O Rio de Janeiro é o Estado que mais gasta proporcionalmente com polícias, destinando 10,8% de todo o orçamento público para despesas com as políticas militar e civil. Os dados inéditos são do estudo “O funil de investimento da segurança pública e prisional no Brasil”, elaborado pelo Justa, organização que atua no campo da economia política da justiça. Segundo o levantamento, dos R$ 87,4 bilhões do orçamento total do Rio de Janeiro em 2022, R$ 9,4 bilhões foram gastos com as polícias, sendo a maior fatia, de 80% (R$ 7,6 bi) com a Polícia Militar e o restante, R$ 1,9 bilhão, com a Polícia Civil. O estudo compara, ainda, os investimentos nas demais áreas da segurança pública. Apesar do alto valor destinado para as polícias, o Estado gastou 1,2% do orçamento com o sistema penitenciário (R$ 1,1 bilhão) e não destinou recursos a políticas exclusivas para egressos do sistema prisional. Para se ter uma ideia de como o valor é exorbitante, o valor investido pelo Rio de Janeiro para manter o sistema prisional foi superior à soma de todo o orçamento destinado no estado para as áreas de cultura, saneamento, organização agrária, desporto e lazer e ciência e tecnologia.
Para a diretora-executiva do Justa, Luciana Zaffalon, os dados evidenciam a urgência de inverter o atual funil de investimentos dos sistemas de segurança pública e criminal, tendo em vista que a destinação de recursos hoje favorece o encarceramento em massa em detrimento de políticas para reinserção dos egressos na sociedade e para o bem geral da população. “Os estados gastam cada vez mais com o encarceramento, mas se preocupam muito pouco com políticas para as pessoas que cumprem pena e deixam a prisão. Além disso, os recursos distribuídos para as polícias estão concentrados no policiamento ostensivo, realizado pela Polícia Militar, deixando de lado o trabalho investigativo e a produção de provas, realizados pelas polícias civil e técnico-científica. Os dados evidenciam uma prioridade de distribuição orçamentária em políticas que comprovadamente não dão resultado e que reforçam o encarceramento em massa em detrimento de políticas públicas que poderiam melhorar a qualidade da segurança pública, a vida dos egressos e de toda a população. É necessário trazer racionalidade para a política criminal e inverter o funil de investimentos – deslocando recursos da porta de entrada para a porta de saída do sistema prisional”, avalia.
Média dos estados
O levantamento do Justa mostra que esse direcionamento de recursos, que prioriza o encarceramento em massa, não se restringe ao Rio de Janeiro. Cálculos dos pesquisadores apontam que para cada R$ 4.389 gastos com policiamento nos 12 estados brasileiros analisados, R$ 1.050 são destinados para o sistema penitenciário e apenas R$ 1 para políticas que garantam os direitos de egressos do sistema prisional.
Em 2022, os 12 estados que forneceram dados para a pesquisa destinaram para políticas criminais a soma de R$ 53,2 bilhões para policiamento, R$ 12,7 bilhões para sistema penitenciário e apenas R$ 12,1 milhões para políticas exclusivas para egressos, em um total de R$ 66 bilhões em recursos públicos. Para uma análise mais efetiva dos dados, o Justa considerou, também, as ações de governo mistas, que incluem recursos destinados a pessoas privadas de liberdade, egressos e outros (sem separação entre os públicos). Nestes casos, os recursos somam R$ 145,6 milhões, um valor pequeno se comparado com os investimentos na polícia e sistema penitenciário. As ações destinadas a egressos da prisão se referem, no geral, ainda que de maneira não exclusiva, a programas de ressocialização, formação educacional, capacitação profissional, atendimento social e psicológico, provisão de postos de trabalho, entre outros.
Quanto aos recursos distribuídos nestes estados para as polícias, que juntos somaram R$ 53,3 bilhões, a maioria também ficou com a Polícia Militar, com 66,5% do total. A Polícia Civil recebeu, desse montante, 22,6% dos recursos (R$ 11,4 bilhões), enquanto a Polícia Técnico-Científica e Forense ficou com apenas 2,7% da verba (R$ 1,3 bilhão). Além disso, R$ 8,7 bilhões foram destinados para despesas compartilhadas.
O estudo analisou 16 estados, mas quatro deles não forneceram as informações orçamentárias solicitadas (Amapá, Amazonas, Mato Grosso e Roraima). Do total, 12 analisados somam, juntos, R$ 780,5 bilhões, o que representa quase 70% do orçamento total das 27 UF’s. Foram avaliados os estados do Acre, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo e Tocantins.
Dados estaduais
Entre os doze estados analisados pelo estudo, os que mais gastaram proporcionalmente com as polícias foram Rio de Janeiro, Ceará e Pará, nesta ordem. Os estados destinaram, respectivamente, 10,8%, 9,5% e 8,7% do total do orçamento para policiamento.
Confira no gráfico abaixo a proporção dos gastos com as polícias, sistema penitenciário e política para egressos em relação ao total orçamentário dos estados.
Estado | Polícias | Sistema Penitenciário | Política para egressos |
Rio de Janeiro | 10,8% | 1,2% | |
Ceará | 9,5% | 2,1% | 0,0004% |
Pará | 8,7% | 1,6% | 0,007% |
Rondônia | 8,5% | 2,8% | |
*Minas Gerais | 7,9% | 2,4% | |
Goiás | 7,6% | 1,6% | |
Tocantins | 7,6% | 0,9% | 0,005% |
Maranhão | 7,3% | 2,2% | |
Bahia | 7,1% | 0,9% | |
Paraná | 6,2% | 2,1% | |
Acre | 6,2% | 2,5% | |
São Paulo | 4,7% | 1,5% | 0,003% |
Fonte: SINCOFI, Portais de Transparência e informações obtidas via LAI | Elaboração: Justa
Em valores absolutos, os estados que mais gastaram com as polícias foram São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, nesta ordem. Dos doze estados, apenas os estados do Ceará, Tocantins, Pará, e São Paulo investiram em políticas exclusivas para egressos, mas nenhum atingiu nem 1% de verba do orçamento total para esse fim. Os montantes foram de R$ 143 mil, R$ 672 mil, R$ 3 milhões e R$ 9 milhões, respectivamente.
Gastos em termos absolutos com polícias, sistema penitenciário e política para egressos
Estado | Polícias | Sistema Penitenciário | Política para egressos |
São Paulo | R$ 14,7 bi | R$ 4,6 bi | R$ 9 mi |
Rio de Janeiro | R$ 9,4 bi | R$ 1,1 bi | |
Minas Gerais | R$ 7,7 bi | R$ 2,3 bi | |
Bahia | R$ 4,8 bi | R$ 584 mi | |
Paraná | R$ 3,4 bi | R$ 1,1 bi | |
Ceará | R$ 3,1 bi | R$ 683 mi | R$ 143 mi |
Pará | R$ 3,1 bi | R$ 584 mi | R$ 3 mi |
Goiás | R$ 2,8 bi | R$ 582 mi | |
Maranhão | R$ 1,7 bi | R$ 493 mi | |
Rondônia | R$ 976 mi | R$ 329 mi | |
Tocantins | R$ 972 mi | R$ 111 mi | R$ 672 mi |
Acre | R$ 574 mi | R$ 234 mi |
Fonte: SINCOFI, Portais de Transparência e informações obtidas via LAI | Elaboração: Justa
Região Norte
O Acre não desembolsa recursos destinados a políticas para egressos. No entanto, para se ter uma ideia de como manter o sistema prisional do Acre é caro, gasta-se mais com ações para esse fim, com R$ 234 milhões do orçamento, do que para as áreas de habitação, organização agrária, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia, trabalho e gestão ambiental que, juntas, somam R$ 226 milhões em recursos.
No Pará, proporcionalmente, para cada R$ 1.201 gastos com polícias, R$ 225 são desembolsados para o sistema penitenciário e apenas R$ 1 é investido em políticas para egressos. Os recursos para a manutenção do sistema prisional paraense, de R$ 584 milhões, superam os valores destinados às áreas de organização agrária, ciência e tecnologia, gestão ambiental e saneamento que, juntas, somaram R$ 570 milhões em 2022.
Em Rondônia, proporcionalmente, para cada R$ 247 gastos com as polícias, R$ 83 são gastos com sistema penitenciário e apenas R$ 1 é investido em políticas para egressos e pessoas privadas de liberdade. No entanto, os recursos para a manutenção do sistema prisional do estado, de R$ 329 milhões, superam os valores destinados às áreas de ciência e tecnologia, indústria, habitação, cultura, desporto e lazer, saneamento, assistência social, gestão ambiental, urbanismo que, juntas, somaram R$ 321 milhões em 2022.
No Tocantins, proporcionalmente, para cada R$ 1.447 gastos com polícias, R$ 165 são destinados ao sistema penitenciário e apenas R$ 1 é investido em políticas para egressos. A verba destinada para a manutenção do sistema prisional do estado, de R$ 111 milhões, supera os valores destinados às áreas de ciência e tecnologia, organização agrária, habitação, saneamento e cultura que, juntas, somaram R$ 107 milhões em 2022.
Região Nordeste
O Maranhão não destinou verbas para políticas exclusivas para egressos em 2022. No estado, os recursos para a manutenção do sistema prisional, de R$ 493 milhões, superam os valores destinados às áreas de indústria, habitação, trabalho, comércio e serviços, ciência e tecnologia, gestão ambiental, desporto e lazer e cultura que, juntas, somaram R$ 440 milhões em 2022.
Na Bahia, proporcionalmente, para cada R$ 211 gastos com as polícias, R$ 26 foram gastos com sistema penitenciário e apenas R$ 1 investido em políticas para egressos e pessoas privadas de liberdade. Para se ter uma ideia de como manter o sistema prisional baiano é caro, a verba destinada para essa área, de R$ 584 milhões, supera o orçamento destinado à organização agrária, energia, habitação, ciência e tecnologia, gestão ambiental e indústria que, juntos, somaram R$ 555 milhões em 2022.
No Ceará, proporcionalmente, para cada R$ 21.429 gastos com as polícias, R$ 4.784 são gastos com sistema penitenciário e apenas R$ 1 é investido em políticas para egressos. Os recursos para a manutenção do sistema prisional cearense, de R$ 683 milhões, superam o orçamento de áreas como organização agrária, indústria, energia, habitação, desporto e lazer, comércio e serviços, trabalho e saneamento que, juntas, somaram R$ 678 milhões em 2022.
Região Centro-Oeste
Em Goiás, não houve investimentos em políticas exclusivas para egressos em 2022. Para se ter uma ideia de como manter o sistema prisional do estado é caro, a verba destinada para essa área, de R$ 582 milhões, supera o orçamento destinado a energia, organização agrária, habitação, ciência e tecnologia, indústria e gestão ambiental que, juntas, somaram R$ 555 milhões em 2022.
Região Sudeste
Em Minas Gerais, não houve investimentos em políticas exclusivas para egressos em 2022, somente direcionamento de 0,042% de recursos para ações de governos mistas. Para se ter uma ideia de como manter o sistema prisional mineiro é caro, a verba destinada para essa área, de R$ 2,3 bilhões, supera o orçamento destinado à gestão ambiental, cultura, saneamento, assistência social, agricultura e ciência e tecnologia que, juntas, somaram R$ 2,1 bilhões em 2022.
No Rio de Janeiro, não houve investimentos em políticas exclusivas para egressos em 2022. No estado, a verba destinada para manter o sistema prisional, de R$ 1,1 bilhão, supera o orçamento destinado para cultura, saneamento, organização agrária, desporto e lazer e ciência e tecnologia que, juntas, somaram R$ 813 milhões em 2022.
Em São Paulo, proporcionalmente, para cada R$ 1.687 investidos nas polícias, foram gastos R$ 527 com sistema penitenciário e apenas R$ 1 com políticas exclusivas para egressos. O sistema prisional paulista é tão caro que a verba destinada para essa área, de R$ 4,6 bilhões, supera o orçamento de organização agrária, indústria, comunicações, desporto e lazer, energia, assistência social, cultura e trabalho que, juntas, somaram R$ 4,22 bilhões em 2022.
Região Sul
No Paraná, não houve investimentos em políticas exclusivas para egressos em 2022. O valor gasto com o sistema prisional paranaense, de R$ 1,1 bilhão, é superior ao gasto com indústria, trabalho, comunicações, comércio e serviços, habitação, cultura, assistência social e ciência e tecnologia que, juntas, somaram R$ 1,06 bilhão em 2022.
Sobre o Justa
O Justa é uma organização que atua no campo da economia política da justiça e que, a partir de pesquisas, se propõe a facilitar o entendimento e a visualização de dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça. O objetivo da iniciativa é mostrar os impactos que a proximidade entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – podem ter na vida social e na organização democrática, principalmente nos temas de segurança pública e a justiça criminal, âmbitos em que os direitos e a liberdade da população são decididos e nos quais a responsabilização do Estado por eventuais violações precisa de maior atenção. (AI Justa)