Tornou-se habitual, no Governo Bolsonaro, o espectro de um
golpe em nossa democracia. Isso, por si só, já é indicativo do grau de corrosão
que já se faz presente nos alicerces do estado democrático e de direito e dos
valores republicanos. Sentir-se ameaçado, com medo, não é sinal de normalidade.
Em março de 2021, Bolsonaro trocou o alto comando das Forças Armadas, bem como
o Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Naquelas tensas horas que se
seguiram, jornalistas, cientistas políticos, intelectuais e formadores de
opinião indagavam com preocupação se a movimentação não era indicativa de um
golpe ou autogolpe. Recentemente, segundo informações do Estadão, o atual
Ministro da Defesa, Braga Netto, fez chegar, por intermédio de interlocutor, ao
Presidente da Câmara, Arthur Lira, que se não houver voto impresso em 2022,
pode não ocorrer as eleições. Tal fato corrobora a fala do Presidente
Bolsonaro, sabe-se agora que, cronologicamente, Bolsonaro fez esta ameaça
depois da investida de Braga Netto. Assim, ao que parece, o Presidente da
República sente-se respaldado pelo seu ministro e pelo Comando das Forças
Armadas. Um golpe, uma revolução ou uma ruptura institucional exigem, quase
sempre, duas condições conjugadas: condições subjetivas e condições objetivas.
Em termos subjetivos, uma ação golpista ou revolucionária depende de
indivíduos, lideranças, articuladores, intelectuais que tenham a vontade de
promover uma ruptura e deixam isso claro em discursos, ações, ou seja, na sua
própria trajetória na vida pública. Esta condição - a subjetiva - está
presente, pois Bolsonaro nunca escondeu seu apreço pelo Regime Militar, pela
tortura e, não raro, ataca as instituições e a própria democracia. Há, também,
ao que tudo indica, militares da ativa e da reserva que coadunam-se à visão do
presidente, cujos valores são idênticos ou muito próximos.
Já as condições objetivas, oriundas da própria realidade social e política, não
se apresentam para o sucesso de uma aventura golpista. O cenário de golpe ou
revolução implica uma grave e profunda crise. Os elementos objetivos são: crise
econômica, desemprego e fome; escalada da violência em vários níveis;
incapacidade das instituições em responder ao quadro em tela; apoio da elite
econômica e política, bem como da mídia; apoio financeiro, de armamento ou
logístico de países poderosos; entre outros aspectos. Assim, as perguntas são
várias.
A suspensão das eleições em 2022 teria o apoio dos 513 deputados, 81 senadores,
dos 27 governadores, dos milhares de prefeitos e vereadores do Brasil? Os
empresários, o agronegócio e o mercado financeiro querem um quadro deteriorado
na sociedade brasileira? Será possível, numa sociedade em rede, hiperconectada,
censurar a mídia ou as redes sociais? Todos os 11 ministros do STF se calariam?
Todos os militares de alta patente e com efetivo comando embarcam na suspensão
das eleições periódicas e que são alicerce da democracia? Sanções econômicas e
pressões externas, por exemplo, dos Estados Unidos e países europeus seriam
pesadas e concretas, queremos isso? Milhares de pessoas e grupos sociais
tomariam as ruas em protestos que, no limite, podem avançar para a violência,
com feridos e mortos, seria isso que, após controlar a pandemia, os brasileiros
anseiam?
Bolsonaro, como Trump, está dando os sinais do que poderá ser 2022. Em síntese,
o ano vindouro será o maior teste para nossa democracia, instituições e para a
sociedade brasileira.
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e
Doutor em Sociologia, pela Unesp.