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Opinião

Foto: Divulgação

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Ao abrir os noticiários às vésperas do Dia Internacional da Mulher, depara-se com as seguintes manchetes “Mulheres Assassinadas”, “Mais uma Vítima de Feminicídio”. Triste realidade que persiste nos nossos dias: Uma mulher morta a cada sete horas, por ser mulher. E mesmo sendo manchetes diárias, a violência ainda não é vista, o descaso ainda predomina. Os murmúrios de coitada e mais um número na estatística parece ser o máximo de ação possível e tudo parece não fazer diferença em um mundo em que o dilema é vida que segue. Que vida? Vida em que ignoramos o sofrimento alheio e fechamos os olhos para crimes que se aproximam cada vez mais da zona de conforto de todos. O que incomoda, opta-se por varrer para debaixo do tapete.

Reconhece-se que a violência contra as mulheres tenha assumido o debate público na sociedade brasileira, mas a implementação de políticas públicas para redução dos índices ainda representa um grande desafio. Constata-se, positivamente, que as mulheres têm buscado as Delegacias de Polícia para o registro de ocorrências. Em 2017, por exemplo, em todo o Brasil foram mais de 221 mil registros de agressões em decorrência de violência doméstica. Entretanto, segundo pesquisa de vitimização efetuada em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Datafolha, apenas 10,3% das mulheres que afirmaram ter sofrido violência entre 2018 e 2019, procuraram a Delegacia da Mulher; 8% procuraram uma Delegacia de Polícia Comum e 5% ligaram para o 190[1]. O medo ou vergonha de denunciar ainda representam alguns dos obstáculos que reprimem o registro de ocorrências.

Questiona-se para onde caminha a humanidade quando a mesma pesquisa de vitimização constata que 76,4% das mulheres que sofreram violência afirmaram que o agressor era alguém conhecido[2]. Cônjuges, ex-cônjuges, namorados e ex-namorados, pessoas do relacionamento íntimo da vítima, cujo vínculo de confiança acirra a vulnerabilidade.

Como pensar em combater a violência contra as mulheres em um contexto de intimidade e confiança? O primeiro grande passo é não fechar os olhos para a realidade. A invisibilidade feminina não condiz com a posição da mulher no cenário social.

A escuta das reivindicações, a atenção às dificuldades diárias, poderão nortear políticas públicas de reconhecimento e valorização, assim como, de prevenção e repressão aos atos abusivos e de violência contra às mulheres.

 Não podemos olvidar, o quão foi importante e necessária as Leis n. ºs 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e a Lei do Feminicídio ( Lei n.º 13.104) sancionada em 2015, tornando mais grave o crime de homicídio em razão do gênero, envolvendo violência doméstica e familiar e/ou pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

 Mas mesmo com esse suporte legislativo, vamos refletir sobre duas situações diversas em diferentes localidades que de fato ocorreram em ambientes hospitalares às vésperas do dia internacional da mulher e que me foi relatado. No primeiro caso, uma mulher, como tantas no nosso Brasil, mãe solteira de um filho de cinco anos, aproximadamente, que procura um hospital porque o filho está extremamente agressivo nessas últimas semanas. Ninguém consegue conter o filho que se debate o tempo todo e está com um comportamento totalmente alterado. O médico pergunta à mãe o que aconteceu nas últimas semanas de diferente, e a mãe responde de forma impotente, que nesses últimos dias, tem deixado o filho com a vizinha, pois precisa trabalhar e não teve condições de deixá-lo em uma creche ou escola. O médico, no seu íntimo, já pensa que a criança pode estar sofrendo algum tipo de violência, mas dirige-se a mãe dizendo para observar e ter cuidado com o filho. Faz os exames rotineiros, liberando-a em seguida.

Na outra situação, uma mulher vítima de violência doméstica pela segunda vez, dá entrada no hospital. Casada, mãe de dois filhos, entra assustada, cheia de hematomas pelo corpo, física e psicologicamente abalada. É atendida, seus ferimentos externos são tratados e a alta está prestes a ser concedida. A mulher então relata aos profissionais de saúde, que já registrou ocorrência na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher por violência anterior e compartilha o medo de sair do hospital e ser morta na rua pelo seu marido que, além das agressões, continuava a ameaçá-la. O fato não causou muita atenção, nem comoção local, afinal, esses tipos de lesões em mulheres chegam constantemente, já não causam mais espanto. Somente uma estagiária da área médica que por um acaso estava no local, se sentiu desconfortável e perplexa com o fato, temendo pela vida daquela mulher. Diante da total invisibilidade humana e indiferença da maioria, resolveu acionar os números disponíveis da polícia, relatar os fatos e pedir que acompanhassem a vítima até a Delegacia Especializada para um novo registro de ocorrência e onde uma medida protetiva poderá ser solicitada.

Dois de muitos fatos que fazem parte do dia-a-dia de muitas mulheres, marginalizadas e criticadas. Dois casos em que busca-se a reflexão. A violência social , física, psicológica é um fardo pesado demais para todas as mulheres, ainda mais para  mulheres que vivem no total desamparo das políticas públicas, a espera de um milagre.

Nesse sentido, a rede de proteção da mulher tem um papel primordial na superação da invisibilidade, principalmente, quando se observa a transmudação de alguns espaços familiares que de espaço de proteção, passaram a ser locais de desproteção e risco. O trabalho dos diversos órgãos envolvidos na rede de proteção deve ser amplo atuando nas várias frentes de enfrentamento à violência contra as mulheres, assim como oferecendo suporte às mulheres para conduzirem suas vidas pessoais e profissionais de forma digna.

Portanto, o envolvimento de toda a sociedade, órgãos públicos na articulação e inclusão de instituições parceiras e atores que movimentam e interfiram diretamente na realidade social, reforçam valores como confiança e solidariedade, promovendo o devido enfrentamento e a conscientização de que violência contra as mulheres, assim como toda forma de violência, geram repercussões psicossociais, econômicas e políticas, não somente no plano individual e familiar, como também em toda esfera social.

A redução das taxas de homicídios femininos no Tocantins, por exemplo, demonstra o árduo trabalho das equipes da Polícia Civil que estão a frente das unidades especializadas no atendimento às mulheres; do policiamento ostensivo sob os aspectos preventivo e repressivo, assim como de todos os órgãos que fazem parte das atividades em rede que, certamente devem ser ampliadas para o apoio integral às mulheres, ampliando os seus limites e possibilidades.                           

 Desta forma, almeja-se que a invisibilidade ceda espaço para o reconhecimento e valorização da mulher em todo âmbito social, assim como se enxergue nitidamente que a violência é uma questão ampla, de saúde pública com repercussões extremas. Exigindo-se, portanto, políticas públicas que envolvam áreas educacionais, sociais, de saúde e segurança pública. Atuações rápidas e eficazes para que manchetes de morte e violência sejam substituídas por manchetes de sucesso e empoderamento feminino.

Como a omissão consiste em conivência, vamos denunciar os agressores:

Telefones úteis, ligações gratuitas-Central de Atendimento à Mulher (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres)- 180.

Disque Denúncia Nacional de Combate à Violência e ao Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes- 100.

Polícia Civil(Ouvidoria) –  08006456898

Polícia Civil (Delegacias Especializadas) Central de Atendimento à Mulher 24 horas.

Polícia Militar- 190.

Corpo de Bombeiros- 193.

*Milena Coelho Jorge Albernaz é delegada de Polícia Civil do Tocantins, graduada em Direito pela PUC-Pontifícia Universidade Católica de Goiás, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Unitins, mestre e doutoranda pela Universidade Autônoma de Lisboa