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Opinião

Foto: Divulgação

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A população brasileira cultiva em seu imaginário coletivo a ideia de que o presidente da República é o verdadeiro e onipresente representante do povo, agregando a força de que é um deus-todo-poderoso, fato que acaba deixando a engrenagem política e o processo decisório em gran­de em compasso de espera. Lula, pelo seu estilo de marcar presença nos espaços centrais e periféricos, sempre lembra que ele é quem manda, foi ele quem ganhou a eleição, impõe autoridade e não admite que ministros falem sobre programas sem combinar com a Casa Civil.

A bronca que deu no ministério, com jeito de um puxão de orelhas no ministro Marcio França, da área de portos e aeroportos, que anunciou um programa de passagens aéreas de R$ 200, intenciona centralizar a comunicação e eliminar (difícil) a individualização da imagem dos ministros, cutucados pela vontade de ganhar destaque. Afinal, são potenciais futuros candidatos. Lula passa a navalha na meta da “fazeção” individual e reforça a centralização do poder. Se há alguém a ser elogiado deve ser ele

Falando sobre tudo e para todos, confere grau elevado à proeminência do poder presidencial, pelo menos no que concerne à visibilidade nos palcos enfeitados. Continua com a língua afiada e não perde a oportunidade para fazer chistes, colocar um chapéu na cabeça, como vimos na visita aos indígenas de Roraima, e despeja recados. Nesse terceiro ciclo de seu mando, o presidente calibra a participação social no processo de governança, fazendo renascer o Conselhão de representantes da sociedade, abrindo a locução para entidades organizadas. A intenção é a de puxar o povo para as proximidades do governo.

Nessa direção, o Brasil pode ser laboratório de democracia participativa, simbolizada por um conjunto infindável de organizações não governamentais, Conse­lhos e Fóruns voltados para políticas públicas (educação, meio ambiente, saúde, direitos do consumidor, criança e adolescente, etnias, mulheres, negros, aposentados etc.). O país que Luiz Inácio tenta plasmar é o da democracia de mas­sas, por meio do empuxo dos grupamentos organizados, que levantam muitas bandeiras, a partir da inclusão social.

Seria a base de uma modelagem para a mudança na política, na medida em que uma administração ancorada por forças centrípetas, empurrando o país com os rolos compressores das margens, caminharia em terreno sólido, sem os buracos abertos por demandas no balcão de trocas. Uma modelagem de índole popular puxaria o país para um terreno menos sujeito aos tratores do Parlamento. Tarefa complexa. O nosso sistema está atrelado umbilicalmente ao corpo parlamentar. Donde se infere que os chefes das Casas Congressuais tendem a lutar pelo seu contínuo poderio.

Ou seja, o Executivo, mesmo trabalhando para ampliar seus domínios, acaba fixando os pilares de uma governabilidade com o feitio de presidencialismo congressual, implicando adensamento da articula­ção política, ampliação das bases de apoio e consequente atenuação das debilidades institucionais. A maior integração da sociedade civil ao processo político, os palcos abertos das lutas por direitos humanos, o intenso processo de negociação com atores regionais e entes federativos e o incentivo ao pluralismo partidário constituem fatores que ajudam a fortalecer o ideário da administração lulista.

Quem pode inviabilizar essa arquitetura política? O plano econômico. Dando certo, o governo, aqui entendido como o Executivo, ganha o troféu. Dando errado, será refém do Parlamento. E o povo, evidentemente, recuará em seu apoio. Aqui, aplica-se a equação que este escriba tem exposto: BO+BA+CO+CA= Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça apoiando o líder da administração. A recíproca é verdadeira. Será ele crucificado em caso de desastre econômico.

Ao Brasil, porém, falta um projeto de longo prazo. Tudo por aqui é feito com o olho no imediatismo. Não há continuidade administrativa. Os governantes passam uma borracha em eventuais feitos positivos de seus antecessores, pelo que o país exibe enorme Custo Brasil. Trata-se do custo do apagão das coisas boas, o custo da fogueira acesa para devastar o passado. Quando o governante de ontem entra na cadeia dos pesadelos, aí, sim, não será possível aceitar o passivo que deixou. Urge recuperar as coisas perdidas.

Mas é importante repetir que falta ao País um projeto estratégico para garantir o crescimento sustentado. Com a ressalva de que o planejamento de longo prazo não deve ser o único fator gerador de crescimento. A queda nos juros básicos, no­vas modalidades de crédito para setores produtivos e trabalhadores, projetos de incentivo ao consumo e a unificação de programas seto­riais de transferência de renda, se não resultarem em crescimento, pelo menos gerarão efeitos nas cadeias produtivas.

Para contemplar os horizontes de 2026, eventuais protagonistas de pleitos do amanhã haverão de olhar para os alvoreceres e poentes de hoje.

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.