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Opinião

Foto: Divulgação

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Hans Christian Andersen, escritor dinamarquês (1805 – 1875) conta numa de suas histórias: “Um falso alfaiate garante ao rei que, caso dispusesse de ouro, seda e outros materiais preciosos, saberia confeccionar uma roupa esplendorosa, mas que apenas as pessoas mais inteligentes poderiam enxergar. O rei encomenda a roupa, e o falso alfaiate fica com todos os materiais preciosos que lhe foram fornecidos. Um dia, ele “mostra” ao soberano a nova roupa – que não existe. O rei e sua corte nada veem, mas a fim de não passarem por ignorantes, fingem todos estar admirados com a veste maravilhosa. Quando o rei sai à rua com a nova veste, uma criança grita: ‘O rei está nu’”.

Sergio Moro está nu?

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento do HC 164.493-PR, impetrado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, com a concessão da ordem para declarar o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar o processo envolvendo o ex-presidente Lula (processo do Triplex), resultando, assim, na anulação de todos os atos decisórios, voltando à “estaca zero”. Foi uma decisão correta? Sergio Moro julgou com parcialidade?

Conforme será demonstrado a seguir, a correção da decisão é inquestionável, não há dúvida alguma que Lula não teve um julgamento proferido por um magistrado imparcial. Mas o que significa ser um juiz imparcial?

Em uma resposta simples e despida do juridiquês, ser um juiz imparcial nada mais é do que ser um julgador que não toma partido para um dos lados. Ser imparcial é tratar a defesa e a acusação em pé de igualdade. Ser imparcial é possibilitar que a defesa tenha acesso integral a todos os elementos de indiciários produzidos durante a fase investigativa. Ser imparcial é analisar a hipótese de acusação (“tese do promotor”), as teses defensivas e cotejar ambas com as provas dos autos. Ser imparcial é não determinar medidas restritivas da liberdade (prisões e medidas cautelares) pautado, exclusivamente, na história (as vezes estórias) trazidas pelo Ministério Público. Ser imparcial é reconhecer seus erros e ter a dignidade de recuar e corrigir os equívocos. Em resumo: Ser juiz imparcial é ser juiz e não um fantoche nas mãos da acusação ou julgador com alma de acusação.

Sergio Moro, no famoso processo do “triplex”, afastou-se assombrosamente de todos os predicativos de um juiz imparcial. Além das inúmeras mensagens nada republicanas trocadas com os integrantes da Procuradoria da República de Curitiba, que demonstram, por si só, um distanciamento abissal da figura de um juiz equidistante das partes, as provas trazidas no HC pelos advogados do Presidente Lula evidenciam, cabalmente, que Moro agiu com parcialidade, melhor dizendo, atuou sempre com objetivo de alcançar a condenação do réu (Lula) a qualquer custo.

O ministro Gilmar Mendes, analisando as questões trazidas no HC 164.493-PR, pontuou: “... diante de todo o conjunto de atos jurisdicionais praticados por Sérgio Moro, ainda é possível manter a percepção de que o julgamento do paciente deste HC foi realizado por um juiz despido de todo e qualquer preconceito acerca da culpabilidade do acusado? É ainda possível afirmar que a decisão condenatória assinada pelo magistrado serviria unicamente à realização do interesse da Justiça independente dos desígnios pessoais do magistrado?”.

Ao analisar os pontos deduzidos no HC, o ministro Gilmar ressaltou as parcialidades de Moro a exaustão. No tocante as interceptações telefônicas do escritório dos advogados do Presidente Lula, o Ministro, com tintas fortes, asseverou:

“A interceptação do ramal do escritório de advocacia teria partido de uma informação supostamente equivocada contida na petição de quebra de sigilo telefônico apresentada ao juízo pelo Ministério Público Federal.

Em 23.02.2016, somente quatro dias após o deferimento da interceptação telefônica do ramal-tronco do escritório de advocacia, a operadora de telefonia Vivo Telefônica encaminhou ao juízo ofício contendo a relação individualizada dos estabelecimentos a que correspondiam os números telefônicos cuja interceptação havia sido determinada. No referido ofício, consta que o terminal telefônico (11) 3060-3310 atribuído pelo MPF ao instituto L.I.L.S., na realidade, seria de titularidade da sociedade “Teixeira, Martins & Advogados”.

Destaca-se, portanto, que no dia 23.02.2016, o juízo tomou conhecimento – ou pelo menos poderia ter se cientificado – de que o terminal telefônico interceptado correspondia, na realidade, à sede do escritório de advocacia que patrocinava o paciente, então investigado na Operação Lava-Jato.

(...)”.

Embora Sergio Moro tenha sido alertado do suposto equívoco (ilegalidade para dizer o mínimo) dos terminais indicados, insistiu na determinação. Ora, em sã consciência, pode ser considerada legal e imparcial a determinação da intercepção tal como relatado? Ou Moro, como um verdadeiro agente da acusação, como um longa manus do MPF, queria saber os passos da defesa? Há equidistância das partes nisso?

Outro ponto que evidencia a parcialidade de Sergio Moro, muito bem retratada pelo Ministro Gilmar, diz respeito ao vazamento ilegal da interceptação da conversa entre Dilma e Lula. Sergio Moro, intencionalmente omite conversas de Lula com outros interlocutores, que evidenciaram que não queria assumir a Casa Civil, senão vejamos:

Cumpre destacar – aqui como fato denotador do afastamento da posição de independência do juiz – que o vazamento das interceptações, além de reconhecidamente ilegal, foi manipuladamente seletivo. O principal áudio divulgado pelo magistrado de forma ampla nos veículos de comunicação naquela data consistia em gravação de 1min e 35s de uma conversa entre o paciente e a então ex-presidente Dilma Roussef na qual teria sido sugerido que o paciente utilizaria a posse no cargo de Ministro de Estado para se evadir da aplicação da lei penal.”

“Todavia, sabe-se hoje que havia outras ligações interceptadas pela polícia naquele dia, mantidas em sigilo pelos investigadores, que punham em xeque a hipótese adotada na época por Moro.

Como destaco em reportagem do Jornal Folha de São Paulo, do total de 22 conversas grampeadas após a interrupção da escuta em março de 2016, foram omitidas da divulgação geral diálogos, que incluem conversas de Lula com políticos, sindicalistas e o então vice-presidente Michel Temer (MDB), em que o paciente teria confessado a diferentes interlocutores naquele dia que relutou em aceitar o convite de Dilma para ser ministro e só o aceitou após sofrer pressões de aliados”.

Ora, tendo por base apenas esses dois pontos, dos sete destacados pelo Ministro Gilmar, há como não reconhecer a parcialidade de Moro? Agiu Moro respeitando o necessário distanciamento das partes? Digo isso em relação as provas dos autos, deixando de lado o cipoal de imoralidade e promiscuidades desvelados pelo site Intecept.

Se o juiz investiga e se aproxima da acusação, quem irá decidir de modo imparcial? Se o juiz busca a punição, quem irá controlar e legitimar o poder punitivo? Com esses dois questionamentos feitos pelo Ministro Gilmar Mendes, concluo que todos, absolutamente todos os cidadãos têm direito a ser julgado por um juiz imparcial. Oxalá todos tenham as mesmas chances do ex-prresidente Lula.

*Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito (EPD)