No cenário preocupante do desmatamento no Cerrado, o estado do Tocantins destaca-se de maneira desfavorável, liderando as estatísticas de degradação ambiental no bioma. Segundo dados do Deter, ferramenta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), somente em dezembro de 2023, mais de 132 km² foram desmatados no estado, superando outros importantes polos agropecuários como Bahia (60,97 km²), Maranhão (53,53 km²), Mato Grosso (51,33 km²) e Minas Gerais (42,75 km²).
Ciente da urgência em conter o desmatamento ilegal, o Ministério Público do Tocantins (MPTO), por meio do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), iniciou ações voltadas a propriedades suspeitas de desmatar Áreas de Proteção Ambiental. Conforme o órgão, é uma prioridade para 2024 a continuidade desse trabalho, que visa a suspensão de licenças ambientais e outorgas sobre o uso dos recursos hídricos ou qualquer atividade agrícola em áreas protegidas.
Desmatamento Ilegal Zero
Alinhado à posição do MPTO, o Governo do Tocantins promoveu, em novembro, a assinatura de um pacto entre a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), a Secretaria de Agricultura e Pecuária (SEAGRO), o Naturatins e representantes do setor agroindustrial, em que todos se comprometeram a promover o Desmatamento Ilegal Zero no Tocantins.
“Temos a necessidade urgente de proteger o seu legado ambiental e econômico. O desmatamento ilegal é uma ameaça à biodiversidade e à qualidade de vida das comunidades. Com este pacto, iremos aumentar a proteção ambiental, combater e buscar eliminar o desmatamento ilegal no Estado”, afirmou o governador Wanderlei Barbosa na ocasião.
Falta transparência
Apesar do esforço positivo em reduzir o desmatamento ilegal, é questionada a transparência dos desmatamentos legalizados no Tocantins: não há controle institucional suficiente, nem da sociedade civil quanto às licenças emitidas. Para avançar, é fundamental que o Naturatins tenha um sistema de licenciamento confiável e que corresponda à legislação ambiental e às boas práticas em transparência institucional.
Controvérsia na defesa do meio ambiente
Neste mês de janeiro, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou inconstitucionais artigos da Lei nº 3804/21, que alteram regras do licenciamento ambiental no Tocantins. A decisão atendeu ao MPTO, que cita o “retrocesso na proteção ambiental” que a legislação impõe, evidenciando a fragilidade jurídica da legislação, que buscava flexibilizar as emissões de licenças ambientais, permitindo até autodeclaração em alguns casos.
O ministro negou recurso interposto pelo Estado do Tocantins na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que já era declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Tocantins, relatando o excessivo poder destinado ao Executivo e que a legislação retirava competências normativas de órgãos como o Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA), prejudicando a participação social na elaboração de políticas ambientais. O Estado ainda pode recorrer.
Transferência de terras da União
Paralelamente, a Coalizão Vozes do Tocantins, juntamente com mais de 20 organizações, se opõe ao PL 1199/2023, que dispõe sobre a transferência de terras da União para a administração do Estado. O motivo seria a incapacidade da gestão estadual em atender às demandas de demarcação de terras e destinação à reforma agrária, em conformidade à Constituição Federal.
De acordo com estudo elaborado pelo Imazon, há uma série de fragilidades na política fundiária do Estado do Tocantins. O Instituto de Terras do Tocantins (Itertins) enfrenta insuficiência crônica de recursos humanos e financeiros, o que agrava o fato de que o acervo fundiário estadual ainda não está digitalizado, ou seja, os processos são armazenados em arquivos físicos. Os documentos dos títulos emitidos estão distribuídos em CDs anexados a cada processo, de forma que precisam ser consultados individualmente para avaliar se determinada área pleiteada já foi titulada.
Para as organizações, o Projeto de Lei pode representar o aumento da grilagem, do desmatamento e da violência no campo, uma vez que fica subentendida a destinação de terras a favor do agronegócio, setor que vem sendo continuamente priorizado e fortalecido, ao passo em que é criminalizada a luta pela reforma agrária com ações como a “Patrulha Rural”, força da Segurança Pública cuja conduta é questionada por movimentos sociais por violação de direitos humanos.
E mais, a última área destinada pelo Estado do Tocantins à reforma agrária é datada de 1996, há quase 30 anos, e caso o PL seja aprovado, terras pertencentes ao povo brasileiro podem ser transferidas a interesses particulares nacionais e estrangeiros, gratuitamente ou por valores irrisórios, conforme dispõe o Decreto nº 4832/2013 sobre preços para a venda de terra nua pertencente ao Estado do Tocantins.
Emergência Climática e dependência do agro
Ademais, o problema é maior e generalizado. Enfrentamos a era mais quente da história e a iminência, baseada em pesquisas científicas, sobre a emergência climática e os desastres naturais que devem se intensificar. Para nos adaptar às mudanças aceleradas, precisamos de reconhecimento do problema e apoio por meio de políticas públicas inclusivas, sobretudo às comunidades mais vulneráveis.
O caminho para as nações é a redução do uso de combustíveis fósseis, mas no Brasil, país cuja economia é baseada na agropecuária, os principais pontos de atuação devem ser sobre o manejo do solo, o desmatamento e as queimadas. Ao mesmo tempo, precisamos garantir a alimentação da população e um PIB diversificado, uma vez que a agricultura conta com grande dependência das condições climáticas.
Para a Coalizão, rede que reúne 15 organizações com objetivo comum de alcançar a justiça climática, precisamos de foco no objetivo comum, vista a vulnerabilidade nacional. Para isso, reforçamos que deve ser prioritária a defesa do Cerrado, que é um bioma fundamental para o equilíbrio climático, e o diálogo do poder público com os povos e comunidades que habitam e protegem a natureza do Tocantins. (KIW/AI)