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Opinião

Foto: Divulgação

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Em tempos de tanta incerteza, uma coisa é certa, uma série de cuidados adicionais devem ser adotados pelas empresas que se preparam para a futura retomada de atividades pós-distanciamento social. Os seus representantes legais, executivos e os responsáveis pela condução e gerenciamento das áreas de compliance e, principalmente, de Recursos Humanos, precisam ter claro que o retorno deve ocorrer com a observância de novas regras sanitárias e em um ambiente que mitigue os riscos de contaminação dos funcionários. Para tanto, além da reorganização física do espaço de trabalho, da garantia de medidas sanitárias básicas (fornecimento e utilização de máscaras e disponibilização de álcool em gel), boa gestão do fluxo dos funcionários (para desta forma também reduzir a concentração de pessoas), sobreleva destacar a relevância do quesito comunicação quanto aos protocolos instituídos, tornando-se fundamental bem documentar todo esse complexo cenário, sob uma perspectiva de materialização de uma eventual futura (e possivelmente necessária) prova processual. Isso, pois, a inobservância das medidas preventivas e dos regramentos sanitários determinados pelo poder público podem fazer com que o empregador não só se veja diante de uma confrontação sob a perspectiva humanitária, como também trabalhista, e, não menos raro, diante de figuras criminais.

Ocorre que ao não adotar medidas mitigadoras de riscos de contaminação, pode sim, a depender da situação concreta, frise-se, repercutir em imputação criminal à luz de pelo menos dois artigos previstos no Código Penal, a saber, o artigo 132, que trata da exposição da vida ou da saúde de pessoas a perigo direto ou iminente, bem como o artigo 268, que pune quem infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, merecendo, portanto, especial atenção as leis federais, estaduais e municipais que regulam medidas de contenção à propagação da Covid-19. Fica claro, considerando essas duas figuras criminais, que a omissão do empregador pode acabar por adquirir contornos penalmente relevantes.

Portanto, a criação de protocolos e a efetiva implementação e supervisão pelos empregadores e sua observância por parte dos empregados, -com mútua ética e responsabilidade-, deve receber atenção especial.

Não obstante as boas intenções que permeiem essas inciativas, o ponto que exsurge deveras relevante e desde logo deve merecer a devida atenção, será como compatibilizar o direito à privacidade, com interesse e bem comum, onde estarão inseridos o direito à saúde e à própria vida em última análise, sem, contudo, deixar de observar as pontuais diretrizes do Poder Público, que muitas vezes acaba por transferir seus deveres e obrigações para os particulares.

Desta forma, todo cuidado é pouco nesse momento inicial, pois monitorar a saúde de funcionários por meio de checklists antes de se deslocarem ao trabalho, medir a temperatura dos funcionários na entrada da empresa, afastar funcionários assintomáticos, ou no extremo exigir a realização de testes para detecção do vírus e permissão de reingresso, por exemplo, podem eventualmente até suscitar alguns questionamentos na esfera trabalhista, mas por outro lado podem mitigar riscos criminais, criando um curioso dilema, capaz de aumentar a insegurança jurídica que já reina soberana no país!

É fato inequívoco e de todos conhecido que a Constituição Federal garante a privacidade de todos nós, como também garante o direito à saúde e a vida, com o que direitos individualmente considerados não podem se sobrepor, de forma absoluta e sem limite, ao bem coletivo. Portanto, terá que haver naturalmente um processo de aprendizado e aprimoramento nas políticas de responsabilidade social por parte dos empregadores, como também empatia e senso de coletividade por parte dos empregados, somando-se a tudo uma interpretação e aplicação especialmente coerente da lei, quer pelos representantes do Ministério Público na seara penal, quer pela Justiça do Trabalho, em especial para relativizar premissas de hipossuficiência nesse particular aspecto.

Nesse novo mundo que está nascendo, haverá que se fazer malabarismos sob a perspectiva de conjugar soluções compatíveis e dissipar seus respectivos riscos, tanto humanos, como jurídicos, o que só será possível com mais solidariedade, ética bilateral, e menos politização e judicialização.

*David Rechulski é advogado criminalista, especialista em Criminal Compliance