Defendi desde o começo que esta eleição era antes de tudo um plebiscito sobre a presidência de Trump. A intensidade da batalha que marcou este pleito se deu basicamente pela polarização excessiva impulsionada pelo candidato republicano. O resultado seria sua vitória ou derrota, muito mais do que um triunfo ou insucesso dos adversários. Esta é a maneira de Trump fazer política.
Trump foi eleito pela onda antipolítica que varreu boa parte do mundo nos últimos tempos. O Brasil também foi atingido por este fenômeno. O problema, entretanto, reside no fato que aqueles eleitos por esta onda carecem das características básicas necessárias para atuar no jogo político. Ao desprezar suas regras, apelam ao populismo ou são engolidos pelo sistema.
Soma-se isto o fato de que Trump era um elemento estranho entre os republicanos. Nunca houve identidade real entre o Presidente e seu partido. Eleito na onda de rejeição ao establishment, jamais foi aceito por inúmeras alas partidárias que sempre desprezaram de seu ar bufão, agressivo, impetuoso e arrogante. Afinal, esta nunca foi a forma dos republicanos fazerem política.
Ao confrontar aliados dos Estados Unidos no exterior, colidir com adversários democratas na política interna e semear a desconfiança de seus pares no partido, o Presidente incitava a discórdia, ao mesmo tempo que se alimentava dela. Caminhando sobre esta linha tênue, como jogador de pôquer, apostou todas as fichas na adoção de um comportamento populista que usava a narrativa e o confronto como armas.
Ao alcançar um bom resultado econômico e inegáveis vitórias na política externa, acreditava que se encaminharia fácil para um segundo mandato. É um fato. A reeleição estava diante de si como um fato consumado, até surgir a pandemia e apostar no negacionismo. Com a morte de milhares de americanos e outros milhões infectados pelo coronavírus, viu sua popularidade derreter, assim como a economia e os empregos. Isto sem falar na tensão racial.
Sua campanha pela reeleição uniu contra si democratas e também republicanos descontentes. Não foram poucos os correligionários que rejeitaram o populismo trumpista que contaminou o partido e apoiaram Biden, como o ex-Governador de Ohio, John Kasich. No fundo, o partido sente-se aliviado. Terá a chance de reinventar-se longe de Trump e de volta nas mãos de seus líderes tradicionais que permanecem fiéis aos valores conservadores.
Trump perdeu para si mesmo e a aventura populista norte-americana chegou ao fim. A política se impôs como o caminho razoável e sensato na administração do poder. A revolução trumpista entrará para os livros de História e o aprendizado será absorvido pela sociedade americana. Biden foi o antiTrump. Ao colher sua derrota eleitoral e pessoal, Trump fez mais pelo partido democrata do que seus líderes. Seu personalismo, que se confunde com a sua presidência, entregou o poder de presente ao vice de Barack Obama. O último ato de ópera bufa populista que não deixará saudades.
*Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil. Diretor-Executivo do Interlegis no Senado.