Mais um passo foi dado rumo à aprovação do texto da lei que autoriza a prática da Telessaúde em todo o território nacional. Vale, porém, dizer que essa metodologia já está presente no setor, sendo praticada por vários profissionais da saúde: nutricionistas, farmacêuticos, psicológicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, todos devidamente autorizados pelos seus próprios Conselhos, assim como também ocorre com os médicos, através da Telemedicina. No último dia 13 de dezembro, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL 1998/2020, rejeitando, porém, o substitutivo do Senado. O texto final aguarda a sanção presidencial.
Afinal, por que a lei se faz tão importante se a prática está normatizada pelos Conselhos, inclusive sendo amplamente aceita pela sociedade? A lei possibilitará a criação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da Telessaúde, destinando-se mais recursos para a implementação da infraestrutura necessária e a capacitação da equipe assistencial. O atendimento pela via de tecnologia de áudio e vídeo não é mera transposição do real para o virtual, essencial que os profissional tenham desenvolvidas suas habilidades para a teleanamnese, para a telepropedêutica, para um teleatendimento, enfim. Imperativo construir, de forma objetiva, protocolos com linhas de cuidado ao paciente, em todas as áreas e especialidades.
Quando o texto passou pela apreciação do Senado, ganhou emendas que o tornaram mais restritivo quanto à indicação de drogarias e farmácias pelas plataformas de prescrição eletrônica. A referida restrição foi sabiamente rejeitada pelo Congresso: evidente que não se pode tirar do consumidor o direito de escolher onde desejar comprar seus medicamentos, mas oferecer-lhe opções próximas à sua residência ou mesmo possibilitar descontos é favorável a ele e ao ecossistema de saúde.
O fundamental e imperativo legal reside, todavia, no consentimento do paciente quanto ao compartilhamento de dados com esses estabelecimentos, caso haja.
Uma Emenda do Senado que foi mantida pela Câmara estabelece que compete ao Sistema Único de Saúde desenvolver ações de aprimoramento do atendimento neonatal, com a oferta de ações e serviços de prevenção de danos cerebrais e sequelas neurológicas em recém-nascidos, inclusive por Telessaúde.
A Telemedicina e a Telessaúde foram aceleradas por conta da pandemia da Covid-19. A tecnologia no atendimento do setor de saúde foi permitida em caráter emergencial durante a pandemia pela Lei 13.989, de 2020, mas ainda precisa de uma regulamentação permanente.
Temos iniciativas no Governo através de programas como o PROADI-SUS e a Rede RUTE (Rede Universitária de Telemedicina), que se provaram eficientes, em especial, quanto à teleconsultoria. Hospitais de referência no país, com a utilização de financiamentos oferecidos pelo PROADI (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, provaram como é possível ampliar o acesso à saúde, diminuir as filas de espera por especialistas e utilizar recursos públicos de forma eficiente através da chamada e-health.
Cabe ressaltar que a Telessaúde seguirá os princípios de autonomia do profissional, consentimento do paciente (incluindo direito de recusa à modalidade e garantia do atendimento presencial), confidencialidade dos dados, responsabilidade digital e promoção da universalização do acesso aos serviços de saúde. A prática ficará sujeita ao Marco Civil da Internet (Lei 12.965, de 2014, à Lei do Ato Médico (Lei 12.842, de 2013), à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709, de 2018), ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990), e à Lei do Prontuário Eletrônico (Lei 13.787, de 2018).
Para o exercício da Telemedicina, pelo projeto aprovado, será necessária a inscrição do profissional no Conselho Regional de Medicina (CRM) de origem, mas não será necessária inscrição no CRM do estado em que o paciente for atendido. O texto também prevê que é obrigatório o registro das empresas intermediadoras dos serviços virtuais, bem como o registro de um diretor técnico médico dessas empresas no CRM dos estados em que estão sediadas. Essas exigências já estão previstas na Resolução CFM 2134/22, vigente na atualidade.
Além disso, os convênios médicos também poderão oferecer atendimento via Telessaúde. E terão que seguir os mesmos padrões do atendimento presencial em relação à contraprestação financeira. O plano de saúde fica proibido de impedir ou dificultar o acesso ao atendimento presencial, caso este seja a opção do profissional de saúde ou do paciente.
É preciso democratizar o acesso aos serviços de saúde online, seguindo exemplos no mundo de países pobres e de outros desenvolvidos que têm a Telemedicina como integrante de seus sistemas de saúde há décadas. Apenas para ilustrar três grandes sistemas: Índia, Estados Unidos, Reino Unido (no sistema de saúde britânico, aliás, a primeira consulta deve ser virtual).
A Telessaúde e a Telemedicina foram importantes na pandemia e poderão ser ainda mais relevantes para serem atingidas as metas de melhoria do atendimento à população e de eficiência na utilização de recursos do sistema. E, com a aprovação, reafirma-se a segurança jurídica necessária para que os serviços de saúde sejam prestados com excelência por meios tecnológicos, garantindo o direito do paciente à saúde e à vida digna.
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública, MBA-FGV em Gestão de Serviços em Saúde, diretora jurídica da Abcis, consultora jurídica da ABORLCCF, especialista em Telemedicina e Proteção de Dados, fundadora e ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) entre 2013 e 2018.