Existe um tipo de relacionamento econômico no qual os agentes envolvidos interagem em condições de igualdade, um modelo que prioriza práticas mais justas e sustentáveis e no qual a noção de concorrência dá lugar ao seu oposto - a cooperação. O princípio da economia solidária se baseia no trabalho cooperativo, autogestão da atividade, solidariedade e respeito ao meio ambiente.
E não é exagero definir a economia solidária como um tipo de relacionamento econômico, pois é exatamente o que o conceito preconiza. Diferentemente do modelo tradicional, em que o lucro é o principal objetivo, na economia solidária, o foco está no bem-estar coletivo, na distribuição justa de renda e na sustentabilidade ambiental.
A economia solidária incentiva e só é possível com a participação ativa dos membros da comunidade, os capacitando e incluindo no processo produtivo como agentes protagonistas do próprio desenvolvimento. Dessa forma, a economia solidária não apenas contribui para melhorar as condições de vida, mas também para empoderá-las e transformá-las em agentes ativos de mudança.
Em realidades com índice de desenvolvimento humano (IDH) baixo e estoque escasso de vagas de emprego formais, como ainda se observa em municípios do interior do estado do Tocantins, a economia solidária tem potencial de transformar realidades, se apresentando como, talvez, a melhor possibilidade de geração de emprego e renda, engajamento e empoderamento social.
De acordo com o professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), Abraão Lima, a economia solidária pode ser uma das melhores soluções para redução da pobreza e da miséria no estado. “O Tocantins é um estado pobre e tem todas as condições para receber apoio para manter o equilíbrio social, melhorando a vida dessas pessoas e promovendo condições para que as próprias famílias promovam seu sustento, participando do processo de produção, consumo e desenvolvimento social sustentável. O Tocantins pode ser um celeiro para essa nova atividade que tem o potencial de dar nova vida a comunidades que estavam praticamente desprezadas, sendo que elas próprias podem produzir para viver e sustentar suas famílias”, explica.
As primeiras iniciativas do que hoje se conhece como empreendimentos de economia solidária começaram a ser desenhadas ainda no século XIX, na Inglaterra, como alternativa ao precário mercado de trabalho que surgia graças à Revolução Industrial. No Brasil, o modelo começou a se destacar a partir da década de 1990, também como alternativa à crise dos empregos.
É por esse motivo que a economia solidária desponta como alternativa com alto potencial de desenvolvimento socioeconômico em municípios onde há déficit de postos de trabalho e condições de pobreza e miséria. “Ela não visa o enriquecimento, a disputa mercantilista, pelo contrário, ela trabalha o produto justo e solidário. Para o governo do estado é uma saída, porque é uma economia diferente de se fazer. Ela valoriza a inclusão de pessoas que estão na linha da pobreza. A economia solidária é um diferencial neste século porque ela trabalha em redes que prezam a comunicação interpessoal e as relações humanas. Os empreendimentos são fortalecidos através da autogestão. É uma educação popular”, destaca o Gerente de Inclusão Produtiva da Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), Valter Frota.
“A economia solidária é um modelo de igualdade social e equilíbrio na sociedade. Se há um contingente muito grande de indivíduos sem proteção, o governo tem que intervir como um vetor de controle social e redução das desigualdades. É possível colaborar com escolas profissionalizantes e agrícolas, por exemplo. O principal mecanismo é o Estado”, reforça o professor Abraão Lima.
Apesar de a organização de trabalhadores em cooperativas e associações ser prática comum, as atividades de economia solidária nos estados brasileiros só passou a ser incentivada com mais afinco a partir de 2001, quando o Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre (RS) discutiu o assunto; posteriormente, o Governo Federal criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária em 2003, que passou a projetar políticas públicas para o fortalecimento da prática nos estados.
Atualmente, o Tocantins conta com 503 empreendimentos de economia solidária localizados em 17 municípios, de três territórios: Jalapão, Sudeste e Bico do Papagaio. No estado, o fomento à prática teve início há cerca de dez anos, com o início do projeto Ecosol Territorial. Hoje, mais de mil famílias comercializam seus produtos diretamente para os consumidores em feiras de economia solidária realizadas todos os sábados em Araguatins, Ponte Alta do Tocantins, Rio da Conceição e Dianópolis.
É o caso das mulheres da associação de produtoras da agricultura familiar de dois projetos de assentamento da reforma agrária, no município de Ponte Alta do Tocantins. Criada em 2007, a associação iniciou suas atividades com produção de subsistência e comércio de produtos excedentes. Em 2019, com a abertura da feira de economia solidária da cidade, a associação passou a comercializar seus produtos diretamente à população.
A presidente da associação, Raquel Pinheiro da Silva, explica como a entidade conseguiu manter suas atividades em 15 anos de existência. “Nosso empreendimento sempre foi na modalidade de economia solidária, nossa associação tem autogestão, nós não temos patrão; todo mundo é dono da produção e do negócio. Somos nós mesmas que cuidamos e gerenciamos nossas atividades nos princípios da economia solidária”.
No ano passado, a associação abriu a agroindústria Mulheres Unidas, e passou a produzir, além de produtos da agricultura familiar e artesanatos, produtos de panificação e afins. Atualmente, a associação agrega 25 agricultoras familiares e as atividades comerciais desempenhadas por elas no modelo de economia solidária e autogestão beneficiam outras 80 pessoas de forma indireta. “A economia solidária deu nova cara para essas mulheres porque é um modelo que prioriza desde a produção de alimentos de qualidade, até a comercialização. Não é porque são produtos da economia solidária que devem ter preços banalizados, mas sim justos e solidários”, completou Raquel Silva, que também faz parte da coordenação dos fóruns nacional e estadual de economia solidária.
A associação já conta com quatro mulheres comercializando a produção por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e luta para inscrever outras associadas no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), condição necessária para que as pequenas produtoras possam vender para o mercado institucional.
A economia solidária transformou a vida da agricultora Edimar Rodrigues de Amorim, de 48 anos. Ela começou a trabalhar nos moldes do que preconiza a economia solidária em 2004 mas só a partir de 2020, com incentivo do Ecosol Territorial, passou a cultivar produtos da agricultura familiar. Hoje, a empreendedora solidária produz pães e bolos enriquecidos com farinha de baru, além de trabalhar, também, com a preservação do fruto típico do Cerrado. “Foram surgindo oportunidades, como o PNAE, então, fui conseguindo me encaixar e agora estou fornecendo produtos para a merenda escolar”, disse.
Os empreendimentos de autogestão, como a agroindústria Mulheres Unidas, tendem a caminhar com as próprias pernas, garantindo autonomia aos membros, como preconiza o princípio da economia solidária, mas ainda é preciso superar outras barreiras. “A economia solidária faz a diferença porque traz um aparato ao nosso conhecimento que, para nós mulheres, por exemplo, garante autonomia - nosso próprio espaço. Há algumas pessoas que não acreditam em associações como a nossa, tocadas por mulheres. Ainda falta muita conversa e entendimento entre as pessoas nesse sentido. Para mim, o trabalho com a economia solidária tem sido bastante gratificante, porque precisamos nos apoiar para crescer”, concluiu Edimar.