políticas públicas que afetem a infância e a adolescência, desde janeiro, quando Governo brasileiro alterou as regras para facilitar a posse de armas de fogo, a entidade passou a monitorar e analisar os indicadores de morbidade e mortalidade relacionados ao tema. Além deste levantamento, um documento científico está sendo elaborado pelo Departamento de Segurança da entidade.

Apesar da recente possibilidade de os cidadãos guardarem o equipamento na residência ou no estabelecimento comercial de que seja dono, a SBP vê com restrições essa prática. Para o presidente do Departamento de Segurança, dr. Mário Hirschheimer, a proximidade com a arma de fogo aumenta o risco de violência doméstica e acidentes envolvendo crianças e adolescentes sem, necessariamente, dar maior segurança às famílias.

“Recomendamos fortemente que se evite ter armas de fogo em casa. Isso ajuda a prevenir acidentes graves. Para fins de diminuição da violência, a flexibilização da posse de armas terá resultado pífio, mas concorrerá para um aumento do número de acidentes, inclusive de fatalidades”, alertou.

Essa suspeita da SBP encontra respaldo no estudo Most Children Surveyed Couldn't Tell Real Guns from Toy Guns, da Academia Americana de Pediatria (AAP), divulgado em novembro de 2018. No trabalho, que fez uma comparação dos padrões de armazenamento de armas de fogo e o acesso das crianças a elas, o risco de desfecho fatal é muito alto.

Segundo os pesquisadores, quase 60% dos integrantes de um grupo de crianças, com idades entre 7 e 17 anos, não souberam distinguir armas reais de armas de brinquedo. “Não se trata de uma discussão ideológica ou sobre a liberdade da posse, ou não, de arma pelos adultos. O que está em jogo é a vida e a integridade física e emocional de milhares de crianças e adolescentes. Riscos deste tipo não podem ser ignorados, pois as perdas serão irreparáveis”, destacou a dra. Luciana Rodrigues. (Com informações Agência Brasil e SBP)

Acesse aqui a entrevista exclusiva com a presidente da SBP sobre o assunto