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Opinião

Foto: Divulgação

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A palavra mudança é uma das mais recorrentes do discurso político. Faz parte do vocabulário de velhos e novos candidatos, inexperientes e experimentados homens públicos de todas as regiões. E a razão está no fato de que a promessa sobre mudança abre as portas da esperança, impulsionando o desejo de pessoas de todas as idades em sonhar com um futuro radiante, mais próspero e mais feliz. É o sonho do ser humano melhorar sua condição de vida.

E mesmo sob o descrédito que o termo adquiriu na onda da corrupção avassaladora que empurra esfera política para o pântano da descrença, os eleitores continuam acreditando na isca do anzol da mudança jogado em todas as eleições. E, agora, jogado com muita antecedência porque o Brasil se transformou em um vulcão eleitoral que expele larvas e fogo de maneira ininterrupta. Na margem da extrema direita, o vulcão Bolsonaro está plenamente ativo. Na outra margem do espectro ideológico, vemos o vulcão Lula, menos incandescente, porém ativo, e no meio do arco, aparecem vulcões menores, alguns jogando fumaça.

A hipótese é única: o perfil que melhor encarne o conceito de mudança levará a melhor e será entronizado na cadeira presidencial. Debulhando a expressão, vejamos algumas linhas de significados. Mudar seria alterar a ordem estabelecida. Em termos concretos: impulsionar a economia de forma que possa aumentar o dinheiro no bolso das pessoas; melhorar o sistema de saúde, equipando hospitais e maternidades; baratear o custo dos alimentos; facilitar a mobilidade dos habitantes, ampliando e modernizando os transportes; dar aos cidadãos maior proteção e melhor segurança, diminuindo a violência. Mas não só aspectos materiais do cotidiano devem ser contemplados.

Mudar significa também mexer na pauta de padrões e costumes, dando a eles maior funcionalidade, como é o caso da burocracia. Mudar é aplicar a lei, doa a quem doer, é abrir os canais da justiça para todos, com acesso fácil e com maior agilidade. É não roubar e não deixar outros roubarem. É dar crédito aos valores que sedimentam a civilidade e o civismo. A ética e a moral. O respeito aos direitos individuais e coletivos.

Não é tarefa fácil, eis que somos um país onde as instituições não estão de todo consolidadas e as tensões constantes entre os Poderes ameaçam a harmonia social. Maquiavel já pregava: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas.” Se imprimir nova disposição ao sistema político é tarefa complicada em qualquer democracia, imagine-se o grau de dificuldade que gera no meio de uma cultura inoculada pelo vírus patrimonialista, que corrói as entranhas da política.

Ademais, parcela ponderável de nossa população padece de torpor. Indolência. A imagem que costumo usar é do Mané que caiu em um poço profundo. Desesperado, tentava, por horas seguidas, escalar as paredes. Quando conseguia subir alguns metros, caia novamente. Obcecado pela ideia de se salvar, não percebia a corda lançada por um desconhecido que por ali passava. Mané não conseguia nem ouvir o apelo: “pegue a corda, pegue a corda”. Surdo, a atenção voltada para a tarefa, só reagiu quando sentiu a dor de uma pedra jogada nas costas. Furioso, olhou para o alto, viu o desconhecido e gritou: “o que você deseja? Não vê que estou ocupado? Não tenho tempo para preocupar-me com sua corda”. E recomeçou o trabalho.

Nossa esperança é a de que, após tanta pedrada nos costados, Mané acorde. E passe a engrossar as multidões nas ruas e participando do sentimento coletivo de nacionalidade.

Urge resgatar o conceito de Pátria, essa unidade implícita na solidariedade sentimental do povo. Brasileiros de todas as classes hão de se engajar na realização de seus anseios, na convicção de que, marchando juntos em busca de um ideal, nenhum ficará para trás, nem mesmo os incréus.

Jorge Luís Borges, em um de seus contos, narra a história de um homem que, ao longo dos anos, foi povoando seu mundo com imagens de reinos, montanhas, baías, ilhas, peixes, moradas, astros, bichos e pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto. Puxando a alegoria para a nossa fábula: Mané começa a descobrir que o País acalentado em seus sonhos é a imagem de sua própria cara. 

Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato.