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Opinião

Foto: Divulgação

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Quem sabe a semelhança entre a lesma e o camaleão? Aparentemente, quase nada, a não ser o fato de que ambos podem se arrastar pelo chão. Estudando atentamente as qualidades desses dois animais, identifica-se em ambos algo semelhante: a capacidade transformativa. O pequeno molusco, atingido por uma camada de sal, derrete e se transforma em água. O garboso lagarto, por sua vez, tem a capacidade de vestir as cores do ambiente em que se instala, saindo do verde das folhas para o marrom dos galhos secos com a maior facilidade. (P.S. Criança, em minha querida cidade de Luis Gomes-RN, eu sofria para descobrir em que galho se escondia o camaleão na tamarineira do saudoso comerciante Chico Pascoal. O bicho se confundia com os galhos).

Pois bem, esses dois transformistas foram os principais símbolos da campanha eleitoral, com centenas de candidatos, saindo líquidos das urnas, atingidos pelo sal grosso jogado pelo eleitor, enquanto outros, como camaleões sabidos, ganharam solidez porque vestiram o manto do momento, correndo atrás de um cidadão indignado, mudando o modo de agir, de se comportar e até tentando se desvincular de atos do passado e de perfis rejeitados. Os extremos do arco ideológico foram pouco acarinhados e o meio ocupado por gigantesco exército camaleônico.

A performance transformativa de candidatos ganha intensidade nesses dias que antecedem o segundo turno, até porque a disputa será entre dois, com maior exposição midiática e condições adequadas para o eleitor traçar paralelos, comparar estilos, promessas e compromissos. Pode-se prever candidatos negando feitos do passado, outros construindo relações ambíguas e funestas para adversários, patrocinadores tentando puxar seus afilhados para a sombra da árvore governamental.

Façamos pequeno exercício do que tentam alguns transformistas:

Bruno Covas tenta atrair votos conservadores e evangélicos, mas fugindo de eventual colagem na figura do presidente Bolsonaro. Sal neles, pensa Covas. Guilherme Boulos, por sua vez, afasta-se daquela figura que liderava os Sem Teto, invadindo propriedades, e agora tenta se esconder nos galhos da floresta da moderação. Mas faz campanha ao lado do PT, fato que acaba colando sua imagem ao petismo, cuja rejeição em São Paulo é alta. Que cor adotar? A cor da jovialidade, coragem, inovação, mudança. Signos que atraem jovens, grupos das artes e da cultura, eleitores racionais.

E que transformações serão necessárias ao PT? Pergunta que angustia Lula, o manda-chuva; Gleisi, a presidente da sigla e José Dirceu, que ainda veste o manto de velho guerrilheiro. Como se viu, nessa campanha o PT recebeu forte camada de sal grosso, que derreteu partes de seu território eleitoral. Por isso, os maiorais do partido vão buscar refúgio nas frentes da formação de líderes, renovação de quadros, ensaios pela tangente ideológica. Sofrerão com a tentativa de ressurreição da luta de classes, resgate do refrão “a esperança venceu o medo” ou mesmo a necessidade do Estado paquidérmico e gastador.

Bolsonaro e suas redes, incluindo o chamado gabinete do ódio, continuam a fazer as contas de ganhos, perdas e danos. Ganhos? Um aqui, outro ali. De mais de 70 candidatos com o sobrenome Bolsonaro, só o filho Carlos se elegeu vereador, tendo boa votação, mas com 35 mil votos a menos do que recebeu na campanha de 2016. Nem sua mãe, Rogéria, foi eleita. As redes jogam sal na campanha, insinuando fraude. Coisa de Trumpiniquim, como diria o jornalista Eugênio Bucci. E como agir agora no 2º turno? Bolsonaro não consegue tirar das mangas carta milagrosa.

O governador João Doria continuará a se esconder nas tamarineiras paulistanas, apenas no espaço eleitoral, articulação combinada com Bruno. Mas descortinará o amplo palco onde ocorrerá a vacinação em massa da população, eis que os primeiros lotes da coronavac já chegam a São Paulo. Vez ou outra despeja sobre Bolsonaro um carga de sal em retribuição ao que o presidente lhe manda.

Não são poucos os que olham para o poderoso (?) ministro Paulo Guedes. Ele estaria mais para camaleão ou para lesma? Para o primeiro, a não ser que a economia entre em frangalhos e ele seja derretido pela cachoeira presidencial. Espera em seu confessionário feridos e vitoriosos, cada qual querendo aumentar sua fatia do bolo orçamentário. Mas a preocupação do ministro é com seus colegas gastadores.

Em suma, e agora, José, o que fazer? As lesmas que se derretem diante do sal, perdendo identidade, serão castigadas? E os camaleões políticos, que mudam de cor, chegarão ao pódio do segundo turno? 

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato